Neste capítulo analisarei a escritura dita de compra e venda que era para ser celebrada no mesmo dia do memorandum de 31 de março de 2014 assinado entre Ulisses Correia e Silva e FS-NANÁ e que só em 10 de abril de 2017 o foi.
Agora teremos o FS/NANÁ herds., pois Naná nunca agiu só como representante de Fernando Sousa – FS -, mas também de seus próprios interesses, pessoais ou de grupo e agora são herdeiros.
Analisando a escritura pública de 2017 (perante a notária Anilda Pereira da Veiga, hoje Diretora-Geral dos Registos e Notariado), conclui-se que se trata dum documento público falso, enganador, uma simulação de compra pela Câmara de terrenos de FS/NANÁ herds para dissimular outro negócio, pouco sério, constante de documento particular anexo, sendo que quer fosse real a escritura pública, quer fosse real o seu anexo particular, tais negócios careceriam de autorizações - da Assembleia Municipal, num caso (alienação de terrenos), da Câmara, noutro (aquisição) - que não existiram nem foram mencionadas.
É ainda, em ambos os documentos, evidente a preocupação das partes - FS/NANÁ herds (representados pelos ilustres juristas Naná e Maísa Salazar) e a Câmara Municipal –, a preocupação, dizia-se, de FS/NANÁ herds fugir ao fisco (ao pagamento de IUP à própria Câmara Municipal).
O contrato compõe-se, pois, de duas partes, ambas assinadas pelo Vereador do Urbanismo Rafael Fernandes por delegação de poderes do Presidente Óscar Santos (mas não publicada como manda a lei): a escritura pública e um documento complementar anexo.
Diz a escritura que os herdeiros vendem à Câmara da Praia uma área aproximada de 42,57 hectares (425.700 m2) pelo preço de mil contos (o leitor leu bem: mil contos)! Saiba-se que o Plateau tem só 25 hectares, portanto vendeu-se área muito superior ao Plateau por mil contos.
Confrontei esse preço mentalmente com uma venda que Felisberto Vieira fizera à Tecnicil de Simão Monteiro nove anos atrás (em 3 de abril de 2008) dum terreno em Achada Grande Trás com apenas 4,15 ha (41.470 m2) por 64.546.609$00. É certo que Tecnicil só pagou 20.000 contos (o resto foi ilusionismo e calote que explicarei em outro capítulo), mas a verdade é que o terreno até valia muito mais do que 64.546.609$00, tanto mais que no mesmo ano ainda Tecnicil dava tal terreno em hipoteca no Banco Insular para garantia dum valor de 426.357.239$00.
Ou seja, pensei, se um terreno de 41.700 m2 foi vendido em 2008 teoricamente por 64.546.609$00 mas até valia muito mais pois foi admitido para garantir valor de 426.357.239$00, então um terreno de 425.700 m2 (mais de 10 vezes maior) não podia valer nove anos depois menos que uns 1.000.000.000$00 (um milhão de contos), mesmo que fosse de muito menos valor por m2.
Significava isso que só em Imposto Único sobre o Património (IUP) a cargo do vendedor (1%) este teria de pagar 10.000 contos, em vez dum IUP de apenas 10 contos.
Bom, mas como o preço era só 1.000 contos, a Câmara Municipal não tomou IUP de 10.000 contos, mas também não pagou um milhão de contos do preço - só pagou, se é que pagou, a “gorjeta” de 1.000 contos.
Note-se bem que estou aqui a “esquecer” ou deixar de lado o facto de que grande parte do prédio 5.780 a ser vendido à Câmara Municipal pertencia à própria Câmara Municipal (prédio 5.210, como foi demonstrado já em outros capítulos).
A escritura dizia que o preço seria pago nos termos dum Documento Complementar anexo. Sendo estranho um documento particular só para explicar como pagar mil contos, pensei logo: aqui há gato! E não sei porquê, veio-me à memória esta historieta:
Juiz: - Então o réu diga o que tem a dizer.
Reu: - Senhor juiz, eles acusam-me só porque peguei na ponta duma cordinha que nem tinha três metros de comprimento e fui para a minha casa. Meu lar, Senhor Juiz!
Juiz: - E na outra ponta da corda que é que havia?
Reu: - Ehh, ehhh, ehh... um... um b... um boi.
Juiz: - Então você furtou um boi?
Reu: - (mudando de tom decididamente, como bom cristão): Sr. Juiz, morrer pela verdade!
Juiz: - Não precisa morrer. Basta ir preso.
