Em Cabo Verde, os três casos de Parceria Público Privado em setores estruturantes – energia e água, telecomunicações e transportes aéreos, foram um FRACASSO. Após alguns anos de aprendizagem, é relevante, para os compreender, uma análise comparada com experiências de PPP, a nível global, nas suas diversas formas.
O conceito de parcerias público-privadas (PPP) marcou a diferença a partir dos anos setenta do século XX, consolidou-se na transição para os anos oitenta e expandiu-se nos anos noventa, como alternativa ao Estado centralizador após a Segunda Guerra Mundial.
A última vaga de PPP surgiu na última década do séc. XX. A diminuição de meios públicos e os limites ao défice e à dívida pública são considerados as razões fundamentais que impeliram os governos para as PPP.
Áreas como transportes, energia, ambiente e águas ou serviços sociais, assim como escolas e hospitais, são vistos como domínios em que o setor público apresenta dificuldades em melhorar a oferta, em termos de qualidade e quantidade, tornando-se assim em áreas de oportunidade para a participação do sector privado.
Existe um conjunto bastante vasto de formas de participação do sector privado e, consequentemente, um conjunto também variado de modelos de PPP. Ou seja, o conceito de PPP é aplicado a uma gama vasta de arranjos contratuais entre o Estado e os privados.
Trata-se de contratos complexos, com um longo ciclo de vida, e que exigem um adequado sistema de custo público comparado. É imperativo que sejam conhecidas e estudadas experiências de PPP com ciclos do contrato completos.
Verifica-se, de uma maneira geral, a ausência de uma política de monitorização exigente e independente deste tipo de contratos bem como dificuldades de realização dessa monitorização. Isso leva a que muitos autores considerem que a decisão de optar por uma PPP para o desenvolvimento de um determinado serviço público, seja uma decisão eminentemente política.
Por isso, é cada vez mais premente uma abordagem sistemática e integrada dos principais conceitos, definições, modelos, características, estrutura e financiamento das PPP.
Bem no início do século XXI, tendencialmente, a nível global, já se verificava um movimento no sentido inverso, de reestatização de serviços de setores importantes, como energia, água e transporte. Quase 900 reestatizações foram feitas em países centrais do capitalismo, como os EUA e a Alemanha.
Estudos relevantes e credíveis como por exemplo o da Transnational Institute (TNI), centro de estudos em democracia e sustentabilidade baseado na Holanda, dão conta de que as reestatizações já são uma tendência e com crescimento acentuado.
O TNI mapeou serviços privatizados que foram devolvidos ao controlo público em todo o mundo entre os anos de 2000 e 2017. São casos de concessões não renovadas, contratos rompidos ou empresas compradas de volta, na sua grande maioria de serviços essenciais como distribuição de água, energia, transporte público e coleta de lixo.
Pelas contas desta entidade, a tendência é acelerada: mais de 80% dos casos aconteceram entre 2009 e 2017. Todos eles movidos por falhas de mercado, quando os operadores privados não conseguem atender às expectativas e os consumidores reclamam de preços altos e serviços de baixa qualidade.
O movimento é especialmente forte na Europa, onde só a Alemanha e a França já desfizeram 500 concessões e privatizações do género. Os episódios, porém, se repetem por todo o mundo e estão espalhados por países tão diversos como Canadá, Índia, Estados Unidos, Argentina, Moçambique e Japão.
A priorização de lucros das empresas privadas é, na maior parte das vezes, conflitante com a execução de serviços vitais para a sociedade. Mas é claro, ser público também não significa que o serviço tenha qualidade. Não basta ser público para ser bom.
Baixar preços, aumentar investimentos e melhorar a qualidade do serviço como um todo, são os objetivos mais comuns perseguidos pelas populações. Muitas das privatizações falharam à custa da qualidade e da acessibilidade dos serviços públicos e do bem-estar da população.
Como resultado, vários governos acabaram pressionados pelos cidadãos a usar o seu poder político para retomar as redes de água, esgoto ou de energia, serviços de transportes ou outros serviços públicos.
Quando um serviço público é vendido ou concedido ao setor privado, a empresa prioriza o lucro de curto prazo. O resultado são aumentos expressivos que tornam os serviços inacessíveis para as famílias, sobretudo as mais pobres, além de falta de investimentos em infraestrutura, deterioração das condições de trabalho e custos mais altos para as autoridades nacionais que, muitas vezes, têm que complementar os gastos quando a companhia privada falha na entrega.
Mas reestatizar é um processo que pode gerar conflitos, já que em muitos casos mexe, por exemplo, com a quebra de contrato. Muitos casos acabam em processos de arbitragem internacional e em custos pesados para os Governos.
Vários países acabam sendo processados em milhões e bilhões de dólares por isso. É uma barreira que impõe um custo alto às reestatizações e que pode impedir a decisão soberana e democrática de um país de retomar o controlo de um serviço essencial.
Então, que fazer? Se as empresas estatais, com frequência, também entregam serviços insuficientes e são pouco transparentes, o que é especialmente verdade em países em desenvolvimento, por que deveriam os cidadãos confiar nelas?
Mas no que diz respeito a determinados serviços em contextos específicos de cada país, existem hoje sérias dúvidas se a gestão pública, aliada a um forte controlo democrático, não é mais efetiva em prover esses serviços, no longo prazo. No mais, ela tende a ser mais responsiva às preocupações ambientais e às demandas políticas dos cidadãos.
Mas vale repetir que não é só por ser público que o serviço será melhor. A gestão pública tem que ser democraticamente controlada. Ela tem que prestar contas e tem que ser responsabilizada, para garantir que haja um controlo democrático efetivo da sua atuação.
Mas a análise comparada mostra, também, que esta é uma matéria que levanta muitas questões e suscita preocupações de diversa natureza, circunstancia que tem levado as autoridades públicas a um maior investimento no seu conhecimento, procurando, não só analisar outras experiências, sistematizar processos de boas práticas, produzir orientações e alterações legais, mas também apostar na criação de organismos públicos que possam fomentar o conhecimento especializado em várias vertentes.
Praia, 2 de Setembro de 2020
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