TACV, CVA, seja o que for, a mudança de nome não muda a realidade, nem altera os contornos da questão. Ter ou não ter uma companhia aérea de bandeira? Que companhia de Bandeira? Com que modelo societário? Financiado como? Com que MISSÃO, a que CUSTO? Continuar a socorrer-se dos argumentos que acabo de ouvir do Sr. Ministro do Turismo e Transportes para justificar a situação de pântano (não me refiro ás dificuldades momentâneas, mas aos problemas estruturais) em que se encontra mergulhada a CVA é, no mínimo, prisão discursiva doentia, de quem ainda acredita que se pode tapar o sol com a peneira eternamente, sem consequência nenhuma. É evidente que os argumentos do Sr. Ministro cheiram a "blá blá bla blá" , "vira o disco e toca o mesmo", "conversa para boi dormir" e o PREÇO desse desconversar é altíssimo.
Desde o dia 17 de Agosto de 2017 que se vem assistindo a um teatro cuja cena final era mais do que previsível. O Acordo de Gestão assinado com pompa e circunstância, na presença de meio Governo e convidados afanadinhos e sorridentes vindos das Ilhas e do exterior, simplesmente não foi cumprido! Basta revisitarmos o dito e o escrito pelas partes contratantes para se concluir que a empresa não foi reestruturada para a privatização, mas entregue a um parceiro interessado, que teve carta branca para redimensioná-la de acordo com a sua própria estratégia de expansão das suas rotas para novas geografias, numa mera lógica de cavalo e cavaleiro, em que a TACV, CVA ou Cabo Verde é o cavalo que range e o parceiro Islandês o cavaleiro que desfruta do prazer da cavalgada.
O Sr. VPM numa entrevista à TCV, alguns dias depois da "primeira cena" dessa longa peça teatral, disse que no final do contrato a companhia estaria a ter resultados positivos na ordem dos 2.5 milhões de contos, a empresa estaria a operar uma frota de 11 aviões, a voar para os quatro continentes e os contribuintes seriam poupados de injectar dinheiro na companhia aérea, devendo esses recursos serem alocados a sectores prioritários como a Saúde e a Educação.
É claro que qualquer cidadão minimamente informado sobre o assunto terá abanado a cabeça ou esboçado um sorriso de preocupação ao ouvir tal coisa. Impossível! Não basta acreditar que as fadas existem para que elas apareçam! Não será assim! Todos os dados disponíveis, todos os pressupostos em presença, desmentiam essas projecções. Esse tal Plano era conhecido desde 2013 e não foi homologado porque de estratégico nada tinha. Era sim uma lista de vontades. Só por milagre! E nessas coisas, num sector tão competitivo, não há milagres, convenhamos!
Mas dados à irracionalidade como somos, preferimos passar meses a discutir aviões, a fotografar e a postar aviões, a inaugurar aviões e a insultar as vozes que ousavam alertar ao realismo. Mal sabiam os festeiros que nos aviões, seus custos e condições contratuais residiam e sempre residiram a génese da nossa desgraça.
Optou-se por entreter o País com Comissões de Inquérito, cuja finalidade não era compreender os meandros desse complexo dossier, mas como estratégia de caça às bruxas e para manter viva uma determinada retórica.
Perdeu-se uma extraordinária oportunidade de, aproveitando a relegitimação do poder, o momento de definição de uma nova Agenda Governativa, de um largo consenso na sociedade e entre os parceiros que era preciso adoptar soluções disruptivas (estudadas, quantificadas e documentadas) dar corpo, de forma honesta, séria, rigorosa, com a devida ponderação e humildade, a uma verdadeira política de Acessibilidade e Transporte, assumindo à partida que "ninguém vai pagar o preço dos nossos desejos". Que os benefícios e os custos terão de ser assumidos por nós e por mais ninguém! Que o Banco Mundial nem nenhum parceiro decide por nós, por mais que nos seja conveniente brandir tais argumentos.
Os Astros estavam alinhados, o contexto era favorável, mas a tentação de continuar a narrativa de campanha prevaleceu! Pena!
Ora a opção de ter uma Companhia Aérea de Bandeira e um politica de transparência bem estruturada e funcional, implica assumir que os Cabo-verdianos, directa ou indirectamente, terão de pagar o preço. Que para termos os níveis de mobilidade e acessibilidade necessários à integração do território nacional e de conectividade com o exterior que nos permitam alargar as relações com o exterior, exportar serviços e desenvolver o turismo, alguém tem que pagar!
E não sejamos ingénuos a ponto de pensar que os Islandeses ou seja que outros "eses ou esas" vão pagar as nossas contas. Teremos de fazer bem as contas e avaliar o que podemos e o que não podemos pagar e assumir definitivamente que num Arquipélago a Politica de Transporte é tão prioritária como as de saúde e a educação, a não ser que optemos por modelos territoriais completamente "revolucionários", mesmo assim sem boa acessibilidade e alta conectividade não vamos a lado nenhum.
