A juíza Ivanilda Mascarenhas Varela, nomeada para julgar Amadeu Oliveira, alegadamente, por este ter alegadamente cometido 14 crimes contra a honra de alguns Juizes do Supremo Tribunal de Justica, tem contra si um processo de averiguação a decorrer no Conselho Superior de Magistratura Judicial por suposta "manipulação de provas e denegação de sentenças", presumivelmente cometidas enquanto magistrada judicial em Santa Cruz, interior da Ilha de Santiago. Foi o próprio juiz-presidente do Tribunal dessa Comarca, Anilson Silva, quem recebeu as denúncias e remeteu o caso para decisão do Conselho Superior da Magistratura Judicial, desde 6 de Julho de 2020. Mais de seis meses depois, ainda não há reacção dessa entidade encarregue da gestão e disciplina dos juizes.
Uma fonte do Conselho Superior de Magistratura Judicial confirmou ao Santiago Magazine que deu entrada nessa instituição de fiscalização da actividade dos juizes, a 6 de Julho do ano passado (há mais de seis meses), uma denúncia contra a juiza Ivanilda Mascarenhas Varela por alegadas práticas e condutas ilegais no Tribunal de Santa Cruz, "com reflexo directo nas sentenças por ela proferidas".
A remessa das denúncias ao CSMJ, a que Santiago Magazione está na posse, foi feita pelo próprio presidente do Tribunal daquela Comarca, Anilson Carvalho Silva, com base em reclamações que vinha recebendo de vários advogados em Santa Cruz, que estariam agastados com a postura da juiza Ivanilda Varela, acusada de manipular provas num processo de violação sexual e num outro relacionado com tentativa de homicídio ou ofensas corporais graves.
Para justificar o pedido de fiscalização da juiza Ivanilda Varela pelo CSMJ, o juiz-presidente do Tribunal de Santa Cruz, Anilson Carvalho Silva, baseou-se sobretudo nas reivindicações do advogado Carlos Garcia, que, ao que Santiago Magazine apurou, já vinha criticando a magistrada até se cansar e decidir formalizar por escrito uma queixa contra a mesma no Tribunal desse município do interior de Santiago, tendo o juiz-presidente desse tribunal remetido de imediato essas denúncias para decisão do CSMJ que, volvidos mais de seis meses, ainda não reagiu, para abrir um inquérito, visando apurar a veracidade ou não das denuncias, continuando a permitir o exercício normal da actividade dessa Magistrada judicial.
A nossa fonte conta, por exemplo, que "a Dra. Ivanilda Varela fazia julgamentos com gravação dos depoimentos dos sujeitos processuais, mas depois adulterava ou pagava parte dessas gravações, o que configura ser uma inserção de falsidade no processo, por forma a beneficiar uns e prejudicar outros.
Para reforçar essa tese, o nosso interlocutor afirma que "uma boa percentagem das sentenças dos processos julgados pela Dra. Ivanilda Mascarenhas Varela sequer foram depositados na secretaria do Tribunal, como manda a lei. Para além disso, desapareceram testemunhos-chaves, porque não foram gravados. São provas que foram apagadas ou manipuladas por essa magistrada. Não grava devidamente os depoimentos, não deposita as sentenças na secretaria, e decide, praticamente, de boca".
Sem perfil?
As suspeitas de ilegalidades no exercício das funções de magistrada e mesmo com uma reclamação por manipulação de provas e denegação de sentenças às costas, não impediram que Ivanilda Mascarenhas Varela fosse transferida para o 4º juízo-crime do Tribunal da Praia e lhe ser entregue, curiosamente, o processo contra Amadeu Oliveira, precisamente o advogado que há anos vem denunciando fraudes no sistema judicial, denunciando amiúde casos de "juizes prevaricadores", que "falsificam provas, para condenar presumíveis inocentes" ou para beneficar presumíveis culpados, "tal como a juiza Ivanilda Varela está sendo denunciada".
Para a nossa fonte, as suspeitas que pendem sobre a juiza Ivanilda Varela, desde logo, condicionam e descredibilizam o julgamento do processo de Oliveira. "Não há garantias de que essa juiza, que desde Junho foi alvo de queixas de um advogado por fraude processual e manipulação de sentença, tenha os requisitos de integridade moral, seriedade e competência técnica para julgar qualquer cidadão, quanto mais um processo em que estão em causa 14 supostos crimes cometidos contra os juizes do Supremo Tribunal de Justiça", analisa a fonte.