Falemos então do tal documento particular, isto é, do outro extremo da tal cordinha de nem três metros. Falemos do boi:
Lendo esse documento que era suposto regular o pagamento dos mil contos de preço de venda de FS/NANÁ à Câmara, a conclusão imediata é que realmente não havia compra e venda nenhuma, mas sim três coisas:
A. Regulava-se detalhadamente o uso da Câmara da Praia como uma imobiliária ao serviço de FS/NANÁ para venda dos terrenos dentro do prédio 5.780;
B. A Câmara indemnizava FS/NANÁ por toda uma alegada expoliação feita dos terrenos de FS/NANÁ no passado sobre o seu prédio 5.780 (o tal alargado fraudulentamente), incluindo Palmarejo Pequeno, Tira Chapéu e Terra Branca (que, já sabemos, são da própria Câmara - prédio 5.210 -, por ela urbanizados mas dos quais foi expulsa na sequência do assalto às matrizes de 1999);
C. A Câmara oferecia a FS/NANÁ alguns terrenos suplementares.
Nada se diz acerca dos mil contos de venda dos lotes a terceiros. Aliás minto! Diz-se (transcrevo) que a Câmara Municipal “aceita e reconhece que o preço de venda fixado na escritura não tem correspondência com o valor do imóvel pelo que em caso de incumprimento será feita uma avaliação do mesmo para eventual pedido de indemnização por parte dos Herdeiros”.
Ou seja, por estas palavras ficava acordado que a Câmara Municipal sabia que a escritura pública era falsa, uma aldrabice e que realmente só contava o escrito particular entre eles.
Ao ler isto, imediatamente, por associação de ideias, lembrei-me da carta de 10. 10. 97, dirigida ao Primeiro-Ministro com conhecimento a Jacinto Santos, em que o advogado de F. Sousa referindo-se aos prédios 5.779 e 5.780 expansionistas dizia: “Esclarece-se que nos referidos prédios, desde ocupações, vendas fictícias parcelares e outras situações de juridicidade duvidosa, de tudo um pouco existe e pretende-se desde já definir legalmente os factos”.
E lembrei-me de que para “definir legalmente os factos” foi preciso assaltar o livro de matrizes prediais rústicas da Praia em 1999, arrancando as 4 primeiras folhas e substituindo-as por outras mais convenientes.
Intercalo aqui um comentário melindroso: não digo nem insinuo que a notária que assinou essa escritura é hoje Diretora-Geral dos Registos e Notariado por tê-lo feito. Nem insinuo que ela não tenha mérito para o cargo. Mas afirmo que se ela tivesse recusado a fazê-lo, como devia, não só não teria hoje o cargo que tem, como teria “vida negra”.
Possivelmente a maior parte dos funcionários se acomodaram a essa situação, mas conheço quem sofra terrivelmente por pressões sofridas para praticar essas ilegalidades. Assim, falar de Estado de Direito pode ser retórica. E veremos isso em outras situações.
Falemos agora da alínea A:
Aí se regula a venda dos terrenos pela Câmara a terceiros e a forma de distribuição da bofunfa: 50% para FS/NANÁ Herds. e 50% para a Câmara. Esta tinha de prestar uma série de informações antes e depois de cada venda e depositaria depois por cada herdeiro a sua percentagem nos 50%, conforme explicado no documento. Podia também passar cheque, mas atenção: nada de cheque não visado! Mais: se a Câmara Municipal vendesse um terreno a 30 de julho a “despreza” tinha de estar nas diversas contas a 31, sem falta!
Isto é que é particular poderoso e público submisso!
E agora alínea B, isto é, a indemnização:
A Câmara teria de entregar 50% dos valores recebidos por vendas “abusivas” feitas em Palmarejo Pequeno, Terra Branca e Tira Chapéu (prédio da Câmara n.º 5.210) e outros lugares do 5.780. O documento “fuma” logo um prazo de 30 dias à Câmara para apresentar a lista dos terrenos vendidos (desde os anos oitenta!) e seus preços.
Um triste tratado de rendição da capital! Senhor Procurador-Geral da República!...
Finalmente a alínea C, ou seja, a oferta de terrenos suplementares a FS/NANÁ:
Primeiro: A Câmara emitiria em 30 dias planta de localização para um prédio de 7 pisos sobre uma área de 527,10 m2 ao lado da Biblioteca Nacional – é o tal Curral de Burro referido no memorandum de entendimento de 2014 e comentado no capítulo anterior. O Documento Complementar prefere a ambiguidade, sem dizer se o terreno era da Câmara Municipal (como aliás era e estava reconhecido no memorandum de entendimento) ou de FS/NANÁ herds.
Segundo: Dos 50% da Câmara por vendas de terrenos sairiam 12.500.000$00 para compensação da ocupação pela Câmara do terreno denominado “Campo do Coco”.
Campo de Coco, diarréia de dinheiros públicos!
Óscar Santos e Rafael Fernandes sabiam que a matriz n.º 11 do ano de 1927 (de terrenos de Várzea, Achadinha, Simão Ribeiro e São Pedro) e que a Câmara Municipal aforava terrenos na zona desde muitas décadas atrás. Apesar de se tratar duma situação confusa, tinham sido informados de forma convincente que o terreno seria mesmo da Câmara Municipal, apesar de Fernando Sousa vender na zona.
Voltarei ao assunto, mas digo que nenhum técnico camarário, nem juristas nem topógrafos, manifestou opinião diferente. Portanto, Óscar e Rafael não tinham bases para considerar que o terreno do Campo de Coco fosse de FS/NANÁ herds, para drenar dinheiros públicos para este.
Tudo isto é monstruoso!
Mas é com Fé e Esperança – as últimas a morrer! – em que havemos de superar esta ignomínia, que no próximo capítulo falarei dos direitos advenientes de toda essa trapalhada para os munícipes e cidadãos!
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