Pedagoga, missionária, evangélica, conferencista, Joany Bentes, está em Cabo Verde para um Congresso Infantil de dois dias na Igreja Assembleia de Deus de Ivoti, afirma neste exclusivo ao Santiago Magazine que Cabo Verde só terá sua realidade cultural mudada, só terá sua nação transformada, se as crianças forem trabalhadas. Esta brasileira, que tem como lema do seu trabalho "O coração de uma criança é de quem chegar primeiro", afirma categórica que "se eu não posso reconstruir o carácter de um adulto, de um ancião, eu posso construir o carácter de uma criança".
Santiago Magazine - A senhora é cristã, evangélica, nasceu e cresceu num lar cristão. O que é a motivou a trabalhar especificamente para o público infantil?
Joany Bentes - O que me motivou foi a certeza na esperança de um país melhor. Defender a infância, proteger as crianças, semear no coração das crianças a Palavra de Deus, formar um bom carácter nela. É acreditar que uma nação pode mudar. Dizia um filósofo, se você quiser colher em um ano planta arroz, se você quiser colher para dez anos plante uma árvore, se você quiser colher para cem anos eduque crianças. Cabo Verde só terá sua realidade cultural mudada, só terá sua nação transformada, se as crianças forem trabalhadas. Me deem as crianças e eu mudo a história de uma nação. Essa é a minha motivação, é a minha filosofia de vida. É acreditar que se eu não posso reconstruir o carácter de um adulto, de um ancião, eu posso construir o carácter de uma criança. Criança para mim é terra fértil, produtiva, terra descansada. O lema do meu Ministério é “o coração de uma criança é de quem chegar primeiro”. E se nós chegarmos com um bom carácter, com valores, se chegarmos também com a Palavra de Deus que ajuda a formar homens bons, eu tenho certeza que a história de uma nação pode ser mudada.
Já conheceu a história de vários países, quais foram os maiores desafios que a senhora enfrentou durante o seu ministério até aqui?
Hoje, para mim, o maior desafio são as crianças do Nepal. Se vocês buscarem na imprensa notícias do Nepal, vocês vão encontrar que o Nepal perde em torno de quinze mil crianças por ano para o tráfico e prostituição infantil. A maioria dessas crianças são traficadas para a Índia com 8, 9, 10 anos. E isso para mim é muito chocante. Elas se tornam objectos sexuais sem opção de vida. São destruídas, algumas são jogadas no lixo quando não servem mais, quando já são pele e osso e não servem mais para nenhum tipo de comércio nesse tráfico tão cruel, tão imundo. O Nepal para mim hoje é o meu grande desafio, fazer alguma coisa para as crianças que sei que todos os dias são traficadas para esse comércio negro. A nossa luta é muito grande, a nossa Igreja que está ali. Enfrentar esses traficantes de crianças, traficantes de prostituição infantil é muito difícil, mas com a ajuda Divina nós estamos vencendo. Inclusive tem um projecto lá, de muitos anos, muito sério, “Meninas dos Olhos de Deus”, eles compram essas crianças, restauram, resgatam, hoje tem dessas crianças que já são adultas, casadas, directoras de algumas casas. “Meninas dos Olhos de Deus” são várias casas em Kathmandu que resgatam crianças do tráfico. Hoje o Nepal é meu grande desafio.
É a primeira que visita África?
Não. Eu já estive em Moçambique, no Zimbabué e Malawi há 11 anos, cuidando mais na área da desnutrição infantil. Nós trabalhamos com os nossos recursos, com a venda dos nossos discos. Nós trabalhamos com uma ONG e alimentamos diariamente mil e 600 crianças. O projecto está espalhado nestes 3 países mas na grande proporção em Moçambique – na região de Beira e Chimoio.
Que conselhos, que recomendações a senhora daria às instituições, ao Governo, às famílias enquanto uma pessoa que já trabalha há muitos anos nessa área?
Sou pedagoga, e trabalho há 26 anos com educação infantil cristã. Deixaria recomendações para o governo, para os educadores – cristãos ou seculares – mas especialmente para os pais. O futuro de Cabo Verde está nas nossas mãos. Vamos acreditar que a educação pode ainda reverter muitas situações, vamos acreditar nas nossas crianças, vamos defender a infância, vamos proteger, vamos brigar por elas, vamos denunciar o abuso, são crianças que precisam de nós. Provérbios 31 diz “abra a boca e defenda aquelas que não podem se defender, grite pelo necessitado, grite pelo pequeno”, é a Bíblia também nos orientando a defender esta geração. Que sejamos como Cifra e Pua, as parteiras que protegeram os filhos dos Hebreus no Egipto, elas foram até mesmo contra as leis da sua nação, porque Faraó que mandou matar todos os filhos dos Hebreus – homens – para que a nação não crescesse, se tornasse forte e guerreasse contra eles. Mas elas resolveram proteger as crianças, e Moisés estava nascendo nesse contexto. E elas foram prósperas, foram guardadas, Deus as prosperou, Deus as deu famílias. Não tenha medo, defenda a criança, esteja debaixo de uma protecção divina. Tenho certeza disso. Deus está levantando um novo tempo para Cabo Verde, e essa preocupação com a infância que surge não só no contexto cristão mas também no contexto secular, no contexto governamental deste país em defesa da infância, em defesa dos valores da família é a esperança para um novo tempo para Cabo Verde.