Aliás, observa a mesma fonte conhecedora do sistema, um dos primeiros despachos que a juiza Ivanilda Varela emitiu assim que assumiu o 4º juizo-crime e, consequentemente, o 'dossier Amadeu Oliveira', foi recusar uma série de requerimentos de prova que a defesa de Oliveira teria solicitado desde Março de 2019 e que os outros dois juizes que lhe antecederam (Alcides Andrade, que pediu escusa, e Sara Isabel Ferreira, que rejeitou pegar no caso por reconhecer que o 4º juizo-crime não é competente para julgar esse processo) já tinham aceite.
Essas provas que os juizes anteriores, Alcides Andrade e Sara Ferreira já tinham aceites reproduzir em julgamento, mas que a actual titular do processo supostamente não quer admitir, podem, no entender do nosso interlocutor, comprometer toda a defesa de Oliveira, ao ponto de ser condenado só porque foi impedido de fazer a prova das suas afirmaçóes. "Basta referir que Ivanilda Varela decretou a não aceitação da reprodução dos videos com entrevistas concedidas por Amadeu Oliveira aos órgãos de comunicação social, nem tampouco irá permitir que sejam considerados artigos de jornais, noticiários e programas de rádio e televisão, quando resulta evidente que só metiante a reprodução de tais elementos de prova, na sua integralidade, permitiriam ao Tribunal aquilatar da justeza e da veracidade das acusações tecidas por oliveira contra os juizes visados", diz a nossa fonte.
A condenação anunciada
Pior do que isso, atestam as nossas fontes, a juiza Ivanilda Varela terá recusado requisitar cópia dos processos a partir dos quais os juizes do STJ terão, supostamente, introduzido falsidades e cometido alegadas fraudes processuais que Amadeu Oliveira vem apontando. Consta também que a juiza terá recusado solicitar ao CSMJ um e-mail presumivelmente trocado entre Oliveira e a directora de gabinete do Conselho de Magistratura Judicial, onde o advogado santantonense acusava o próprio CSMJ de estar "a fabricar mentiras e aldrabices para proteger alguns juizes e enganar o Presidente da República".
Para a defesa do polémico advogado a equação é fácil de se fazer. "Se um juiz não permitir a produção de todas as provas na audiência de julgamento, o mais provável é o Amadeu Oliveira ser condenado nos 14 crimes de que está acusado, a uma pesada pena de prisão efectiva que pode ultrapassar os 6 anos de cadeia".
Entre os processos que Ivanilda Mascarenhas Varela teria recusado requisitar junto do STJ e do Tribunal Constitucional está o do emigrante Arlindo Teixeira, que veio, em Julho de 2015, passar 45 dias de férias e acabou condenado a onze anos de prisão com base em falsificação de provas e fraudes processuais, a acreditar nas palavras de Amadeu Oliveira. Foi, de resto, este processo que desencadeou, desde 2016, a revolta e indignação de Oliveira contra o sistema judicial, ao perceber que, "mesmo fazendo prova de que esse emigrante tinha sido condenado com base em fraudes processuais, os juizes da secção criminal do STJ, onde se inclui, Benfeito Mosso Ramos e Fátima Coronel, limitaram-se a diminuir a pena de 11 para 9 anos, condenação essa que também foi feita com base noutras fraudes processuais", conforme explicara, desde há muito, Amadeu Oliveira. Esse emigrante, sujeito à prisão preventiva e, posteriormente, condenado fora do quadro legal vigente, acabaria por ser posto em liberdade após mais de dois anos de cadeia, por decisão do Tribunal Constitucional.
Refere-se que o emigrante Arlindo Teixeira foi solto no dia 26 de Abril de 2018, ficou impedido de regressar à França onde residia, até que o Supremo Tribunal de Justiça reanalisasse as provas "falsificadas". Acontece que, desde então, volvidos quase 3 anos, ele continua sem conseguir regressar ao país de acolhimento, tendo já perdido alguns laços familiares - a mãe morreu há poucos dias e o pai está doente -, encontrando-se, numa triste situação económica e social, apodrecendo num dos bairros dos arredores da cidade do Mindelo, à espera decisão do STJ, que na semana passada agendou uma ACP para o dia 25 de Fevereiro.
Por tudo isso e com a Juiza Dra. Ivanilda Varela, no dizer do seu advogado, "a dificultar a junção desses elementos de prova ao pocesso", há quem preveja uma condenação anunciada de Amadeu Oliveira numa pesada pena de prisão efectiva, sem descorrar de uma pesada indemnização cível à favor dos Venerandos Juizes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, caso estes assim entenderem.
