Parafraseando São Paulo Apóstolo: “(…) não pela letra, mas sim pelo espírito porque a letra mata, mas o espirito vivifica”. Portanto, o regime de exclusividade previsto ao abrigo do decreto de execução orçamental não está harmonizado com demais diplomas existentes que versam sob a mesma matéria pelo que, “briga” com os elementos do sistema jurídico em sede de construção, interpretação e aplicação do direito. Juntos na divulgação da Lei do Orçamento do Estado e do decreto de execução orçamental.
I: CONTEXTUALIZAÇÃO
O Orçamento do Estado para o ano económico de 2024, foi aprovado pela Lei nº 35/X/2023, publicada na I Série do B.O. nº 134, de 31 de dezembro de 2023, para vigorar durante o exercício económico de 2024 que vigora de 1 de janeiro a 31 de dezembro.
O capítulo III do Decreto-lei nº 1/2024, de 3 de janeiro, que define as normas e os procedimentos necessários à execução do Orçamento do Estado para o ano económico de 2024, no seu artigo 7º, nºs 1 a 4, consagra-se o REGIME DE EXCLUSIVIDADE na Administração Pública (AP), prevendo:
1. “Fica proibida a concessão de dispensa a funcionários nomeados ou contratados por tempo indeterminado em regime de carreira, para estudos durante o período normal de funcionamento da AP”;
2. “É igualmente aplicado o previsto no número anterior, salvo legislação especial contrária, ao exercício da atividade de docência ou ministrar ações de formação ou a preparação de aulas no local e na hora normal de trabalho”.
3. “O incumprimento do prescrito nos números anteriores, é sancionado nos termos previstos do estatuto disciplinar dos agentes da AP”.
4. “Os dirigentes e gestores públicos que violarem o disposto no presente artigo incorrem em responsabilidade disciplinar e ou civil, ficando obrigados a repor de uma só vez o montante das despesas realizadas”.
II: DA ANÁLISE/OBSERVAÇÃO E CONCLUSÃO:
a) ao estabelecer um regime de exclusividade ao abrigo do ponto 1, a que faz referência o nº 1, do artigo 7º do retro mencionado diploma, por via de uma regra jurídica, é no sentido de salvaguardar um interesse superior – interesse público.
b) porém, no ponto 2 a que faz referência o número 2, do artigo e diploma sub judice consagra uma exceção à regra, abrindo possibilidade de derrogação em casos especiais, previstos por lei.
c) a regra jurídica é um elenco taxativo e uma questão de tudo ou nada. Cumpre ou não se cumpre. Pelo que, afasta qualquer possibilidade de derrogação junto do destinatário.
d) a Lei nº 41/IX/2018, publicada na I Série do B.O., nº 75, de 16 de novembro, que institui e regulamenta o Estatuto do Trabalhador-Estudante (T-E), admite “ajustamento de horário de trabalho” mediante acordo prévio, de maneira a que o T-E possa deslocar atempadamente para o estabelecimento de ensino e frequentar, assiduamente, as aulas.
e) tal regime admite até dispensa de trabalho à frequência de aulas, se assim exigir o horário escolar, conquanto haja acordo com a entidade patronal ou empregadora.
f) de igual modo, o Decreto-lei nº 34/2015, de 4 de junho, que aprova o Regime Jurídico de Capacitação e Desenvolvimento dos Recursos Humanos da AP, e a Resolução nº 69/2010, de 29 de novembro, que regulamenta aquele, e concomitante, cria o Dispositivo Nacional de Execução do Plano de Qualificação dos Recursos Humanos da AP, assente numa matriz de reforma e modernização administrativa, coloca o funcionário público como o centro do sistema administrativo, prevendo formação e capacitação contínua, grosso modo.
g) no entanto, a lei de meios em desenvolvimento no Decreto de execução orçamental consagra infração disciplinar p.p. por lei, em caso de inobservância de tal dispositivo.
A QUESTÃO É: faz sentido consagrar uma regra jurídica em desenvolvimento da lei de meios, com efeito disciplinar, num quadro de secularização administrativa vigente?
Ø Isto não é dar com uma mão, e retirar com outra?!
Ø o “administrador-juiz” terá bom senso e um critério uniforme de procedimento, pelos vários diplomas vigentes na ordem jurídica nacional?
Ø Como harmonizar tudo isto na busca de uma solução que seja justa?
Ora, perante o quadro normativo-legal vigorante, não faz sentido a mera aplicação do princípio Lex specialis derogat legi generali, mas sim, recorrer aos elementos do sistema, que permitam abstrair da norma, o direito, e aplica-lo no caso concreto.
Razão por que ao Juiz enquanto jurisprudente, cabe julgar com base na lei e na sua consciência (só que, sua consciência, é balizada pelo espírito do sistema). Isto, também, é valido para o “administrador-juiz”, mutatis mutandis.
Parafraseando são Paulo Apóstolo: “(…) não pela letra, mas sim pelo espírito porque a letra mata, mas o espirito vivifica”.
Portanto, o regime de exclusividade previsto ao abrigo do decreto de execução orçamental não está harmonizado com demais diplomas existentes que versam sob a mesma matéria pelo que, “briga” com os elementos do sistema jurídico em sede de construção, interpretação e aplicação do direito.
Juntos na divulgação da Lei do Orçamento do Estado e do decreto de execução orçamental.
*Oficial da Polícia Nacional e Professor Assistente no Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais (ISCJS) na Praia.
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