Carta Aberta ao Ex-Primeiro-Ministro, Dr. José Maria Neves
Ponto de Vista

Carta Aberta ao Ex-Primeiro-Ministro, Dr. José Maria Neves

Praia, 26 de Julho de 2019

Excia, Acabei de ler o seu post, publicado ontem, dia 25 de Julho, com o titulo “Dinheiro e Políticas Públicas”, onde aborda alguns temas do quotidiano da política nacional e, entre diagnósticos e orientações de políticas, não pude deixar de notar uma grande confusão na abordagem ao mérito de políticas financiadas a partir do endividamento público.

Tendo em conta que a sua excia foi o principal actor do processo de envidamento de Cabo Verde, sou impelido a lhe endereçar alguns comentários. A sua excia, para além de continuar a recusar as orientações das organizações internacionais, tenho a sensação de que perdeu o norte pois se esquece completamente que foi figura única na na história de Cabo Verde em matéria da (sedutora) política “de mobilização de avultados recursos internos pela via de endividamento público” ao ponto de nos deixar no risco vermelho do sobre-endividamento e como um dos países como maior rácio da dívida pública/PIB de Africa e do Mundo.

E não foi para investir no fortalecimento do sector privado como um dos pilares do desenvolvimento, como aliás é recomendação dos parceiros internacionais e das melhores práticas internacionais, mas sim para implementar uma política de investimentos públicos que trouxeram, efetivamente, “consequências muito nefastas para a economia e as finanças públicas do país. Os factos assim o confirmam: 1. crescimento económico a rondar 1%, abaixo da média da Africa Subsaariana e muito longe dos nossos “Pares Comparáveis”; 2. os dados dos investimentos, do consumo das famílias e o crédito à economia todos seguiam o mesmo ritmo, muito aquém das nossas potencialidades e longe das nossas necessidades para podermos impactar positivamente a vida das pessoas, sobretudo aqueles que estão na pobreza (que vivem com menos de 5,60 dólar), cerca de 35% da população - dados de 2015 -, ou na extrema pobreza (que vivem com mesmo de 2,9 dólar), cerca de 10% da população – dados também de 2015. 3. Relativamente ao défice orçamental, o governo do José Maria Neves teve, no seu último mandato, uma média de 7,9%; 4. Uma elevada taxa de desemprego, especialmente entre os jovens (63 por cento de jovens dos 15 aos 24 anos de idade em Praia estavam desempregados).

O Diagnóstico do Banco Mundial vai no mesmo sentido, chegando ao ponto de dizer que, “no entanto, isso não reavivou o crescimento económico. Em vez disso, contribuiu para um aumento acentuado do rácio da dívida pública em relação ao PIB, de 68 por cento em 2008 para 132 por cento em 2016, colocando o país em alto risco de sobre-endividamento.”

Portanto, senhor ex-Primeiro-Ministro, o caminho que se está a seguir é o oposto ao que o senhor seguiu, aliás não se tinha outra alternativa se não a consolidação fiscal para reduzir os desequilíbrios orçamentais por si deixados. A sua excia, por acaso sabia que, segundo o GAO (Grupo de Apoio Orçamental), “as receitas fiscais aumentaram 4,5 pontos percentuais desde 2014, atingindo, agora, 22,1% do PIB em 2018” e que “as despesas totais permaneceram contidas, aumentando apenas 0,3 pontos percentuais entre 2014 e 2018”. É o aumento das receitas fiscais e a contenção da despesa pública que nos conduziram à redução do défice orçamental de 7,6% do PIB, herdado, para um histórico 2,7% em 2018. Para terminar, tenho a dizer-lhe que por mais que não acredite no sector privado, nós acreditamos… e estamos a lançar as bases para a criação de uma robusta base empresarial nacional, mas também criar um ecossistema apelativo ao Investimento Direto Estrangeiro, algo onde também falhou.

Portanto, quando diz que “o caminho que se está a seguir, de mobilização de avultados recursos internos pela via de endividamento público para dar garantias a grandes empréstimos privados é sedutor a curto prazo, mas pode trazer consequências muito nefastas para a economia e as finanças públicas do país, a prazo” o senhor está, em primeira linha, a atacar a sua própria visão de desenvolvimento e as políticas por si implementadas, como também revela (confirma) o porquê de nunca ter dado trelas ao sector privado e os ter, erradamente, relegado para um papel inferior e com custos incomensuráveis para Cabo Verde.

Luis Carlos Silva

Deputado da Nação

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