As culpas de Francisco
Colunista

As culpas de Francisco

Antes mesmo de ter culpa fosse do que fosse, Francisco Carvalho já nasceu (politicamente) com as culpas todas, até com aquelas que são de outros. Mesmo quando não tenha culpa nenhuma, vão sempre imputar-lhe as culpas de tudo e mais alguma coisa, porque o que está em causa não é (apenas) Francisco, é uma coisa maior que está para além dele - e isso é que mete medo aos seus opositores.

Comecemos com o “escândalo” do momento, a acção judicial que opõe o Clube de Golfe e Ténis da Praia à autarquia da capital, com a Câmara Municipal a ser condenada na quantia total de 480 mil contos ao autor da acção declarativa, em processo ordinário.

De referir, previamente, dois pormenores: 1. Para todos os efeitos, a condenação não tem efeito imediato, porquanto (querendo) a Câmara Municipal da Praia pode recorrer da decisão; 2. Não deixa de ser estranho que, mesmo antes de a ré ter sido notificada, já circulava nas redes sociais fac-simile da última página da sentença.

E a estranheza quanto ao segundo ponto reside num princípio fundamental do Direito, estabelecendo que a condenação só tem efeito após transitar em julgado, ou seja, após decisão da última instância de recurso.

E por qual razão isto é importante? Desde logo, porque vivemos num Estado de Direito democrático (ou será que não?), onde o primado da lei e os direitos dos cidadãos são peças centrais do ordenamento jurídico e da garantia constitucional de defesa. Ou seja, qualquer intento de judicialização da política e/ou de politização da justiça fere os princípios republicanos e a lisura e seriedade com que se deve reger a confrontação de ideias (conquanto saiba que, tendo em conta a delinquência política que graça por estas bandas, estarei a falar para os peixinhos).

Negócio lesivo do interesse público começou lá atrás 

A memória das pessoas é, geralmente, curta. E mais ainda o é quando capturada pelo fanatismo político e a irracionalidade partidária, mesmo quando mascarados de interesse público, de honestidade e moralismos de circunstância.

A Câmara Municipal da Praia, liderada por Óscar Santos, corria o mês de Julho de 2019, começou por vender à embaixada dos Estados Unidos da América (EUA), pelo valor de 230.314.116$00, um terreno que não pertencia ao município. Confrontada com a legítima propriedade do terreno, resolveu compensar o Clube de Golfe e Ténis (uma instituição privada) assinando um contrato com o dobro do valor do terreno, num negócio, para todos os efeitos, lesivo do interesse público, como mais adiante se verá.

Trata-se de um terreno com 22 mil metros quadrados, numa das zonas mais centrais da cidade da Praia, na Várzea, paredes meias com o Palácio do Governo. Foi um bom negócio para a embaixada do EUA, que adquiriu um terreno a preço de saldo, para mais pagando em duas prestações.

Câmara agiu como autêntica imobiliária

Substituindo-se das suas reais e legais funções de gestor e representante dos munícipes, a Câmara Municipal da Praia permitiu-se agir como empresa imobiliária, através de um acordo assinado com o clube, com poderes de representação e negociação junto da embaixada dos EUA, a quem havia vendido um terreno que não lhe pertencia.

Decorrente do contrato assinado com o clube, a Câmara Municipal da Praia assume a contrapartida de construir novo campo de ténis, sendo que para o efeito atribuiu ao Clube de Golfe e Ténis da Praia um terreno sito na Cidadela com um valor superior ao adquirido, avaliado em 33 mil contos. E por aqui se pode ver o quão lesivo foi para o erário público municipal o valor (aparentemente sub-valorizado) do terreno transaccionado com a embaixada dos EUA.

Feitas as contas, segundo os próprios registos deixados pela anterior administração municipal, a construção do novo campo ficou avaliada numa importância de 332.097. 801 escudos, já com o IVA incluído.

Com a maior desfaçatez, ainda durante o decurso das eleições, a autarquia liderada por Óscar Santos resolveu lançar concurso público, em 08 de Outubro, para a construção do campo de ténis na Cidadela, abrindo as propostas dos candidatos a 04 de Novembro, logo após as eleições autárquicas, realizadas a 25 de Outubro, terem determinado uma nova liderança na Câmara Municipal da Praia.

Chegados aqui, a leitora e o leitor não pensarão estarmos perante ocorrências, no mínimo, estranhas?! Esperem, que há mais!

Para as estranhezas não ficarem por aqui, a empresa vencedora foi responsável pela proposta mais alta, no valor de 288.780.697$00, numa diferença de cerca de 22 mil contos comparativamente à proposta mais baixa.

