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Confirmado o primeiro caso na Praia. O que fazer agora?
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Confirmado o primeiro caso na Praia. O que fazer agora?

1. Quando surgiram os dois casos de coronavírus na ilha da Boa Vista, o Governo de Cabo Verde resolveu colocar a ilha de quarentena. Pergunto-me se, agora que já surgiu um caso confirmado na ilha de Santiago, o Governo vai tomar a mesma medida, isto é, se vai colocar esta ilha de quarentena também? Permitam-me chamar a atenção aqui para o seguinte: vai ser esta a estratégia do Governo? Vai ficar sempre à espera para intensificar as medidas em reação ao agravamento da situação no país? Já nem digo em função daquilo que se passa no Mundo. No Nepal, depois do segundo caso confirmado, o Governo decretou quarentena até ao dia 31 de março;

2. Parece-me que as autoridades de Cabo Verde, desde o Primeiro-ministro, passando pelos ministros das finanças e da saúde, chegando ao Diretor Nacional da Saúde e à Presidente do Instituto Nacional de Saúde Pública, até ainda não perceberam duas verdades sobre o coronavírus. A primeira é que o maior problema é quando há um número de infetados que ultrapassa a capacidade de atendimento dos hospitais. Estamos perante uma situação em que somos obrigados a pensar do fim para o princípio! O que fazer para que os nossos hospitais não entrem em colapso, com os parcos números de médicos, enfermeiros e auxiliares e a exígua quantidade de equipamentos? Esta é a questão!

3. A segunda verdade que estes senhores e senhora acima mencionados parecem desconhecer é que só há uma única maneira de conter a propagação desse vírus: é as pessoas ficarem totalmente isoladas, sem entrar em contacto com esse vírus. Pode-se atribuir a este estado social o nome que se bem entender. Pode-se chamá-lo de quarentena, isolamento obrigatório, ou distanciamento social, que dá na mesma. Foi o que fez a China e está Macau a fazer (1). A Alemanha – um dos casos de maior sucesso neste combate ao coronavírus na Europa – proibiu durante duas semanas o encontro de mais de duas pessoas (2) se estas não forem da mesma família ou vivam na mesma casa! Duas pessoas! Angela Merkel proibiu e não ficou à espera que “cada um” assumisse as suas responsabilidades! Angela Merkel foi eleita para tomar decisões em nome da Alemanha e não se desresponsabiliza através do “cada um”!

4. Por aqui, assistimos a meias medidas ou medidas tomadas pela metade. Que lógica é esta? Meio Hiace de passageiros, meio número de funcionários, meio horário de funcionamento, meio mercado do Plateau, meio número de vendedeiras?! É preciso entender que cada pessoa infetada que continuar a circular, vai continuar a infetar mais pessoas e mais pessoas. Harry Stevens do jornal Washington Post fez um estudo que ilustra de forma clara a relação entre o grau de distanciamento decidido e o número de pessoas infetadas (3). Só um isolamento obrigatório garante um baixo número de casos e com maior distribuição no tempo, ou seja, permitindo que os hospitais consigam dar resposta;

5. Por isso, o Governo tem de agir e decretar a quarentena obrigatória. Ponto final;

6. Só que para as pessoas ficarem em casa, de facto, têm de ter garantias para puderem não sair à rua. Por isso, acrescento estas medidas em baixo a serem associadas a várias outras que já foram apresentadas:

a. Quarentena geral e obrigatória – todos em casa, de facto – exceto os serviços essenciais: segurança, saúde, farmácia, supermercados, eletricidade, água, comunicação social e telecomunicações – também estes em regimes de contingência especiais;

b. Salários a 100% na administração pública que, afinal, sempre ganhou menos – Reino Unido vai pagar 80% do salário de trabalhadores durante três meses (4) e Venezuela vai pagar durante seis meses a todos os funcionários públicos e privados (5);

c. Salário a 100% das empregadas domésticas que, quase sempre, fazem a ligação de risco entre pontos dispersos das periferias e as localidades centrais;

d. Congelamento imediato de todos os créditos pessoais, por três meses, junto de bancos comerciais e de instituições de microcrédito (peixeiras, pedreiros, vendeiras, etc) – devolução dos que já pagaram este mês de março;

e. Criação de mecanismos de apoio direto a dois grupos de famílias: aquelas que têm de sair de casa todos os dias para irem à procura da “janta” e as que têm vindo a atender as suas necessidades básicas de sobrevivência graças a biscates e ajudas de vizinhos;

f. Suspensão de pagamentos, uma vez que implicam que pessoas saiam de suas casas (água, luz, propinas, comunicações) e suspensão das campanhas de cortes da ADS e Electra.

  • Macau: ninguém sai à rua, todos usam máscara. Portugal está longe deste cenário, 23 de março de 2020, Diário de Notícias

https://www.dn.pt/mundo/macau-ninguem-sai-a-rua-todos-usam-mascara-portugal-esta-longe-deste-cenario--11969409.html

  • Como se explica que morram menos pessoas na Alemanha por causa do coronavírus?, 22 de março de 2020, Público

https://www.publico.pt/2020/03/22/mundo/noticia/explica-morram-menos-pessoas-alemanha-causa-coronavirus-1908932

  • Porque surtos como o coronavírus se espalham exponencialmente e como “achatar a curva”, 18 de março de 2020, The Washington Post

https://www.washingtonpost.com/graphics/2020/health/corona-simulation-portuguese/?fbclid=IwAR2nZn4SnUvTReUlnMuUpuMX2EzRrSBHx_Yp5x7iB2ohy1EKeEJqU6kuIv8

  • Em medida 'sem precedentes', Reino Unido vai pagar salários de trabalhadores para evitar demissões, 20 de março de 2020, O Globo

https://oglobo.globo.com/economia/em-medida-sem-precedentes-reino-unido-vai-pagar-salarios-de-trabalhadores-para-evitar-demissoes-24318385

  • Venezuela pagará salários de trabalhadores por 6 meses, para que fiquem em casa, 23 de março de 2020, 247

https://www.brasil247.com/mundo/venezuela-pagara-salarios-de-trabalhadores-por-6-meses-para-que-fiquem-em-casa

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine