Abuso sexual de menores. Psicóloga alerta para "cultura do silêncio"
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Abuso sexual de menores. Psicóloga alerta para "cultura do silêncio"

A psicóloga Ana Lissa Teixeira alertou hoje para a persistência de uma “cultura de silêncio e vergonha familiar” no país, que continua a alimentar e encobrir casos de abuso sexual infantil, frequentemente dentro das próprias famílias.

A responsável, coordenadora da Rede de Protecção à Criança contra Abuso e Exploração Sexual de Santiago Sul, reagiu, em entrevista à Inforpress, ao caso de uma adolescente que foi alegadamente abusada sexualmente durante vários anos por familiares próximos, situação que, segundo disse, “revela de forma crua” o cenário do abuso intrafamiliar no país.

“Este caso, como todos os incidentes de violência sexual, representa uma flagrante violação dos direitos humanos e um grave atentado à dignidade da criança. Em Cabo Verde, a maioria dos agressores são membros do núcleo familiar ou figuras de confiança, o que agrava a traição e a vulnerabilidade da vítima”, sublinhou.

De acordo com dados do Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA), Cabo Verde registou mais de 250 casos de abuso e exploração sexual de menores em 2024, sendo que cerca de 70 por cento (%) ocorreram no seio familiar.

Especialistas têm alertado que os números reais podem ser muito superiores devido à subnotificação e à vergonha associada ao tema.

Para Ana Lissa Teixeira, o silêncio que envolve esses casos “é sustentado por uma estrutura social que valoriza a aparência e o ‘bom nome’ da família”, mesmo à custa da dor da vítima.

“O agressor, por ser alguém próximo, goza de um estatuto de confiança e impunidade. E, muitas vezes, a própria vítima é silenciada por medo, ameaças ou pela ideia de que revelar o abuso trará vergonha para a família”, afirmou.

A psicóloga reforçou ainda que o impacto psicológico de uma criança abusada dentro da própria família é devastador, uma vez que o trauma envolve não apenas o acto em si, mas a quebra de confiança com aqueles que deveriam protegê-la.

“A destruição desse vínculo fundamental compromete a capacidade da vítima de confiar, podendo gerar transtornos emocionais e dificuldades de vinculação ao longo da vida”, explicou, acrescentando que o tratamento deve ser prolongado, especializado e focado na reconstrução da segurança interna da vítima.

Para prevenir novos casos, Ana Lissa defende uma resposta “estrutural e coordenada” que envolve famílias, escolas e instituições públicas.

“A mudança começa no lar, com educação sexual e afectiva, para desconstruir a cultura do segredo. As escolas precisam formar professores e criar canais de denúncia seguros. E as instituições de justiça devem ser mais céleres e humanizadas para evitar a revitimização”, concluiu.

Em Cabo Verde, apesar dos avanços na legislação e na actuação das redes de protecção, organizações da sociedade civil têm insistido na necessidade de políticas públicas mais eficazes, sobretudo no acompanhamento psicológico das vítimas e no reforço das campanhas de sensibilização nas comunidades.

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