Os oficiais de diligências tencionam paralisar os trabalhos agora em Novembro, em protesto, contra o descaso das autoridades perante as suas reivindicações, que, afirmam, é uma das razões pelo mau funcionamento da Justiça. Há défice de pessoal, não há viaturas para diligências e falta até água nas casas de banho dos tribunais.
O caso dos arguidos do processo “Rapa tudo” (em que 16 pessoas são acusadas de roubo, tráfico de droga e tentativa de homicídio) colocados em liberdade por falta de notificação para julgamento porque os oficiais de diligência estavam com os passes de autocarro caducados é, afinal, apenas ponta de um grande iceberg submerso sob o sector da Justiça em Cabo Verde.
Oficiais de diligências ouvidos por Santiago Magazine denunciam "total descaso" do Ministério da Justiça e dos Conselhos Superiores de Magistratura Judicial e do Ministério Público para melhorar a sua condição de trabalho, o que, afirmam, tem contribuído para a crise na Justiça, como morosidade processual e desmotivação geral a nível das secretarias.
“Por exemplo, esta questão de passes de autocarro caducados que resultou na falta de notificação de arguidos para julgamento é apenas um detalhe. O Tribunal da Praia tem apenas duas viaturas para diligências, uma está parada no quintal do tribunal no Plateau por falta de manutenção e a outra não chega para cobrir tanta demanda de processos. É essa única viatura para servir aproximadamente 25 oficiais de diligência, sem contar os ajudantes de escrivão e os escrivães. Um total de dez juízos e respectivas secretarias sem transporte”, faz saber um oficial de diligência em conversa com Santiago Magazine.
O mesmo interlocutor, visivelmente agastado com a sua condição de trabalho, revela ainda que os oficiais de diligência têm um cartão de identificação profissional que possui um chip para desbloquear as catracas dos autocarros. “Só que esse cartão foi-nos entregue em Setembro último e apenas para alguns e só na Praia. Portanto, os mais novos não possuem esse cartão e sem passe para se deslocarem piora a situação”, continua, apontando o dedo tanto ao Ministério da Justiça quanto ao Conselho Superior de Magistratura Judicial e do Ministério Público, que atribuem os passes e os cartões de identificação profissional.
“As secretarias dos tribunais funcionam muito mal, porque não temos condições. Há défice de pessoal tanto a nível da procuradoria quanto a nível dos tribunais. Todo o juízo cível funciona apenas com um escrivão, um ajudante de escrivão e dois oficiais de diligência. O 3º juízo-crime tem um escrivão, um ajudante e um oficial de diligência para dar vazão a todo o volume de processos que dão entrada. Não há como não haver pendências, não haver morosidade”, lamenta, acrescentando que “muitas vezes, os oficiais não fazem diligências por falta de viatura e em certos casos porque não tem combustível”.
No Campus do Palmarejo os funcionários passam dias sem água nas casas de banho, denuncia a nossa fonte. “Todos os aspectos operacionais dos tribunais estão agora na dependência do Cofre dos Tribunais e do Ministério Público, departamento criado há dois anos, sensivelmente, e que está a emperrar tudo. Até para comprar papel higiénico é preciso autorização e pagamento do cofre conjunto dos tribunais e do MP, junção de todo estranha. Foi uma invenção do Olavo Correia que meteu lá um técnico do Ministério das Finanças, David Moreno, para gerir esse cofre. Quer dizer, o Ministério Público, se quiser fazer qualquer aquisição, terá de sair de um cofre que divide com os tribunais. E vice-versa”.
Além destes aspectos operacionais, os oficiais de diligência lembram que existe uma proposta para novo estatuto da classe que mofa no Ministério da Justiça há quatro anos. Esse novo estatuto tem 12 novos artigos, onde se incluem, por exemplo, os subsídios de risco, a fixação dos seus emolumentos no seu salário. “O estatuto em vigor faculta-nos a porte de arma, mas nem o Governo, nem o CSMP e o CSMJ disponibilizaram esse direito estatutário”, reclamam os oficiais, que, após falta de feedback do executivo na sequência do último encontro que mantiveram no dia 4 de Outubro com o director geral de Política da Justiça, Samora Monteiro, tencionam avançar com um pré-aviso de greve em Novembro ou Dezembro. Tentámos obter uma posição oficial do sindicato dos escrivãos e oficiais de justiça, através da sua presidente maria da Cruz, mas não foi possível por estar ausente do país.
