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 Salários dignos! Mas como?
Ponto de Vista

 Salários dignos! Mas como?

"Normalmente estas grandes empresas que operam em Cabo Verde têm sede na Europa, onde vendem os serviços aos seus clientes. Isto significa que as receitas destes grandes grupos permanecem na Europa, limitando ao mínimo as transferências de fundos para àqueles que gerem as atividades e nível local. Na prática, a riqueza permanece na Europa, dando a garantia de cobertura de custos às estruturas locais".

 

   tude kriston, tude simbrom,

   tem direite a sê gota d’ága.

(Renato Cardoso)

“Os salários devem ser aumentados, porque os trabalhadores não podem continuar a ser explorados, devem ser tratados com respeito!” - esta é a frase que ultimamente se repete com frequência em várias plataformas sociais. Daí, o aumento contínuo dos pedidos ao Centro Conjunto de Vistos e a vontade de emigrar para encontrar oportunidades de trabalho no estrangeiro, sobretudo agora com o aumento da procura portuguesa e que, pelo menos ao que parece, existem facilitações nos processos “coordenados” entre os dois países.

Agora, o aumento dos salários deve ser pago pelo Estado no caso dos funcionários públicos e pelas Empresas no caso dos funcionários privados. No primeiro caso, para financiar continuamente este aumento, é necessário encontrar os fundos necessários, que geralmente se traduzem num aperto da cobrança de impostos, principalmente em três macro áreas: consumos (IVA), impostos sobre salários e lucros das empresas e Impostos alfandegários.

Aumentar a alfândega, o IVA e os salários, significa aumentar os custos de uma empresa, que obviamente terá de aumentar os preços de venda de produtos e serviços, fazendo subir a inflação. Resumindo, você ganha mais, mas entre impostos, taxas e inflação, grande parte do aumento será perdido.

É evidente, portanto, que não é possível pensar em aumentos salariais da noite para o dia, não pode ser apenas uma decisão assumida sem variáveis ​​definidas e mensuráveis.

Duas coisas básicas devem acontecer: o crescimento económico e o poder de negociação dos sindicatos.

De facto, o crescimento económico por si só, não é suficiente para garantir aumentos salariais, pelo contrário, muitas vezes se traduz em maiores lucros e investimentos futuros das empresas na economia (com redução do desemprego). Mesmo o poder de barganha dos sindicatos por si só não é suficiente, pois sem crescimento para sustentar os negócios (aumento de receita) é impensável enterrá-los com aumento de custos. Por isso, os dois fatores devem andar de mãos dadas, a ponto de um bom acordo seria justamente fixar os reajustes salariais nos índices de crescimento econômico dos diversos setores da economia do país, talvez em bases trienais.

Por exemplo, as economias verde e azul têm níveis salariais muito baixos, de fato ao longo dos anos não foram capazes de crescer e redistribuir a riqueza adequadamente. Também por isso o Governo decidiu facilitar os investimentos nestes sectores, atraindo investidores que possam produzir riqueza, fazer crescer a economia destes sectores e dar a possibilidade aos vários sindicatos de negociarem salários, pois haverá maior riqueza e esta poderá ser redistribuída para aqueles trabalhadores que compõem a cadeia de valor.

Por outro lado, o setor do turismo merece uma discussão à parte, em que a presença de grandes grupos internacionais modifica o sentido de “riqueza”, uma vez que estão em jogo diferentes países e, portanto, diferentes economias, bem como uma diferente participação na sua gênese.

Normalmente estas grandes empresas que operam em Cabo Verde têm sede na Europa, onde vendem os serviços aos seus clientes. Isto significa que as receitas destes grandes grupos permanecem na Europa, limitando ao mínimo as transferências de fundos para àqueles que gerem as atividades e nível local. Na prática, a riqueza permanece na Europa, dando a garantia de cobertura de custos às estruturas locais.

Neste caso específico, portanto, não é mais Cabo Verde que determina o aumento da riqueza real no setor, mas sim os investidores que de vez em quando vão determinar quanto distribuir em Cabo Verde. Resta-nos limitar-nos a consultar as estatísticas publicadas pelo INE e exigir a Taxa de Segurança Aeroportuária, a Taxa de Turismo e o IVA. Não sabemos bem o verdadeiro valor representado pelo nosso destino, porque é uma informação que pertence a cada um dos investidores sedeados em Europa. Essa assimetria de informações não permite um poder real de negociação, pois falta uma visão geral do setor, mais abrangente.

Costuma-se dizer que o mercado determina o valor dos salários. Isso é parcialmente verdade, oferta e demanda sempre desempenham um papel crucial na determinação de qualquer preço, neste caso até mesmo dos salários. É também por isso que muitos cabo-verdianos querem emigrar: querem encontrar novos mercados, com salários mais elevados.

Isso obviamente representa uma grande perda para o país, que vê suas excelências trazendo sua formação e experiência para o exterior (nem enfrentamos neste âmbito os dramas sociais das famílias que se dividem entre dois continentes).

Esta é também a razão pela qual dificilmente a Diáspora regressa ao trabalho em Cabo Verde, no máximo, poderá regressar como investidor. O mercado de trabalho local não é competitivo com os países europeus e não é apenas para os salários.

Uma coisa é certa: o turismo aumentou significativamente nos últimos 15 anos, não só em termos de novos investimentos, mas também em termos de receitas (além do período Covid é claro), no entanto a riqueza produzida não trouxe tantos benefícios, enquanto os salários, que permanecem praticamente inalterados, assim como a taxa de inflação.

Com o início da crise energética, por outro lado, a inflação importada atingiu 9% em julho de 2022, afetando fortemente o segmento mais frágil da população. Sim, porque se desmembrarmos os dados, vemos que os bens alimentares aumentaram 17,6% e esta despesa tem um peso inversamente proporcional aos salários: quanto mais baixo o salário, maior é a fatia destinada à alimentação (uma necessidade primária).

Além disso, o custo de vida obviamente não é o mesmo a nível nacional: ilhas como Sal e Boavista são notoriamente muito mais caras que as outras e por isso o salário mínimo a nível nacional não é uma medida que garante o mesmo poder de compra a nível regional.

Enfim, o próprio conceito de salário mínimo, tal como hoje vislumbrado pelo ordenamento jurídico, não cumpre sua função principal: garantir poder de compra suficiente para que um trabalhador possa, por meio de seu trabalho, ter uma vida digna.

Se, mesmo trabalhando, uma pessoa não alcança esse direito, há algo de errado com a “governance” das Empresas e do Estado.

 

* Empresário italiano residente em Santa Maria, ilha do Sal. Escreve em exclusividade para o Santiago Magazine

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