Se dúvidas houvessem, os vários episódios ocorridos com a evacuação de doentes entre as ilhas vieram desnudar essa correlação. Ao invés, preferimos extremar e silenciar as vozes que apelavam à cautela, enredar na narrativa do HUB (penso ainda com um frio no estômago o dia em que a TCV apresentou-nos uma curta metragem sobre "HUB do Sal em operações", (Cred TCV! Casta d´cosa ê ess?") E fomos sendo atolados nessa insustentável narrativa do Hub, como se o conceito em si tivesse a magia de resolver as nossas limitações estruturais. Passamos a ver "HUB" em tudo e a justificar tudo com HUB! Como se o HUB fosse a questão central e a Política de Acessibilidade e Transporte, assunto marginal.
Cada um dizia uma coisa diferente: o mercado étnico não interessava, as ilhas não interessavam, o Governo não podia interferir na estratégia comercial da Companhia, no que dizia respeito a ligar as Cidades da Praia, Mindelo e Sal-Rei com o exterior, mas noutro registo apareciam os mesmos governantes a assinar com o Ministro de Transportes da Nigéria Acordo "para o lançamento da Rota Praia-Nigéria" (não me refiro à Assinatura do Acordo de Serviço Aéreo), deixando entender com isso que se tratava de uma rota politica e não de interesse meramente comercial. Insistiu-se num discurso falacioso de 10 mil contos de prejuízo/dia suportado pelo erário público a que era mister pôr cobro, - PURA RETÓRICA! - para se justificar todas as decisões assumidas como verdadeiros "coelhos retirados da cartola" por Verdadeiros Super Heróis caídos de Marte! Santa e CARA inocência!
E aqui estamos! Presumivelmente salvos pela COVID-19. Agora a culpada de tudo o que corre mal. Mesmo dando de barato que tudo foi feito de "boa-fé", essa longa "prisão discursiva" tem de acabar um dia. Será desta? ou vai-se continuar a enrolar até o dia do Juízo Final?
Está mais do que na hora de assumirmos, de uma vez por todas, sem "essa eterna tentação de enganar o parceiro ou a nós próprios", que para assuntos sérios como "Soluções de Acessibilidade e Transporte" para uma pequena economia, de um país PERIFÉRICO (não vale a pena pensarmos que Cabo Verde é o Centro do Mundo porque não o é: há-que destrinçar entre poesia e realidade) para justificar as retóricas de conveniência.
Cabo Verde é um País periférico, fortemente marcado pela multi-insularidade e seus efeitos, com forte dependência do exterior e da sua dispersa mas absolutamente vital e estratégica diáspora. Montar um sistema de transporte eficaz e eficiente requer muito sentido de realismo, muito dinheiro (o próprio sector tem gerado recursos interessantes que por opção são investidos em calçadas, pracetas e muros coloridos, temos alguma capacidade para mobilizar um pouco mais, se as prioridades forem devidamente estabelecidas), requer muita expertise com boa liderança e supervisão, trabalho sério, requer REALISMO E VERDADE! Não há soluções milagrosas, nem Super Heróis, que nos valham!
Também a Covid-19 não pode ser responsabilizada por tudo. Porque a Pandemia vai passar e o milagre não acontecerá se não enfrentarmos a realidade dos factos! É sim hora de assumirmos se o País quer ou não ter uma Companhia de Bandeira, em que moldes, com que MISSÃO, PAGA por quem dela usufrui dos seus serviços e benefícios (pondo fim obviamente à tentação do "uso privativo" dos benefícios e à "socialização dos prejuízos").
Mas se o Exmo. Sr. Ministro não pode dizer que tem uma batata quente em mãos (compreende-se, aliás sabe-se que a deriva institucional prevalece, em que se confunde a tutela das privatizações e das participações do Estado com a tutela das politicas de transportes, sempre em prejuízo desta), que ao menos não se iluda nem tente iludir-nos com os argumentos que vem brandindo em defesa de uma ideia virtuosa, mal estruturada e implementada com muito triunfalismo e alguma leviandade à mistura! Não podia resultar!
A meu ver, os caminhos continuam a ser vários (estão todos estudados e inventariados), são todos trilháveis, sendo certo que toda a escolha tem consequência(s). A Política de Transporte, a conectividade interna e externa do país, é assunto demasiado sério para continuar a ser arma de arremesso entre políticos em Campanha e tema de entretenimento do Eleitorado! Libertemos o País dessa eterna Prisão Discursiva! Há espaço para melhores opções, se assim quisermos e aceitarmos que o PREÇO das nossas opções pagamos nós.
*Artigo original publicado pela autora no facebook
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