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Morreu em Mindelo o intelectual e político Onésimo Silveira
Sociedade

Morreu em Mindelo o intelectual e político Onésimo Silveira

A ilha de São Vicente e Cabo Verde perderam hoje uma ilustre figura com o falecimento na manhã de hoje, no Mindelo, de Onésimo Silveira, primeiro presidente da câmara de São Vicente, em democracia, vítima de doença prolongada.

Onésimo Silveira, 86 anos, encontrava-se acamado há já alguns meses, segundo familiares, e a notícia do seu falecimento chegou célere à reunião da Assembleia Municipal de São Vicente, que decorria na manhã de hoje, na Academia Jotamont, tendo o órgão municipal cancelado de imediato a sessão extraordinária.


Onésimo Silveira nasceu em São Vicente a 16 de Fevereiro de 1935, filho de pai descendente de gente da ilha da Boa Vista e mãe descendente de Santo Antão, mas ambos naturais de São Vicente. 

Os progenitores, ela, Eufémia Silveira, mais conhecida por Mari Bibi, era vendedeira de mercado, ele, João Manuel Silveira, mais conhecido por João Dóia, era “catador” da baía do Porto Grande. 

Passou a infância entre o Lameirão, Baleia e a cidade do Mindelo, estudou a instrução primária na escola da Ribeira Bote e entrou para o liceu em 1947, tendo concluído o curso geral antes de se mudar para Portugal, para estudar enfermagem, a expensas da mãe. 

E é em Portugal que Silveira frequenta a Casa dos Estudantes do Império (CEI), convive com estudantes de outras colónias e desperta para o nacionalismo africano, então, emergente. 

Entre 1956 e 1959, depois de uma curta estada em Cabo Verde, Onésimo embarca clandestinamente para São Tomé, onde passa a viver, e trabalha como meteorologista e animador radiofónico, entre outras actividades. 

Em São Tomé priva-se com Alda Espírito Santo e outros elementos da elite local, e começa a publicar no jornal A Voz de São Tomé, na revista Claridade, no Boletim de Cabo Verde e no Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes, para, em 1960, se fixar em Angola, onde publica a noveleta “Toda a gente fala: sim senhor”, sobre a situação dos contratados em São Tomé e Príncipe. 

Na apresentação do livro/entrevista “Onésimo Silveira – uma vida, um mar de histórias”, fonte principal desta biografia, de José Vicente Lopes, no dia 21 de Janeiro de 2016, no Mindelo, Onésimo Silveira declarara que tudo quanto escreveu fê-lo por obrigação e para protestar, em Angola e em Cabo Verde, sempre “em defesa de interesses, de direitos espezinhados”. 

Livro que o próprio Silveira, à época, afirmou tratar-se de uma obra que retrata os combates que travou ao longo da sua vida, que se traduziram “numa luta constante”. 

Publica Hora Grande (poemas) em 1962, em Angola, Consciencialização na literatura cabo-verdiana, em 1963, em Lisboa, ensaio que seria traduzido para o francês por Mário Pinto de Andrade, que o publica na revista Presence Africaine, em Paris, em 1968. 

Devido à perseguição movida pela PIDE (polícia política do regime à época), Onésimo Silveira foge de Cabo Verde para Holanda a bordo de um navio mercante, mas a seguir fixa residência na China, como professor e tradutor de Mao Tsé-Tung, juntamente com o angolano Gentil Viana. 

Da China, Silveira muda-se para a Suécia, em Outubro de 1966, onde começa por trabalhar num laboratório bacteriológico, passa depois a ser o representante do PAIGC e, muito mais tarde, em 1975, fez ali o seu doutoramento, na Universidade de Uppsala. 

Primeiro presidente eleito da Câmara Municipal de São Vicente (1991-2002), Onésimo Silveira teve uma carreira política em Cabo Verde que se iniciou nos inícios dos anos 90, com o combate ao partido único, venceu três eleições autárquicas à frente dos movimentos independentes MPRSV e ATS, fundou um partido político (PTS) e um movimento cívico (Espaço Democrático), foi deputado da Nação, embaixador e candidato a presidente da República. 

Combatente nacionalista, Silveira viveu em Portugal, São Tomé e Príncipe, Angola, China, Suécia, Moçambique e EUA, entre outros países, foi poeta, romancista e ensaísta, diplomata das Nações Unidas. 

Privou ao longo da vida com Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Olof Palme, Karl Popper, Leópold Senghor, Julius Nyerere e Jacob Zuma, entre muitas outras personalidades mundiais. 

Nos EUA, onde viveu nos anos 70, conviveu com o músico Horace Silver e o escritor James Baldwin e o actor e cantor Harry Belafonte, entre outros. 

A última batalha que travou até a sua morte foi a questão da regionalização, por considerar que a ilha de São Vicente, “se não quer ser escravizada como no passado”, tem de ter poderes para “de certa maneira se auto determinar”. 

“Esta será certamente a minha última batalha mas não deixarei de atirar uma pedrada sempre que aparecer alguém a tentar pôr os pés em cima desta realidade histórica transcendente que é São Vicente”, concluíra o próprio, no dia 07 de Julho de 2015, em que recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Mindelo, numa eterna declaração de amor à ilha que o viu nascer. 

Aliás, na mesma ocasião, o então primeiro-ministro, José Maria Neves, classificara Silveira de “o grande senador da República”. 

“Onésimo Silveira está quase sempre à frente de todos, as ideias dele têm uma força fermentadora enorme que em vários momentos da história e do percurso de Cabo Verde, enquanto Nação e Estado, têm feito de nós o que somos hoje”, declarara o então chefe do Governo.

Adelino Torres, na oração de sapiência proferida no mesmo acto, destacou Silveira como “distinto homem de letras, poeta, escritor e ensaísta, características que fazem dele um dos grandes intelectuais contemporâneos, não apenas de Cabo Verde, mas da língua portuguesa”.

Seis meses depois, a 29 de Janeiro de 2016, por ocasião do lançamento do livro “Onésimo Silveira – uma vida, um mar de histórias”, de José Vicente Lopes, Germano Almeida, que se ocupou da apresentação da obra, classificou Silveira de “colosso” em experiência de vida, “tão cheia, aventurosa, diversificada e rica”. 

“(…) Tive uma vida plena, cheia, de que muito me orgulho. Não sou nem arrependido, nem desiludido da política, ainda que o futuro de Cabo Verde e da minha ilha em particular me preocupe bastante. Graças à política tive uma vida que poucos em Cabo Verde podem apresentar. A haver um julgamento da História, eu estou pronto para esse julgamento, porque um homem como eu não pode temer um tal julgamento”, são as palavras finais de Onésimo Silveira no livro, em resposta à pergunta de José Vicente Lopes se ele temia o julgamento da história. 

O corpo de Onésimo Silveira vai a enterrar dia e hora indicar no cemitério de São Vicente. 

 

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