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Receber sem trabalhar não me calha de feição
Ponto de Vista

Receber sem trabalhar não me calha de feição

"Tomemos dois exemplos: os administradores de direito que o não são de facto e os titulares de órgãos não executivos nas empresas. Os primeiros são uma fraude à lei. Não há administradores de direito que o não tenham de ser de facto: a lei impõe a todos uma série de deveres correspondentes ao cargo que não são sequer delegáveis, mas acontece com frequência que na hora da verdade, na hora de prestar contas, esses tais administradores de direito venham alegar que apenas emprestam o seu nome para enfeitar o órgão e torná-lo mais respeitável perante terceiros. É fraude, claro. É fraude grave, não só pelo engano em que induzem terceiros, mas também é ilegítimo por serem retribuídos por nada, por receberem sem trabalhar!"

O artigo 1º da Constituição da República de Cabo Verde proclama logo no seu artigo 1º que garante o respeito pela dignidade da pessoa humana  e tem como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Tenho por adquirido que o respeito da dignidade de todo o cidadão cabo-verdiano passa necessariamente por permitir que quem trabalha possa com o seu salário satisfazer pelo menos as suas necessidades básicas, não só, mas pelo menos e sempre. E àqueles que por qualquer motivo não podem ganhar a vida com o seu trabalho impõe-se a solidariedade comunitária. Trabalhar, e muitas vezes arduamente, e não conseguir com o fruto do seu trabalho sustentar a sua família dignamente viola a Constituição. A solidariedade não é apenas um dever moral é também um dever do Estado, que se impõe ao aparelho, mas também à comunidade, ou seja, a cada um e a todos nós.

Vem a propósito a suspeita – mais não fora como princípio constitucional vem sempre a propósito! – de que alguns cargos e funções dificilmente justificam as retribuições correspondentes, desproporcionadas às responsabilidades dos seus titulares e ao trabalho que executam, chegando-se por vezes ao extremo de não executarem trabalho algum mas receberem remuneração só por darem o nome. É injusto, sobretudo tendo em conta os que muito trabalham e pouco recebem!

Tomemos dois exemplos: os administradores de direito que o não são de facto e os titulares de órgãos não executivos nas empresas. Os primeiros são uma fraude à lei. Não há administradores de direito que o não tenham de ser de facto: a lei impõe a todos uma série de deveres correspondentes ao cargo que não são sequer delegáveis, mas acontece com frequência que na hora da verdade, na hora de prestar contas, esses tais administradores de direito venham alegar que apenas emprestam o seu nome para enfeitar o órgão e torná-lo mais respeitável perante terceiros. É fraude, claro. É fraude grave, não só pelo engano em que induzem terceiros, mas também é ilegítimo por  serem retribuídos por nada, por receberem  sem trabalhar!

O outro exemplo respeita aos órgãos não executivos das sociedades. Estes órgãos têm também deveres que resultam da lei. Se os cumprem devem ter a retribuição correspondente e em qualquer caso a retribuição deve ser proporcional ao grau de responsabilidades assumidas e ao trabalho desenvolvido. Menos trabalho, menos remuneração! Nenhum ou pouco trabalho, nenhuma ou pouca retribuição! É a justiça comutativa!

O ideal, numa sociedade utópica, é que todos vivam muito bem e na sociedade pós-moderna que vivam do seu trabalho, entretanto é necessário cuidar para que os que efetivamente trabalham possam viver dignamente ainda que seja necessário moralizar aos que recebem sem trabalhar ou desproporcionalmente ao trabalho que realizam.

A dignidade humana é agora um direito de cidadania.  Não basta, porém, proclamar o direito para aplacar consciências;  é preciso fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para lhe dar efetivo conteúdo e para que todos sejamos dignos dos valores que a democracia nos trouxe e a  nossa Constituição consagra. Sejamos solidários e seremos todos melhores cidadãos e pessoas mais felizes.

 

  

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