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Ex-juiz espanhol Baltasar Garzón diz que Cabo Verde está a ceder a pressões dos EUA
Sociedade

Ex-juiz espanhol Baltasar Garzón diz que Cabo Verde está a ceder a pressões dos EUA

O ex-juiz espanhol Baltasar Garzón considera, em entrevista à Lusa, que Cabo Verde mostra ceder às pressões dos Estados Unidos, acusando os norte-americanos de promoverem a “detenção ilegal” de Alex Saab, depois de “fabricar” um mandado de detenção internacional.

Conhecido mundialmente por ter emitido um mandado de prisão contra o ex-ditador chileno Augusto Pinochet e investigado o movimento terrorista basco ETA, Baltasar Garzón é agora o responsável pela defesa internacional de Alex Saab, 48 anos, um empresário colombiano tornado diplomata venezuelano que foi detido em 12 de junho pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas.

Alex Saab foi preso durante uma escala técnica que o avião em que viajava fez no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, na ilha do Sal, com base num mandado de captura internacional emitido pelos Estados Unidos da América (EUA), que o consideram um testa-de-ferro do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

“Não deveria, mas é isso que aparentemente está a acontecer”, afirmou Garzón, questionado pela Lusa sobre se Cabo Verde ser mais vulnerável e estar a ceder à pressão de um grande país, como são os EUA.

Para o ex-juiz, “a falta de respeito pelas regras de inviolabilidade diplomática impostas unilateralmente pelos Estados Unidos só funciona se os outros países se submeterem às mesmas”.

“Apelamos ao poder judicial cabo-verdiano para que aprofunde este caso, que trate de uma forma ampla as questões de direitos humanos e legalidade internacional que estão em jogo”, sublinha Baltasar Garzón.

O Governo norte-americano de Donald Trump acusa Saab de ter branqueado 350 milhões de dólares (cerca de 300 milhões de euros) para pagar atos de corrupção que atribui ao Presidente venezuelano, através do sistema financeiro dos Estados Unidos.

Um processo de extradição tem por base a existência de um mandado de captura internacional, para que uma pessoa seja detida e colocada à disposição das autoridades de um país diferente daquele que o solicita.

“No caso da extradição do enviado especial da Venezuela, Alex Nain Saab, desde 2018, esse mandado não existia e foi fabricado ‘a posteriori’, ou seja, após a sua detenção arbitrária em Cabo Verde. Estamos assim perante um caso claro de detenção ilegal”, alega o ex-juiz espanhol.

A detenção em Cabo Verde teve lugar a 12 de junho e o mandado internacional tem a data do dia seguinte, 13 de junho, sustenta a defesa de Saab.

“Isto significa que a detenção foi levada a cabo sem base legal e nós denunciámos isto, embora até agora as autoridades judiciais cabo-verdianas competentes não tenham querido atender a este incidente muito grave, provavelmente porque os Estados Unidos são o queixoso”, insiste Baltazar Garzón.

O advogado salienta que “sendo o primeiro ato ilegal, todos os subsequentes são também ilegais” e “não é válido que este facto seja retificado posteriormente pelo Estado requerente, porque todo o processo está contaminado desde a sua origem, sendo nulo e sem efeito”.

O ex-juiz espanhol acrescenta que “a ilegalidade da detenção não se fica por aqui”, tendo havido uma “detenção arbitrária”, uma vez que o “enviado especial” venezuelano (Alex Saab) “nunca poderia ser detido pelas autoridades de um Estado (Cabo Verde), porque o direito internacional exige a observância da sua inviolabilidade diplomática e imunidade”.

Para Garzón, esta questão “não é trivial” pois afeta a soberania e o princípio da igualdade dos Estados consagrado no artigo 2.1 da Carta das Nações Unidas e na Convenção de 1969 e o seu estatuto de enviado especial consta da documentação “que lhe foi apreendida e escondida pela polícia judiciária quando foi detido”.

“O argumento do Supremo Tribunal de que a escala do seu avião não foi comunicada às autoridades cabo-verdianas competentes é uma afirmação grave, porque o plano de voo não incluía Cabo Verde, mas o avião foi desviado, depois de lhe ter sido negada a aterragem na Argélia e em Marrocos”, explica o ex-juiz.

Não existindo um acordo bilateral de extradição entre os Estados Unidos e Cabo Verde, aplica-se o chamado princípio da reciprocidade e isto implica que os dois Estados estão dispostos a aplicar a mesma regra ou abordagem caso estejam na posição oposta.

Noutras ocasiões, “os EUA disseram claramente que não aplicariam este princípio, ou seja, que em circunstâncias semelhantes não entregariam uma pessoa que, estando em território norte-americano, fosse reclamada por Cabo Verde por um crime cometido fora do seu território”, disse Baltazar Garzón.

A defesa de Alex Saab sublinha que “as autoridades de Cabo Verde, enquanto Estado soberano, devem avaliar estas circunstâncias e opor-se à reivindicação ilegal de um Estado guiado pelo conflito político e económico que tem com o da nacionalidade da pessoa procurada”.

Garzón nota que “não está a ser respeitado de todo” o direito à defesa de Saab, em violação dos princípios contidos no pacto internacional sobre direitos civis e políticos e “as regras mais elementares e obrigatórias” de um país democrático governado pelo Estado de direito.

“É intolerável que um membro da equipa internacional de advogados tenha sido deportado duas vezes e que ninguém seja autorizado a entrar na prisão e que a defesa local só tenha direito a 25 minutos de encontro”, afirma o ex-juiz, acrescentando que “isto viola todos os direitos humanos”.

Baltazar Garzón afirma que o processo em curso “está repleto de transgressões” e que “algumas destas violações são atribuíveis a Cabo Verde, outras aos Estados Unidos e outras a ambos” os países.

O caso está agora a ser analisado pelo Supremo Tribunal de Cabo Verde depois de a defesa ter recorrido da sentença do Tribunal da Relação do Barlavento, na ilha de São Vicente, que decidiu dar seguimento à extradição formalmente requerida pelos Estados Unidos.

Se o Supremo não der razão a Saab, “será apresentado um recurso ao Tribunal Constitucional”, avança Garzón que se reserva ainda “o direito de avançar com ações judiciais locais e internacionais para fazer valer os direitos” do seu cliente, que “foram sistematicamente violados”.

A equipa de defesa internacional de Alex Saab tem “sérias dúvidas” sobre se a segurança do seu cliente está garantida, alertando contra “estranhos acontecimentos que estão a ocorrer por parte das autoridades”.

O ex-juiz espanhol explica que Alex Saab está numa prisão que “não lhe corresponde”, pois deveria estar detido onde está sediado o Tribunal de Recurso, em São Vicente.

A defesa também estranha que o diretor da prisão em que se encontra tenha sido substituído duas vezes em dois meses.

Por outro lado, várias cartas formais enviadas da Venezuela para Cabo Verde permaneceram sem resposta, e ao embaixador da República Bolivariana da Venezuela foi também negada a entrada na prisão.

Com Lusa

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