Entretanto, ao Santiago Magazine, Samora Monteiro confirmou o encontro que teve com os oficiais de diligências, mas estranhou estarem a preparar uma greve. “O processo (novo estatuto da classe) está a percorrer o seu caminho normal. Temos novo parecer da Direcção Nacional da Administração Pública que sugeriu algumas alterações. E é bom referir que o parecer da DNAP é muito importante”, explicou o director de Política de Justiça, acrescentando que o novo documento já foi enviado ao consultor para o incorporar nos estatutos.
Em relação ao encontro de 4 de Outubro, Monteiro afirma que recolheu os subsídios e que os encaminhou para a Ministra da Justiça, Joana Rosa. “Ainda não o introduzimos porque estivemos estes dias a preparar os dossiers para o debate sobre a situação da Justiça. Falo com os oficiais quase sempre, sabem o que se passa. Só não abordei com eles ainda acerca do novo parecer da DNAP, porque chegou antes de ontem. Mas vamos sentar e conversar, não entendo o porquê de estarem a falar agora em greve”.
O debate sobre o estado da Justiça acontece esta quinta-feira, 31, no Parlamento.
Comentários
Maria da Cruz da Moura Silva Moreira, 30 de Out de 2024
Não seria impossível falar com a Presidente, sem dizer que existe a possibilidade de contactar o Vice-Presidente, se desejado. Enviamos o contato de WhatsApp solicitado e aguardamos retorno. No entanto, a falta de condições de trabalho é gritante em todas as secretarias, cada uma com suas especificidades. A questão do uso de transporte é de interesse público e as entidades governamentais e os Conselhos devem encontrar uma solução mais adequada para resolução definitiva.
Maria da Cruz da Moura Silva Moreira, 30 de Out de 2024
Por que não disponibilizar veículos privativos para suas deslocações? Os autocarros entram nos bairros? A falta de pessoal está gerando estresse e afetando a saúde física e psicológica dos Oficiais de Justiça. Para além de insuficiente, estão mal distribuídos, como se o mérito não tivesse respaldo constitucional, e o critério de alocação é observado conforme a conveniência, um dos pontos de resistência do SNOJ no novo estatuto.Maria da Cruz da Moura Silva Moreira, 30 de Out de 2024
Relativamente ao desfecho do novo estatuto, o SNOJ está, de facto, cauteloso, organizando-se para avançar para outras formas de luta. Nestes quatro anos, como disse o Diretor Samora Monteiro, “está a percorrer o seu caminho normal, mas para os Oficiais de Justiça, interessa agora o desfecho. Quatro anos percorrendo o caminho? Foi comunicado ao Senhor Diretor que o fechamento não passaria do fim de outubro, conforme a promessa da Ministra.Maria da Cruz da Moura Silva Moreira, 30 de Out de 2024
A promessa da Senhora Ministra termina amanhã, dia 31. A previsão de paralisação inicial será de uma semana, não apenas por causa do Estatuto, mas também pelo descaso total com os Oficiais de Justiça, operadores judiciários mais cruciais no Poder Judicial. “Ainda não introduzimos porque estivemos estes dias preparando os dossiês para o debate sobre a situação da Justiça”. Não seria necessário fazer justiça primeiro em casa?Maria da Cruz da Moura Silva Moreira, 30 de Out de 2024
O desconforto e a desmotivação dos Oficiais de Justiça vêm contribuindo significativamente e diretamente na morosidade processual. O Poder Judicial não terá o cabal cumprimento da sua missão principal enquanto persistir o descaso total para com os Oficiais de Justiça porque eles são o motor do Poder Judicial.Responder
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