Projeção de Covid-19 do MS. Um estudo simplista e grosseiro
Ponto de Vista

Projeção de Covid-19 do MS. Um estudo simplista e grosseiro

Dei conta - através de vários órgãos de comunicação social - do estudo que projecta a evolução da pandemia Covi-19 em Cabo Verde, para os próximos tempos.

Além de usar um modelo SIR em detrimento de um SIRS, sem justificar/comentar, o que é altamente discutível, uma vez que os dados da OMS sugerem que há recuperados que voltaram a testar positivamente à doença, o estudo é extremamente grosseiro e bastante simplista, sobretudo na não abordagem e incorporação das características do País e da população no modelo - completamente ignoradas. Só os pressupostos (hipóteses) do modelo, sobretudo a assunção de Ro=2,7 ≅ e (número médio de novos infectados provocados pelo surgimento de um indivíduo infectado numa população de suscetíveis a contrair a doença), constituem uma base forte para descartar o estudo como sendo instrumento a ser adotado por um órgão de gestão de um País, como o Ministério da Saúde (MS).

Com a insularidade do País, a sua distribuição territorial da população, a sua dispersão populacional e a sua mobilidade no meio rural, diferindo muito da situação em meio urbano, o primeiro passo num estudo do género consiste no tratamento estocástico da população representativa, que foi largamente ignorada.

Ignorar as características acima apontadas, e assumir Ro tal como se fez, sem passar por um árduo trabalho de estimar as suas variações, nomeadamente em simulações estocásticas como uma estatística com uma distribuição convenientemente ponderada, torna o estudo num mero exercício/trabalho de uma eventual disciplina (“métodos matemáticos da biologia”, por exemplo) de um curso de licenciatura.

Indubitavelmente, divulgar o referido trabalho no estado em que se encontra é uma tremenda irresponsabilidade, tanto do autor como do MS. Sobre o autor recai a responsabilidade técnico-científica, pois deve saber muito bem que o trabalho carece de muitos ajustes e, sobretudo, aprovação da comunidade científica. Sobre o MS recai a responsabilidade social, na medida em que, ao assumir ter encomendado tal trabalho, estará a certificá-lo e a provocar um alarido desnecessário na sociedade.

Dada à situação em que vivemos, em vez de esvaziar o modesto cofre do estado - que vem, de forma tímida, recebendo verbas solidárias - com pedidos de consultorias, máxime sem consulta prévia ao mercado, o MS devia contactar as universidades, e sondar a possibilidade de obter voluntários para determinados trabalhos. Estou inteiramente disponível, tanto é que já preenchi vários formulários em páginas criadas pelo governo para o efeito, sem nuca ser contactado. Em abono da verdade, a UniCV está repleta de especialistas na matéria com total disponibilidade para colaborar com o País, sobretudo neste momento ímpar.

* PhD em Matemática e Aplicações - Estatística (teórica) e Gestão do Risco

*UNICV

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