O anterior ministro que só tinha olho e boca para as suas bazófias, dizendo que «morabeza» era maior festival literário da áfrica de língua portuguesa, como se fosse isso o que mais importa, importando de Portugal um modelo sugador dos parcos recursos nacionais, sobretudo nefasto à ecologia literária cabo-verdiana, mas nunca olhou para o trabalho que se faz Moçambique, quer ao nível do investimento na literatura, quer ao nível dos jurados dos prémios relevantes da lusofonia. Alguém achará que é por acaso que os dois prémios Camões atribuídos a escritores cabo-verdianos aconteceram precisamente em duas das três vezes em que estiveram autores cabo-verdianos no júri: eu, quando o prémio foi atribuído ao Germano Almeida, em 2018, e o Corsino Fortes, quando foi o Arménio Vieira, em 2009? Apenas quando o Germano fez parte do júri é que o prémio não calhou a um escritor cabo-verdiano.
Depois de oito anos de um ministro vaidoso e ventoso, vácuo e conflituoso, chega alguém com um outro perfil. Não deixa de ser uma escolha, se não surpreendente, pelo menos inesperada, porquanto os ministros da cultura vieram sempre de áreas culturais ditas clássicas ou de gente com relevante peso político, desde o regime do partido único. Recorde-se dos nomes de David Hopffer Almada, António Jorge Delgado, o melhor ministro da cultura de que tenho memória, Ondina Ferreira, Vítor Borges, Jorge Tolentino, Manuel Veiga, Mário Lúcio, que, sendo músico, é também escritor.
De todo o modo, isto pode ser uma vantagem, este novo ministro não virá com uma agenda de disputa de protagonismo com os criadores, e nem virá com a ambição de construir uma legenda propagandística pessoal, visando outros voos, como se vê agora, sendo que a única área com que o novel ministro não terá de se preocupar é a da sua atuação profissional, a música popular, porque essa anda, e sem escolhos, pelo seu próprio pé. É preciso investir na criação e na divulgação nas áreas eruditas, e não apenas na propaganda para efeitos mediáticos, na política de pedras e festivais, porquanto é a criação de hoje o património de amanhã.
Não faço nenhum juízo antecipatório, até porque eu não sou indivíduo de ter expetativas em ninguém, sobretudo na política. Eu apenas digo o que acho que se deve fazer na área que melhor conheço, que é a do livro e da literatura, que tem sido votado a um abandono atroz, com um défice crónico de investimento no livro, apanágio de todos os governos da República, agravado na gestão do Abraão Vicente com a desastrosa (política e patrioticamente criminosa, do ponto de vista do dinheiro desbaratado e canalizado para uma entidade estrangeira) «morabeza», e o abandono completo do setor do livro, a não ser quando era preciso engendrar algum show sem conteúdo para contentar uns escreventes sedentos de migalhas e palco, ou precisasse de qualquer forma de publicidade ou caucionamento, que apenas as artes eruditas podem proporcionar.
O anterior ministro que só tinha olho e boca para as suas bazófias, dizendo que «morabeza» era maior festival literário da áfrica de língua portuguesa, como se fosse isso o que mais importa, importando de Portugal um modelo sugador dos parcos recursos nacionais, sobretudo nefasto à ecologia literária cabo-verdiana, mas nunca olhou para o trabalho que se faz Moçambique, quer ao nível do investimento na literatura, quer ao nível dos jurados dos prémios relevantes da lusofonia. Alguém achará que é por acaso que os dois prémios Camões atribuídos a escritores cabo-verdianos aconteceram precisamente em duas das três vezes em que estiveram autores cabo-verdianos no júri: eu, quando o prémio foi atribuído ao Germano Almeida, em 2018, e o Corsino Fortes, quando foi o Arménio Vieira, em 2009? Apenas quando o Germano fez parte do júri é que o prémio não calhou a um escritor cabo-verdiano.
Veja-se a edição deste ano do Prémio Oceanos e o número de jurados moçambicanos presentes. Agora com dois elementos moçambicanos em cada júri das meias-finais, um na prosa e outro na poesia, é natural que venhamos a ter finalistas moçambicanos quer num género ou outro, sem que isto implique qualquer jogada, mas apenas porque há um investimento nos centros de decisão sobre estes assuntos, e sobretudo no apoio à criação e edição na área da literatura, até da parte de privados, como o notável trabalho feito pela fundação Leite Couto e pelas empresas que apoiam com relevantíssimos prémios pecuniários o setor da criação literária. Veja-se a plêiade de jovens e notáveis poetas que há hoje nesse país, o que me enche de contentamento como poeta e africano e escritor numa língua que partilho com eles. Acham que isso é obra do espírito santo? Não! Enquanto uns investem em festivais e regabofes e pinotes mediáticos, Moçambique investe em verdadeiros valores culturais.
Em Cabo Verde onde estão os prémios literários patrocinados pelo ministério da cultura? Onde estão páginas nos jornais sobre o livro e a leitura, ou a cultura, a não ser a música popular? Onde programas de televisão sobre tais matérias? Que meios dispõe o plano nacional de leitura para a sua concretização? Vai havendo os prémios da Imprensa Nacional de Portugal, mas com designações tão abstrusas, que não lembram ao diabo: porque carga de água cria-se um prémio Arnaldo França apenas para ficção, quando ele era poeta, ensaísta e tradutor, e não se faz a rotação por esses géneros, como a INCM faz com o prémio Vasco Graça Moura em Portugal? E o prémio Manuel Lopes para a literatura infanto-juvenil: que ligação tem o Manuel Lopes a essa área?
No próximo ano comemoram-se os cinquenta anos da nossa independência nacional. O mínimo que se espera é que haja iniciativas relevantes no campo da literatura para assinalar a efeméride, criando a respetiva comissão de comemoração, que já vai tarde, dado que noutros países irmãos que comemoram também tal data no próximo ano já existem essas comissões nacionais há já algum tempo. Como a independência nacional causa engulhos a muito boa gente, por boas ou más razões, espero que não haja artimanhas para que não se comemore tal efeméride com o brilho que merece. Independentemente das crenças e opiniões, história é história.
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