Ainda sem os respectivos equipamentos, isto quer dizer que o novo campo ficaria na ordem 365 mil contos. Ora, somando os equipamentos ainda não contemplados, o valor global deste negócio ficaria ao erário público municipal em mais de 400 milhões de escudos, ou seja, o valor a que agora a Câmara Municipal da Praia foi condenada a pagar, em primeira instância, ao Clube de Golfe e Ténis da Praia.

É evidente que, caso Óscar Santos tivesse ganho as eleições, os mesmos que agora acusam Francisco Carvalho de ter lesado o município em quatrocentos milhões de escudos, estariam agora calados que nem ratos.

Francisco Carvalho já nasceu (politicamente) culpado

Será que Francisco Carvalho agiu bem em todo este processo? Esta é a pergunta que se coloca. Logo no início do mandato, o Presidente da Câmara Municipal da Praia deveria ter chamado a direcção do Clube de Golfe e Ténis da Praia e dito, mais ou menos, o seguinte: “tenho aqui um contrato assinado pela anterior governação municipal, mas considero que é lesivo do interesse público, por tal, vamos revogá-lo e entregar, desde já, o valor da venda do terreno”.

Com esta posição, Francisco Carvalho teria evitado os problemas que hoje o afligem e que, muito convenientemente manipulados, são armas de arremesso político. Mas, a vida é assim: faz-se aprendendo.

A verdade é que, antes mesmo de ter culpa fosse do que fosse, Francisco Carvalho já nasceu (politicamente) com as culpas todas, até com aquelas que são de outros. Mesmo quando não tenha culpa nenhuma, vão sempre imputar-lhe as culpas de tudo e mais alguma coisa, porque o que está em causa não é (apenas) Francisco, é uma coisa maior que está para além dele - e isso é que mete medo aos seus opositores.

Em 2020, contra a maior parte das previsões, Francisco Carvalho destrona Óscar Santos da capital do país. Após um mandato agitado, quatro anos depois, em Dezembro de 2024, renova o mandato em condições ainda mais humilhantes para o partido do Governo e inflige uma derrota política história a Ulisses Correia e Silva, que havia passado vários meses reiterando que era preciso “tomar a Praia custe o que custar”.

Uma análise objectiva do resultado das últimas eleições autárquicas leva-nos a concluir que Francisco Carvalho rompeu para além do eleitorado tradicional do PAICV, afirmando-se como alguém que valia mais que o próprio partido.

Se olharmos, também com objectividade, para todos os estudos de opinião, percebemos haver uma maioria confortável de pessoas que não se revê nas políticas do Governo, e um universo muito significativo de eleitores que querem uma mudança política em 2026.

Isto é, do mesmo modo que Francisco Carvalho vale eleitoralmente mais que o seu partido, a vontade de mudança vale ainda mais que o capital político do agora líder da oposição. Ora, à falta de outra alternativa, pode-se prever qual será o sentido de voto dos cabo-verdianos em 2026, uma espécie de 2016 com outro protagonista.

Por estas razões e por uma infinidade de outras, que oportunamente trarei à vossa reflexão, é bom de se ver que esta permanente pressão sobre Francisco Carvalho é uma estratégia entre o tonto e o desesperado, que não deu certo em 2024, e só pode levar a novas derrotas.

É a vida, para além das redes sociais e das manigâncias, gizadas no interior dos gabinetes com ar condicionado!


___________
Post Scriptum:
Podem esgadanhar-se e espumarem à vontade, dizendo que estou ao serviço de Francisco Carvalho, ou, ainda, que estou às ordens de Janira Hopffer Almada (que vi pessoalmente uma única vez e nos limitamos a um educado aceno de cabeça). E também podem dizer que me passei para o “outro lado” (!?)… a verdade é que, após sete horas seguidas a padecer sem energia eléctrica, ficando inibido de trabalhar (que é o que põe comida na mesa aos meus filhos), estou-me borrifando para as vossas opiniões e passando ao lado das canalhices correlativas, que, aliás, só me fortalecem. Lá atrás eu já me pautava pelo fio condutor do que defendo hoje, independentemente do Governo de turno: intransigência nos princípios republicanos, defesa da justiça, da liberdade e da democracia. E já deveriam saber que não sou capturável! Vocês, suas sacripantas, é que venderam a alma e os princípios.

Partilhe esta notícia

Comentários

  • Este artigo ainda não tem comentário. Seja o primeiro a comentar!

Comentar

Os comentários publicados são da inteira responsabilidade do utilizador que os escreve. Para garantir um espaço saudável e transparente, é necessário estar identificado.
O Santiago Magazine é de todos, mas cada um deve assumir a responsabilidade pelo que partilha. Dê a sua opinião, mas dê também a cara.
Inicie sessão ou registe-se para comentar.