Completam-se hoje dois anos que Nina e Filú, dois primos, desapareceram sem deixar rastos, enquanto a Polícia Judiciária (PJ) garante que o caso ainda está em investigação.
“O caso ainda está em investigação”, disse à Inforpress o responsável da Secção de Investigação de Crimes contra Pessoas da PJ, Adérito Moreno, ao ser instado a pronunciar-se sobre o caso que deixou as famílias daquelas crianças “afundadas num mar de dor”.
Perguntado se os familiares têm sido informados sobre o andamento do processo de investigação, aquele responsável respondeu: “Na medida do possível, temos mantido os familiares informados”. Mas, a porta-voz da família, Arlinda Mendes, mãe de Sandro Mendes, (Filú), contraria essas informações.
Isa, como também é conhecida, afirma que no primeiro ano que se seguiu ao desaparecimento dos dois primos foram algumas vezes contactados pelas autoridades cabo-verdianas, mas que há “mais de ano que ninguém contactou à família para dizer alguma coisa”.
“Quando se completou um ano [do desaparecimento], fui ter com a PJ, mas não consegui falar com quem queria porque me disseram que não se encontrava presente”, lamenta, acrescentando que não pôde ir à Polícia Judiciária mais vezes por causa do seu trabalho.
Ela é empregada doméstica e no período em que podia estar a descansar, se dedica à venda de fresquinha (sorvete) no Liceu Domingos Ramos.
“Quando se vai lá [PJ], ficamos a perder praticamente um dia de trabalho e a resposta que nos dão é sempre a mesma, ‘estamos na investigação’”, queixa-se Isa.
As famílias, conforme revelou à Inforpress, sempre naquela expectativa de um dia serem surpreendidas com a notícia do aparecimento das duas crianças, “não largam a televisão”.
“A vida da minha mãe é estar à frente da televisão para ouvir alguma coisa sobre o aparecimento da Nina e Filú”, asseverou.
Na altura, quando desapareceram, as duas crianças viviam entre Castelão e Achada Limpa, na companhia da avó Marcelina Mendes Tavares, conhecida por Bianina. Saíram de casa, a pedido da avó, para comprar açucar em Água Funda, bairro de assentamentos informais da Cidade da Praia, situado a pouca distância da localidade onde moravam.
Depois de dois anos, continua a pairar um sentimento de angustia no seio das famílias que ainda acreditam que Filú e Nina possam estar vivos e um dia regressem ao seu convívio.
“Temos esperança que as nossas crianças ainda estão vivas. É esta fé que ainda me mantém de pé”, afirma a mãe Isa, por entre lágrimas. Hoje, conforme revela, sente-se “perturbada pelo sono” porque está sempre a pensar nas duas crianças.
“Sentimos muita falta desses meninos, que eram muito queridos nas nossas ruas. Todo o mundo chamava pelos nomes de Nina e Filú, porque eram crianças divertidas”, declarou, acrescentando que os seus dois filhos mais velhos, um de 21 anos e outro de 15, se sentem “revoltados” com a situação dos dois primos desaparecidos.
“O mais velho passa o tempo deitado, enquanto o mais novo está sempre sentado com a cara virada para o chão e, algumas vezes, têm dito que na nossa terra não há justiça, confessa Isa.
Às autoridades, apela para continuarem a investigar sobre o caso dos dois primos com vista a serem localizados e devolvidos às respectivas famílias.
Mostra-se, entretanto, “decepcionada” porque, segundo ela, num ano “desapareceram cinco meninos em Cabo Verde e não há resposta [por parte das autoridades] ”.
“Temos o Governo e temos autoridades competentes e por que razão essas crianças não aparecem?”, pergunta, deixando transparecer que se aquelas crianças fossem filhas de “famílias com maior posse já teriam sido encontradas”.
Para Isa, é preciso que se descubra o que está a passar em Cabo Verde com o desaparecimento de pessoas.
“Num ano, desaparecem cinco pessoas e acham que isto normal. Às vezes, nem quero ver a televisão, pois, um dia, vi uma senhora a dizer, no debate no telejornal, que sempre houve desaparecimento de pessoas em Cabo Verde. Já tenho 40 anos de idade e nunca tinha ouvido a dizer que essas coisas aconteciam”, assegurou.
Na sua perspectiva, na impossibilidade de as autoridades lhes devolverem os seus filhos, ao menos que lhes apresentassem as pessoas que praticaram tais actos.
Além de Nina e Filú, continuam ainda desaparecidos, desde 28 de Agosto de 2017, um bebé e a sua mãe Edine Jandira Robalo Lopes Soares que residiam em Achada Grande Frente (Praia). A mãe alegou que ia levar o recém-nascido para o controlo no PMI (Programa Materno-Infantil), na Fazenda, e nunca mais foram vistos.
No dia 14 de Novembro de 2017, Edvânea Gonçalves, criança de dez anos, do bairro de Eugénio Lima, saiu de casa para fazer um mandado, a pedido da mãe, junto de uma vizinha a pouco mais de 100 metros da sua residência, não voltou.
Entretanto, a 14 de Julho, dia em que completaria oito meses fora de casa, a PJ comunicava aos pais que ossadas identificadas, em Janeiro, em Ponta Bicuda, Praia, por um grupo de cidadãos à procura de búzios no mar, pertenciam à menina.
A 06 de Fevereiro de 2018, em nota de imprensa, o Ministério Público anunciou a criação de uma equipa conjunta de magistrados, Polícia Nacional e Polícia Judiciária para investigar o desaparecimento de crianças na Cidade da Praia.
A 22 de Fevereiro, em declarações à imprensa, o ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, deixou transparecer que aquelas crianças podiam estar prestes a serem libertadas, ao afirmar que quem as tinha na sua posse sabia que estava “a ser caçado nessa altura”.
No dia 10 de Maio de 2019, o então procurador-geral da República, Óscar Tavares, traído pelas investigações, que não foram direccionadas como devia ser, garantiu aos jornalistas que o processo sobre o desaparecimento de pessoas em Cabo Verde tinha avançado do ponto de vista da investigação e que havia indícios de que as mesmas pudessem estar vivas. Só que a Edvânea já estava morta.
O desaparecimento misterioso de pessoas já levou à realização de várias manifestações de rua, sobretudo na capital do país.
O Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, preocupado com a situação, exigiu que as autoridades competentes esclarecessem os casos, ainda que fosse com o apoio de peritos internacionais.
À voz do chefe de Estado associaram-se outras, como a da primeira-dama, Lígia Fonseca, do cardeal Dom Arlindo Furtado e de líderes políticos.
Com Inforpress
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