Suspeição e Interesses Cruzados
Segundo o nosso interlocutor, faria mais sentido e conferiria mais credibilidade ao processo, se o mesmo fosse tramitado por um outro juiz que não tivesse envolvido em nenhum denúncia ou averiguações, até porque, em última instância, serão os juizes do Supremo Tribunal de Justiça a decidir o destino da Juiza Ivanilda Varela no âmbito do eventual processo disciplinar que se lhe vier a instaurar, sobretudo se houve aplicação de alguma sanção disciplinar, momrmente, a sua demissão e expulsão da Magistratura, que é a pena mais grave a que a actual juiza pode vir a ser sujeita. Nessa ordem de ideias, a suspeição e o impedimento parecem evidente para qualquer pessoa comum, posto que será a Juiza Ivanilida Varela quem vai decidir o destino do processo crime instaurado pelos Juizes do Supremo Tribunal de Justiça contra Amadeu Oliveira no quadro desse processo dos 14 Crime, quando é previsível que pode ser os mesmos Juizes do STJ a virem decidir o processo dessa Juiza. Deste modo, atesta um jurista, fica mais do que claro que seria mais prudente deixar um outro Juiz realizar o julgamento, por forma a evitar um grosseiro conflito de interesse que pode comprometer a isenção, a integridade e a equidade da sentença que vier a ser proferida.
Germano Almeida aponta ao corporativismo
Com efeito, esta suposta "promiscuidade" foi referida e criticada pelo aclamado escritor, advogado e pensador cabo-verdiano, Germano Almeida, numa entrevista ao Expresso das Ilhas de 30 de Dezembro. "Os tribunais funcionam com corporativismo", disse o mais internacional escritor nascido em Cabo Verde, para quem só investigação independente irá, de facto, apurar toda a verdade acerca das denúncias vindas a público de esquemas fraudulentos no sistema judicial. "As acusações que o dr. Amadeu Oliveira tem vindo a fazer são gravíssimas, e não podem ser outros magistrados a investigar e dizer o que é verdade", defendeu.
Germano Almeida (Prémio Camões 2018) também criticou severamente o STJ. Quando questionado pela jornalista Sara Almeida sobre "situações caricatas da Justiça" - "Há pouco falava do Tribunal Constitucional, também tivemos este ano situações algo caricatas na Justiça. O Supremo declarou que não iria participar em actividades públicas, suspendeu a sessão de abertura do ano judicial… Como vê esta reacção?" - Germano Almeida respondeu: "Se conhecermos a história do Supremo não vamos estranhar que tenha agido desta maneira. O Supremo de vez em quando tem atitudes destas e reage com chantagem sobre a sociedade. Lembro-me que a seguir à abertura política, nos anos 90, já não sei bem o que houve, uma crítica qualquer no jornal, e o Supremo pediu demissão em bloco. Houve, depois, outras, e agora esta".
O mais internacional escritor cabo-verdiano, que já foi inclusive Procurador da República, disse acreditar que o problema está no corporativismo do sistema. "O problema é que, os tribunais [em geral] – e isto é uma coisa que a gente tem de dizer com sinceridade, talvez com toda a crueldade – funcionam com corporativismo".
A seu ver, "as questões, por exemplo, que têm sido denunciadas a nível da justiça são graves e não é investigar a nível interno que vai solucionar a questão e dar credibilidade. Era preciso haver uma investigação exterior, de uma instituição da sociedade exterior aos tribunais, gente independente, capaz de ver o que há de verdade naquelas acusações".
Sobre o caso que envolve Amadeu Oliveira (o rosto da insatisfação pública do desempenho da justiça) e os juizes do STJ, que o acusam da prática de supostos 14 crimes de ofensa à sua honra, Germano Almeida afirmou: "As acusações que o dr. Amadeu [Oliveira] tem vindo a fazer são gravíssimas, e não podem ser outros magistrados a investigar e dizer o que é verdade. Importava haver uma investigação independente. A ser falso, Amadeu terá de ser punido, porque não pode acusar falsamente os órgãos do poder judicial como faz. Isto, se é falso. Se é verdade, essas pessoas terão de ser punidas. Mas tem de se saber".
Na mesma senda, e afinando pelo mesmo diapasão, o advogado Rui Araújo escreveu o seguinte no Santiago Magazine (link Praia Leaks): "Está hoje o Poder Judicial a pagar o fruto de cumplicidades entre várias águas turvas, onde todo o peixe ruim se esconde. Pois esse é um peixe corrupto que não tem Pátria, não reconhece família, nem partido político".
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