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Parcerias Público Privadas. Setor das telecomunicações – 2.º Caso de Insucesso
Ponto de Vista

Parcerias Público Privadas. Setor das telecomunicações – 2.º Caso de Insucesso

A PPP no setor das telecomunicações, feita através da privatização seguida de concessão por 25 anos, foi um FRACASSO.

O Contrato de Concessão dos Serviços Públicos de Telecomunicações entre o Estado de Cabo Verde e a CV Telecom, por um período de 25 anos, teve início e efeitos a partir de 1 de janeiro de 1996. O seu término devia acontecer no dia 31 de dezembro de 2020.

Numa breve resenha histórica deve-se assinalar:

- A criação da CV Telecom em dezembro de 1995, com um capital social de mil milhões de escudos e as ações tipificadas e estruturadas em três grupos com características especiais;

- A constituição de um bloco indivisível e inalienável de 400.000 ações, correspondentes a 40% do capital social, cuja transmissão só pode ser feita com autorização expressa do Governo;

- A aprovação da privatização de 65% do capital social da CV Telecom, sendo 40% reservado a um parceiro estratégico e os restantes 25% para oferta pública de subscrições;

- A venda deste bloco à Portugal Telecom S.A. O contrato de compra e venda incluía compromissos que viriam a ser modelados noutros instrumentos jurídicos e institucionais do processo: o contrato de concessão, o acordo parassocial e o contrato de Assistência Técnica.

Contrato de Concessão

O objeto central e diferenciador da concessão consiste no estabelecimento, gestão e exploração, em regime exclusivo, das infraestruturas que constituem a rede básica de telecomunicações. Foram igualmente concessionados os serviços fundamentais de telecomunicações de então: telefone fixo e telex.

Pela concessão, ficou a Concessionaria obrigada a pagar, anualmente, ao Estado, a título de renda, o valor correspondente a 4% da totalidade da receita líquida da exploração das infraestruturas e dos serviços objeto da concessão.

O texto da concessão estabelece todas as obrigações gerais e específicas da concessionária.

Nove anos após a concessão, o Estado de Cabo Verde percebeu que, com a globalização e eventual harmonização de mercado e com o desenvolvimento rápido das tecnologias, tornava-se necessário proceder à liberalização global de todos os serviços e infraestruturas das comunicações e de informação.

Na verdade, a concessão para a gestão e a exploração das infraestruturas de telecomunicações de domínio público, revelou-se, em si mesma, como uma medida de política incontornável e acertada, na medida em que os substanciais custos de implantação dessas infraestruturas e as economias de escala entre os serviços habilitados na plataforma sugerem que é económica e financeiramente sensato para Cabo Verde lançar e manter apenas uma rede nacional de infraestruturas básicas.

Contudo, o modelo da concessão e de exploração dessas infraestruturas, em regime exclusivo, não permitindo que eventuais outros operadores a elas também tivessem acesso, em igualdade de circunstâncias, para a prestação de serviços de telecomunicações, cedo se revelou como fator inibidor do desenvolvimento do setor, limitador da inovação e penalizante para os consumidores.

A instauração de um regime de monopólio no setor das comunicações em Cabo Verde aconteceu exatamente no momento em que, a nível mundial, se caminhava a passos largos no sentido da plena liberalização, inclusive em Portugal por imposição da União Europeia.

Assim, a Portugal Telecom encerrava, em Portugal, o seu percurso como um operador único nacional de telecomunicações para, em plena era de liberalização do setor, promover em Cabo Verde um novo monopólio.

Acordo parassocial

Todas as condições que viriam a determinar o controlo absoluto da PT sobre a CV Telecom foram vertidas num acordo parassocial que atribuía à PT uma fictícia maioria acionista quando, na realidade, ela detinha apenas 40% da empresa.

No final, o acordo determinava que, em todas as decisões estratégicas para a empresa, o acionista Estado (por via direta e indireta) devia estar alinhado com o acionista PT.

Contrato de Assistência técnica

Trata-se de um contrato assistência técnica da Portugal Telecom à CV Telecom com remuneração fixa de 2,5% do valor da totalidade da receita líquida da exploração de serviços, independentemente do volume e/ou da qualidade dos serviços prestados:

- A remuneração fixa não cobria intervenções e serviços diretos ou indiretos tais como: serviços laboratoriais, competências específicas, consultoria, ações de formação técnica e de gestão e assessoria técnica em pedidos de financiamento. Esses serviços seriam remunerados à PT conforme preços praticados pelo Grupo PT;  

- A CV Telecom suportava todos os encargos relativos a: licenças de trabalho, passagens de avião para os colaboradores da PT em classe executiva, transportes internos, impostos, taxas e outras contribuições;

- Os colaboradores da PT em missão a Cabo Verde recebiam remuneração pelos serviços prestados. Todos os cálculos eram feitos de acordo com as condições aplicáveis pela PT;

O Estado cedo percebeu que, pela forma como foi formatada, a concessão era lesiva para os interesses do país e não poupou esforços no sentido da renegociação dos termos em que foi realizada. Também percebeu que, com a globalização e o desenvolvimento rápido das tecnologias de informação e comunicação, o monopólio concedido devia ceder lugar à liberalização dos serviços para garantir a sã concorrência e as condições de equidade de acesso a infraestruturas.

Os esforços não lograram e o Estado acabou por estabelecer um novo regime geral aplicável ao setor de telecomunicações e das tecnologias de informação e comunicação e determinar a cessação da exploração económica em regime de exclusivo fixado no Contrato de Concessão.

Para implementar as medidas do novo quadro legal aplicável o Estado criou, de 2005 a 2019, quatro comissões para renegociar o contrato de concessão com a CVT, representada pela Portugal Telecom.

É certo que o novo quadro legal revogava uma parte considerável dos termos da concessão e o Estado, ciente disso, deixou plasmado no novo quadro legal a sua disponibilidade para a indemnização por eventuais prejuízos que tal medida pudesse causar.

Todos os mecanismos contratuais estabelecidos convergiram numa incontrolável drenagem financeira em direção à PT. Por isso nunca houve, verdadeiramente, interesse por parte da PT em renegociar e particularmente em abrir mão do monopólio e dos enormes benefícios da concessão. A visão e os propósitos da PT não estavam alinhados com as necessidades e os objetivos estratégicos da CVT e de Cabo Verde.

Tanto assim é que, em 2007 a PT anuncia uma aventura expansionista com o objetivo de crescimento da operadora no continente africano, “um novo projeto de telecomunicações em língua portuguesa, uma operadora capaz de atender 200 milhões de pessoas em Portugal, Brasil e África”. E a CVT era simplesmente mais um instrumento para essa aventura.

A PT fixou como prioridade reorganizar a carteira de ativos e tentar transformar em posições de controlo as participações então detidas, quase todas minoritárias, em empresas como a CVT. Nesse processo de expansão, a participação (indivisível e inalienável) da PT na CVT passou, inesperada e surpreendentemente, a ser ativo da operadora brasileira, Oi.

Tanto essa alteração como a subsequente colocação da participação à venda na BOVESPA (bolsa de valores do Rio de janeiro) levaram o Estado de Cabo Verde a considerar que as condições contratuais para a continuação do Acordo Parassocial tinham deixado de existir e a revogá-lo, unilateralmente.

Foram despoletados dois complexos processos de arbitragem internacional, que muito custaram ao Estado de Cabo Verde e que acabaram por ser interrompidos com a medida de RENACIONALIZAÇÃO DA CV TELECOM, com o resgate/aquisição dessa participação de 40%, através do INPS e da ASA.

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Redação