Se o mérito for silenciado, o futuro da instituição estará comprometido. Não basta defender a ética militar no papel — é preciso protegê-la nas decisões concretas. Punir a competência é um erro grave. Permitir que esse erro se repita é um risco sistémico.
Num país onde a excelência deveria ser celebrada, cresce o risco de que o mérito se torne um fardo. Um oficial das Forças Armadas, promovido por distinção após feitos inéditos e reconhecimento internacional, pode ver a sua nomeação a CEMFA travada sob alegações de “instabilidade institucional”. A decisão levanta dúvidas sérias sobre os critérios que regem o topo da hierarquia militar e expõe um cenário onde lideranças competentes são afastadas, não por falhas, mas por se destacarem demais. O que está em causa não é apenas uma nomeação — é o futuro da cultura de mérito, ética e motivação no seio da instituição militar. Quando se pune a excelência, o sistema inteiro enfraquece.
Meritocracia em risco
A promoção por distinção é uma das formas mais nobres de reconhecimento numa carreira militar. E uma prática comum em todo mundo desenvolvido. É concedida apenas a quem se destaca de forma extraordinária, realizando feitos fora do comum em missões complexas e estratégicas. No entanto, em Cabo Verde, um caso recente mostra que esse reconhecimento pode se transformar num obstáculo em vez de um avanço.
Um oficial promovido por mérito — após liderar com sucesso projetos de modernização, comandar equipas multidisciplinares e representar o país em fóruns internacionais de alta relevância geoestratégica — poderá ver a sua ascensão ser travada. O argumento oficial: risco de instabilidade. Mas afinal, que tipo de instabilidade provoca a competência?
A lógica invertida
Se um militar promovido com base em mérito, de forma legal e transparente, é considerado um fator de instabilidade, o que dizer de oficiais menos graduados, com historial questionável, que surgem como alternativas? A incoerência da argumentação enfraquece a confiança no processo e expõe sinais de que critérios não institucionais — talvez pessoais ou políticos — podem estar a influenciar decisões de alto nível.
O efeito colateral do silêncio
A exclusão de quem se destacou não passa despercebida dentro das fileiras. Militares que participaram nas mesmas missões, que testemunharam o esforço e partilharam o sucesso, sentem agora que o sistema não recompensa a excelência — pelo contrário, pune-a. O resultado é previsível: retraimento, desmotivação e, pior, normalização da mediocridade como estratégia de sobrevivência institucional.
Neutralidade ameaçada
As Forças Armadas são, por definição constitucional, neutras, apartidárias e movidas por valores de honra, disciplina e lealdade. Qualquer interferência externa — sobretudo política — compromete a autoridade moral da instituição e fragiliza a hierarquia. Se decisões técnicas forem influenciadas por ressentimentos ou conveniências, o impacto será duradouro.
O que está verdadeiramente em jogo
Não se trata apenas de um nome, de uma carreira ou de um posto. Trata-se de saber se Cabo Verde continuará a promover e proteger a cultura de mérito, ou se permitirá que a excelência se torne um alvo a abater. A médio prazo, essa escolha determinará a qualidade da liderança militar, a motivação das tropas e a credibilidade do Estado.
Conclusão
Se o mérito for silenciado, o futuro da instituição estará comprometido. Não basta defender a ética militar no papel — é preciso protegê-la nas decisões concretas. Punir a competência é um erro grave. Permitir que esse erro se repita é um risco sistémico.
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