A saúde de todos os cabo-verdianos é e continua a ser a prioridade neste momento. Não sabemos quanto tempo esta situação vai demorar e nem qual é a direcção que vai tomar. Todos nós tudo devemos fazer e cada um de nós deve fazer a sua parte para que o COVID-19 não se propague em Cabo Verde, porque tornaria a situação ainda mais complexa.
Entretanto, Cabo Verde necessita urgentemente de criar um plano de emergência financeiro, económico e social para fazer face aos impactos financeiros, económicos e sociais do COVID-19, impactos esses que deverão ser devastadores para a economia mundial, com efeitos directos e indirectos fortes na economia nacional. Plano esse para a salvação da nossa economia, para apoiar e salvar as nossas empresas, para proteger e salvar os empregos dos cabo-verdianos, para apoiar e proteger as nossas famílias e os seus respectivos rendimentos.
O problema no curto prazo é essencialmente financeiro. As empresas e os empresários nacionais já devem estar a sofrer uma enorme pressão de tesouraria e com dificuldades em assumir os seus compromissos de curto prazo (pagamento de salários, de dívidas bancárias e a fornecedores) e temos de encontrar respostas urgentes para ajudar as empresas a fazer face ao problema de tesouraria. As respostas políticas, incluindo uma forte reacção orçamental são urgentes, sob pena de o problema inicialmente financeiro no curto prazo, converter-se num sério problema económico a médio e longo prazos. Sendo assim, urgem medidas a nível da fiscalidade, da parafiscalidade e da extrafiscalidade, da segurança e protecção sociais, do acesso ao financiamento, a nível do mercado de trabalho e da protecção dos postos de trabalho, da flexibilização no cumprimento das obrigações e dívidas bancárias, da contratação pública, da importação de bens de primeira necessidade etc;
Há quase 100 anos, John Maynard Keynes alertou-nos que “quando ocorre um choque no sistema, os agentes económicos não sabem o que vai acontecer a seguir e, por isso, contêm as despesas até o nevoeiro se dissipar, lançando a economia para uma situação de queda”. Para fazer face à situação, Keynes propôs que os Governos devem abrir os cordões à bolsa, aumentando os gastos públicos, através da adopção de políticas orçamentais expansionistas, para injectar liquidez na economia, estimular a procura agregada e dessa forma, revitalizar o crescimento e o emprego. Tal como fizemos em 2008, com o despoletar de uma das mais graves crises económica e financeira que o mundo já viveu, temos de voltar a fazê-lo agora que novamente nevoeiros densos e assustadores pairam sobre a economia mundial e nacional, por causa da pandemia do COVID-19.
Actualmente, com a pandemia COVID-19, tal como aconteceu com a crise de 2008, a economia nacional poderá entrar outra vez em forte recessão (estagnação / crescimento zero ou crescimento negativo) e conhecer uma forte degradação dos fundamentais da economia - inflação ou deflação, desemprego, défice orçamental e dívida pública. Tal como em 2008, a reacção política, incluindo uma forte reacção orçamental é insubstituível e a degradação dos fundamentais da economia será também os custos de uma necessária e decidida intervenção do Estado / Governo na economia. É que sem uma urgente e forte reacção política, em vez de uma recessão podemos ter uma depressão, uma grande depressão. A propósito, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, acabou de anunciar a suspensão das regras orçamentais (défice orçamental menor ou igual a 3% do PIB e dívida pública não superior a 60% do PIB) da União Europeia, de modo a permitir que os países europeus aumentem os seus gastos públicos para combater o novo coronavírus sem serem penalizados.
Com efeito, para Cabo Verde, o mais urgente possível, um Orçamento Rectificativo para rectificar o Orçamento de Estado 2020 (OE 2020). Porque os pressupostos nos quais se estribaram a elaboração do OE 2020 tornaram-se, com certeza, irrealistas, tanto no que diz respeito, às projecções para a economia mundial, assim como para a economia nacional. Porque o cenário macroeconómico é agora completamente diferente e todas as projecções deverão ser drasticamente revistas em baixa. Desde logo, a projecção do crescimento do produto interno bruto (PIB) e as metas para a inflação e o para o desemprego não deverão ser alcançadas. As receitas fiscais deverão cair drasticamente, ao passo que haverá uma forte pressão do lado das despesas públicas, sobretudo as despesas sociais e a despesa pública inerentes à forte resposta política que será exigida ao Governo para fazer face aos impactos da pandemia do COVID-19. O défice orçamental deverá derrapar e a dívida pública aumentar, tanto o stock da dívida, como a sua alavancagem, isto é, o rácio do stock em relação ao PIB e em relação à receita.
As medidas a serem adoptadas devem ser umas excepcionais e temporárias e outras mais duradouras, iguais às que estão a ser adoptadas por vários outros países, porém, com as devidas especificidades e adaptações ao caso de Cabo Verde. Por um lado, Cabo Verde é uma economia de importação e devemos acautelarmos-nos para que o País continue a ser abastecido normalmente e não haja ruptura de bens de primeira necessidade. Ante um eventual choque de oferta no mercado internacional, devemos assegurar, através de políticas adequadas que os bens essenciais de primeira necessidade continuem a chegar aos consumidores e a preços acessíveis, amortecendo o impacto de uma eventual inflação importada.
Por outro lado, a informalidade é um dos traços mais fortes da economia cabo-verdiana. Segundo os dados do Inquérito ao Sector Informal do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) de 2015, em Cabo Verde existem cerca de 33.222 Unidades de Produção Informais (UPI’s), que contribuem com cerca de 12,2% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto que as empresas registadas na Casa do Cidadão são cerca de 9.400, das quais cerca de 92,0% são Micro e Pequenas Empresas (MPE’s), 6,0% são Médias Empresas e apenas 2,0% são Grandes Empresas. São sobretudo as mulheres, chefes de família, que se encontram na informalidade, sendo detentoras de 62,5% das UPI’s (20.777) concentradas no comércio a retalho (26,8%) e na indústria agro-alimentar (16,8%).
Entendemos, por isso, que as medidas engendradas para as empresas e as famílias e para a protecção do emprego e do rendimento, devem salvaguardar o facto de o tecido empresarial nacional ser essencialmente constituído por MPE’s, frágeis, com fraca capacidade de auto financiamento e fraca capacidade de endividamento, sem descurar as Médias e as Grandes Empresas, mas também ter em conta o elevado peso da economia informal, abranger o importante segmento da economia social e solidária e o facto de as relações de trabalho e de emprego serem largamente informais e de baixa qualidade, sem cobertura de segurança social e isto acontece não só na economia informal, mas também muitas vezes na economia formal, sob pena de uma larga franja da sociedade cabo-verdiana, sobretudo as camadas mais vulneráveis, não serem abrangidas pelas medidas, agravando ainda mais a situação económica e social do País.
Diz o povo e com razão que “não há bem que sempre dure e nem mal que nunca acaba”. Em economia, em tempos bons, os agentes económicos (Famílias, Empresas e Governo...) entram em euforia e comportam-se como se os bons ventos nunca mais passassem. Por outro lado, em tempos maus, os agentes económicos deprimem-se e comportam-se como se a crise nunca mais terminasse. Podemos estar a atravessar um dos momentos mais delicados das nossas vidas, mas é essencial e imprescindível nos prepararmos para o pós-crise, porque tudo isto irá passar, com certeza.
Construir o futuro, agirmos hoje para que o amanhã seja aquilo que nós quisermos. Afinal, também já dizia o outro que “o dia de hoje não passa de uma pequena porção de tempo que separa o ontem do amanhã”.
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