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O impacto da Covid-19 no sistema judiciário cabo-verdiano[1]
Ponto de Vista

O impacto da Covid-19 no sistema judiciário cabo-verdiano[1]

Dúvidas não há que a pandemia provocada pela COVID-19 vem tendo um impacto avassalador no sistema de saúde, e nos setores económico e social. Todavia, esses impactos não se limitam apenas a essas áreas! O sistema judiciário certamente sofrerá impactos.

Daí pergunta-se: o que se pode esperar nos próximos tempos no setor judiciário? Ora, como é sabido, no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia COVID-19, foram adiadas ou canceladas todas as diligências não consideradas urgentes, assim como, suspensos os prazos e procedimentos processuais, ficando sujeito ao regime de férias judiciais[2]. Tudo bem! A questão é que tudo isso, naturalmente fará com que tenhamos um acúmulo de processos pendentes nos diferentes tribunais. Mas, para além disso, há um outro problema, que é a probabilidade de virmos a ter um aumento exponencial das demandas judiciais, principalmente, de foro laboral. Atrevo-me a citar, entre outras, as ações relacionadas com à insolvência das empresas, à impugnação dos despedimentos ilegais, e à cobrança de créditos laborais por: não pagamento de salários, férias, e até mesmo não pagamento da devida compensação por não renovação dos contratos a prazo. Igualmente, cito outros tipos de ações, como por exemplo: as de responsabilidade civil contratual das companhias aéreas e agências de turismo; de despejo por não pagamento das rendas pelos inquilinos. São somente alguns dos problemas que o sistema judiciário poderá vir a enfrentar na fase pós-pandemia.

Questiona-se: que medidas estão sendo pensadas para dar resposta a estes problemas? Será que podemos falar num aumento dos recursos humanos, ou dos recursos materiais? Será que é o momento apropriado para isso? E mesmo que assim seja, será que é suficiente? Ou será que não seria mais conveniente, neste momento, os tribunais adotarem outra estratégia, nomeadamente, manter a funcionar, excecionalmente, para a resolução dos referidos processos por conta da Covid-19; ou ainda, dos processos já pendentes em fase anterior?

É claro que muitos perguntar-se-ão como manter os tribunais a funcionar com os riscos inerentes?

Uma coisa é certa, é neste momento que devem ser levantadas todas as questões, assim como, trazidas as propostas e medidas específicas para mitigar os efeitos nefastos da Covid-19 no sistema judiciário, em prol de uma boa saúde da justiça cabo-verdiana.

Toda esta crise tem-nos levado a mudar os nossos hábitos, colocando as TICs[3] no lugar onde deveriam estar a muito tempo, ainda que na “marra”!

É imperioso que os tribunais identifiquem essas mudanças positivas e institucionalizem-nas, de forma a compatibilizá-las com os princípios constitucionais do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, na sua vertente direito à decisão em prazo razoável; da legalidade do processo e das garantias de defesa.

Pois bem, que seja trazida esta bendita ferramenta para o sistema judiciário, nomeadamente, adotando o sistema de videoconferência e de audiências virtuais, e não só.

Há muito que venho questionando ser descabido que para a entrega de peças processuais o advogado tenha que se deslocar ao tribunal. Isso consome tempo (desnecessário!), dinheiro no transporte, além de contribuir para aglomeração de pessoas nas secretarias e nos juízos.

Ora, o uso das TICs pode ser a força da mudança, necessária a um maior desempenho no sistema judiciário, com ganhos efetivos de produtividade para todos.

A boa verdade é que os tribunais enquanto última instância jurídica de compreensão e resolução de conflitos que antagonizam os homens que vivem e labutam numa dada sociedade, darão respostas atempadas a todas as demandas, quando fizerem prevalecer um sistema judicial restruturado e ajustado à realidade dos nossos tempos.

É momento, também, de se prestar maior atenção a outros mecanismos de composição dos conflitos, como negociação, conciliação e mediação e outros ainda não tão conhecidos, mas que tendem a ganhar espaço. Mais do que nunca, o momento exige que partes, advogados e operadores judiciais busquem a maior eficiência na forma de resolver os conflitos.

Espero que com esta minha humilde reflexão possa estar a contribuir para outras reflexões sobre o tema, também elas, importantes para juntos encontrarmos as melhores soluções para o sistema judiciário. E quando digo isso, falo em “todas” as pessoas, desde logo, juristas, estudantes, advogados e advogados estagiários, juízes, procuradores, funcionários dos tribunais, políticos e os próprios cidadãos.

Deixo esta máxima jurídica ”justice delayed is justice denied[4] (tradução para português: Justiça atrasada é justiça negada)!

Mindelo, 09.04.2020

Mestre em Direito; Advogada e docente universitária

[1] É de notar que este humilde artigo surge no âmbito das mudanças que tem vindo a ocorrer especificamente na sociedade cabo-verdiana por conta da epidemia COVID-19, e que poderão ter impactos nefastos no sistema judiciário, se medidas não forem adotadas atempadamente.

[2] Sobre isso, vide, entre outros, os arts. 6.° e 7.° da Lei n.° 83/IX/2020 de 04 de Abril, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

[3] Tecnologias de Informação e Comunicação.

[4] Do autor britânico William E. Gladstone.

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SOBRE O AUTOR

Redação