Como é que vamos defender a família – penso que está a falar nesse núcleo de pai, mãe e filhos? Em Cabo Verde à volta de 40% das famílias são monoparentais e desses, 66% são chefiadas por mulheres. Assim, cerca de 40% de crianças não crescem com os pais. Nesse contexto, os analistas dizem que não podemos falar de família mas sim de famílias, porque existem contextos onde as crianças crescem com as mães, com as avós e as tias... Como é que podemos enquadrar esta questão para ter sucesso?
O desafio é um pouco maior de defender essa família no contexto cabo-verdiano. Para essas crianças que não são criadas por uma figura paterna, e sabemos psicologicamente que a figura paterna é que forma grandes valores dentro da criança. Mas eu acredito na garra da mulher. Eu acredito nessa mulher guerreira, que batalha o dia inteiro para o sustento dos filhos e ainda chega e abraça, e beija, e dá um banho. Agora para nós como educadores nessa visão de famílias dentro do contexto cabo-verdiano, a igreja está dando um grande exemplo, a Escolinha Bíblica está chegando na vida das crianças. É visitá-los. É fazer o que ouvi um Pastor falando “eu fui visitar uma mãe que tem 3 filhos, morando num casebre e não tinha nada para comer, eu voltei e levei 2 cestos de comida para ela”, isso quer dizer que a fé sem obras é morta, o que nós precisamos para esse contexto de família cabo-verdiana é “fé com obras”. Nós precisamos agir, precisamos fazer obras sociais. Nós precisamos entrar no casebre delas, na comunidade, na zona que vocês falam, chegar até lá, sentar num tamborete com eles, falar com eles, ouvir suas histórias, levar um pouco de esperança, e voltar novamente levando algo para eles. Eu acredito que com Ação Social nós vamos ajudar estas famílias.
A Igreja não pode ficar entre quatro paredes, ela tem que sair das quatro paredes, para promover acções sociais, buscar saber se essa criança está sofrendo algum tipo de abuso, aconselhar sua mãe que medidas tomar. Tudo isso é uma missão nossa, é um dever do cidadão que protege a sua terra, ter olhos de agente. Agentes são olheiros, promovedores de sonhos mas ao mesmo tempo detectives. Se você buscar o significado da palavra agente verá que eles são detectives, que sejamos agentes das crianças em Cabo Verde. Que possamos orientar seus pais, que eu acredito que as leis deste país – que eu não conheço muito – tem aí o seu apoio para as famílias, orientar os pais a buscar ajuda, a proteger os seus filhos, a não abandonar os seus filhos, porque pelo que eu percebo nessa grande necessidade das mães trabalharem para sustentar os seus filhos, como ficam essas crianças no seu dia-a-dia? Sozinhas, em casa, na rua, sozinhas.
É aí que entra a nossa visão humanitária para as ações sociais. Quero acreditar que nós teremos muitas casas que vão tirar as crianças da rua através da arte, da música. Esse é o meu sonho para um país como Cabo Verde. Eu quero crer nisso, e que Deus trabalhe no coração do Governo, dos nossos educadores – seculares e cristãos – e que juntemos as nossas forças e possamos defender dentro das nossas possibilidades as famílias. Porque eu não posso tirar essa visão de família de uma avó que criou o seu neto sozinha. É a família que ele tem e eu preciso respeitar isso. Então vamos dizer que em Cabo Verde, a família não é descrito como pai, mãe e filhos, pode ser mãe e filhos, pode ser avó e netos. Que Deus proteja as famílias de Cabo Verde.
Quer deixar alguma mensagem?
Quero deixar uma mensagem de bênçãos dos céus sobre todos vocês que acompanham este jornal, leitores deste jornal, que além de denunciar e gritar pelo seu povo – e isso não agrada muita gente – mas que ele possa ser um jornal ousado, que possa ser a voz de Cabo Verde para o bem, para a construção de um país melhor em nome de Jesus. E dedico a todos vocês Deuteronómio 6 e 7 “viva as leis do Senhor, dentro e fora da tua casa, e tu irás bem e serás bem sucedido”. Deus abençoe as famílias cabo-verdianas.
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