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“Por os pontos nos “Is”- Imunidade vs Impunidade”
Ponto de Vista

“Por os pontos nos “Is”- Imunidade vs Impunidade”

A Imunidade e a impunidade têm em si uma relação muito conflituosa e que, de um ponto de vista da imparcialidade, tende a criar muita disparidade social, desequilíbrios institucionais e, muitas vezes, dá origem a esse sentimento amiúde descrito como de injustiça. Provoca revoltas, favorece a desobediência social e, quase sempre, resulta na abstenção da participação política, de que as elevadíssimas abstenções eleitorais são disso exemplo. Cria o descrédito nas instituições públicas e nos actores políticos. Passa também a ideia de que, por pior que façam, por mais óbvio que seja o abuso do poder, o favorecimento, a ocultação de provas, fuga ao fisco ou desvios financeiros, essas pessoas são geridas por outras leis ou por coisa nenhuma.

Fala-se cada vez mais em corrupção ou, de um modo geral, nos chamados “crimes de colarinho branco”. Se as reacções que esse fenómeno provoca constituem uma séria preocupação, pelo facto só podemos aplaudir. Quem dele fala, na sua grande maioria, defende uma punição cada vez mais severa, como forma, aliás, de dissuasão desse tipo de crimes, muito especialmente quando cometido no seio das esferas públicas do poder. Pela sua especificidade, importa recordar, pois, que este é um crime que é tipicamente cometido por quem exerce o poder.

Se assim é, quais os motivos que levam a que, quase sempre, os seus autores, designadamente os políticos, se sentem protegidos da e pela Justiça?

Na realidade, as razões são múltiplas. Contudo e muito exemplificadamente diríamos que:

a) são crimes de investigação complexa e que tendem a perder-se nos mecanismos processuais de dilatoriedade e, logo, à prescrição;

b) é um crime que não afecta a uma pessoa em particular, pois não têm uma vítima individualizada, não é sentida, é difusa e, logo, muito pouco denunciada;

c) por outro lado, e isto é grave, os elementos do crime são administrativizados - basta recordarmos, entre nós, os relatórios que denunciaram irregularidades, senão crimes, na administração dos Fundos do Ambiente e Turismo, mas em relação aos quais o Governo respondeu que a Inspecção das finanças não tinha compreendido a "engenharia financeira" montada para a gestão desses mesmos fundos -, o que leva a que seja difícil a caracterização penal desses mesmos elementos.

Face a esses e outros motivos, será que faz sentido continuarmos a consagrar a imunidade para os políticos, deputados e ministros, nos termos em que a nossa lei a consagra?

Antes de começarmos a pôr os pontos nos "Is" e de mergulharmos no tema do artigo de hoje, tentemos conhecer um pouco a estória de "Sisamnes".

Esta estória tem lugar na antiga Pérsia.

O Império Persa foi um dos impérios mais poderosos que existiram na história. Os persas davam enorme valor ao estrito cumprimento da lei e, para tal, tinham regras rígidas que puniam severamente a sua violação e, por conseguinte, o cometimento de quaisquer crimes. Na verdade, algumas punições conheceram esse grau de severidade extrema.

Conta -se que Sisamnes foi um juiz real, contudo corrupto, da época do reinado de Cambises II, da Pérsia.

Terá aceitado um suborno e, em julgamento, proferido uma sentença injusta.

Como consequência, o rei ordenou que fosse "esfolado vivo" e a sua pele usada para estofar a cadeira em que seu filho Otanes, se sentaria como seu sucessor.

Tudo para lembrar as consequências da corrupção em que o pai se deixara enredar e, por isso, garantir que seria justo em todas as audiências e sentenças que viria a realizar e proferir, sem que ninguém pudesse sentir imune ou impune.

Não obstante a barbárie que o exemplo, hoje, aos nossos olhos revela, por outro, a firmeza de decisão em banir a corrupção, e, mais, que TODOS os actos, independentemente da qualidade profissional do seu autor ou do estrato social a que pertence, têm uma consequência.

No nosso país, independente do partido e das nossas preferências político-ideológicas, NINGUÉM pode estar, nem, muito menos, sentir-se acima da lei.

Daí que a Imunidade parlamentar não é nem deve ser tido como sinónimo de impunidade.

Quem comete um crime, ainda que investido de um estatuto qualquer, salvaguardadas as nuances necessárias, deve, por tal facto, ser responsabilizado, assim como qualquer cidadão comum é responsabilizado. Os detentores de pastas públicas, precisamente por o serem, devem estar, pois, acima de qualquer suspeita.

Quando a imunidade se torna sinónimo de impunidade, quando esta protege um político que cometeu crimes comuns, para além de injusta, pode impulsionar e ou motivar, porque tende a sugestionar actos de corrupção, lato senso.

Mais do que possibilidade ou probabilidade de punição, a sua efectividade constitui um factor inibidor do crime, seja ele de que natureza for.

É por isso que, em muitos países, a ordem jurídica opta por não conceder aos políticos nenhum tipo privilégio especial para com a Justiça.

Uma proteção dessa índole, conferida a políticos, eleitos pelo Povo, permite-lhes, obviamente, agir sem a menor preocupação para com quaisquer acusações e ou sanções e estará a deixar-lhes mais propensos ao cometimento de crimes de corrupção, peculato ou de prevaricação.

É claro que existem políticos sérios e que se interessam pelo bem-estar das pessoas como pela defesa da coisa pública.

A imunidade parlamentar não é nem pode ser sinónimo de irresponsabilidade ou de impunidade. Antes pelo contrário. Trata-se, sim, de um reforço das exigências para com exercício da causa pública, em suma.

A Imunidade e a impunidade têm em si uma relação muito conflituosa e que, de um ponto de vista da imparcialidade, tende a criar muita disparidade social, desequilíbrios institucionais e, muitas vezes, dá origem a esse sentimento amiúde descrito como de injustiça. Provoca revoltas, favorece a desobediência social e, quase sempre, resulta na abstenção da participação política, de que as elevadíssimas abstenções eleitorais são disso exemplo.

Cria o descrédito nas instituições públicas e nos actores políticos. Passa também a ideia de que, por pior que façam, por mais óbvio que seja o abuso do poder, o favorecimento, a ocultação de provas, fuga ao fisco ou desvios financeiros, essas pessoas são geridas por outras leis ou por coisa nenhuma.

Em vésperas do mês da Mulher, em que todos se concentram em falar em leis de paridade, direitos das Mulheres e VBG, não podemos deixar de observar o quão ofensivo é, ademais hipócrita, ver no hemiciclo caboverdiano, Mulheres deputadas que não exigem o levantamento da imunidade a um colega acusado e sentenciado por crime de violência doméstica. Para além de espantoso é também escandaloso.

O pior é que são as Mulheres da própria bancada parlamentar de que faz parte, que se calam e fingem que nada aconteceu, que nada lhes diz respeito.

É caso para dizer que se fores deputado da nação, podes “partir a tromba” a quem quiseres porque o sistema te protege e te apoia.

Esta Impunidade escandalosa e repugnante, é uma das maiores questões que levam os eleitores a desacreditarem na política e de não irem às urnas votar.

FORTE APLAUSO

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