Um poder que se propõe gastar só em viagens 630 mil contos, em apenas um ano, é um poder que promove um vergonhoso e vil “assistencialismo” de fato e gravata. Um poder que vende o setor dos transportes a estrangeiros - estratégico em qualquer realidade, mormente em países arquipelágicos - e logo a seguir se presta a servir de fiador para ajudar os alegados compradores a viabilizarem o negócio, é um poder que promove um perigoso e inadmissível “assistencialismo público” a favor da classe política e empresarial.
Consta que este país tem cerca de 62 mil jovens sem qualquer ocupação, ou seja, sem emprego, sem formação, sem oportunidades. Consta que a pobreza atinge cerca de 179 mil cabo-verdianos. São dados oficiais que dizem isso, embora a realidade é bem mais dramática, porque as estatísticas não registam os sentimentos, as dores da alma e do espírito.
O país atravessa 3 anos de mau ano agrícola, com todas as implicações e os males que tal flagelo provoca no seio das famílias cabo-verdianas, particularmente no mundo rural.
Cabo Verde pode ser considerado um país rural, uma vez que a maioria da sua população reside no campo ou tem no campo o seu ganha pão e os seus rendimentos.
Em anos de seca, o cabo-verdiano sofre. Sofre de forma física e espiritual. De forma física, porque falta-lhe pão para comer, falta-lhe recursos financeiros e materiais para o conforto que os seus filhos merecem, e espiritualmente, porque mantem com a chuva uma relação de amor, de afecto devoto, provocando-lhe a ausência desta um sentimento de orfandade emotiva, de infidelidade comovedora e fatalista…
Durante muitos anos, os diferentes governos adotaram programas de mitigação dos efeitos dos maus anos agrícolas com abertura de frentes de trabalho, conhecidas por FAIMO, bem como programas de mobilização de água para rega. Estes programas atingiam todas as famílias indiscriminadamente. Pelo menos um elemento de cada família seria contemplado pelo programa das FAIMO. Ninguém ficava de fora, ciente de que a seca atinge a todos sem exceção.
Num país sem recursos naturais, sem mercado, e com um setor privado preso às tetas do Estado, em momentos de crise – como a falta de chuva – se o governo não adotar medidas para responder à demanda social, o povo fica sem alternativas para satisfazer as suas necessidades básicas.
Não há emprego. E não há como criar emprego. O setor privado cabo-verdiano não tem onde cair morto, por isso não serve para gerar emprego.
O governo fala de rendimentos e ninguém percebe essa conversa, na medida em que não pode haver rendimento sem emprego, seja na cidade, seja no campo. As ribeiras do país estão a exautorar-se gradativamente, traduzida sobretudo na redução drástica da água disponível. Os centros urbanos já não têm espaços para responder à demanda do êxodo rural, com a violência urbana a atingir picos incomportáveis, num país que está a postar quase todas as fichas no turismo e na promoção do investimento direto estrangeiro.
É nesse ambiente social, nesse drama existencial, que o poder instituído resolve insurgir-se contra as medidas de assistência às famílias, apelidando-as, com gestos de escarnio e soberba, de assistencialismo. Não se percebe esta atitude, uma vez que as palavras bonitas, os discursos de animação, não enchem a barriga e não pagam as contas de ninguém.
Consta que o governo foi ao Banco Mundial pedir 10 milhões de dólares para vir implementar uma coisa a que se deu o nome de Rendimento Social de Inclusão. É um palavrão chique. Vai até 2021 e consta que irá atingir um número considerável de famílias – até este momento o país desconhece o número dos beneficiários.
Até aqui tudo parece perfeito. Mas as questões que estão a pedir esclarecimentos são essas: o que é o Rendimento Social de Inclusão, uma vez que não resulta de um serviço prestado, de um emprego ou da geração de riquezas? Qual seria a sua classificação? Tendo como prazo de validade o ano 2021, como é que vai ser a vida dessas famílias a partir dessa data? Estarão ricas, ou vai-se recorrer ao Banco Mundial para reforçar o crédito e assim manter a dependência desses infelizes?
São questões que devem ser respondidas no entendimento de que governar um país exige sobretudo seriedade e sentido de Estado. Um poder que se propõe gastar só em viagens 630 mil contos, em apenas um ano, é um poder que promove um vergonhoso e vil “assistencialismo” de fato e gravata. Um poder que vende o setor dos transportes a estrangeiros - estratégico em qualquer realidade, mormente em países arquipelágicos - e logo a seguir se presta a servir de fiador para ajudar os alegados compradores a viabilizarem o negócio, é um poder que promove um perigoso e inadmissível “assistencialismo público” a favor da classe política e empresarial.
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