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Do “Kumi, bebi, so ma dja manxi” aos manuais da vergonha
Elas

Do “Kumi, bebi, so ma dja manxi” aos manuais da vergonha

Quando comentei sobre a música do Djodje, “kumi bebi, é la mé ki nos é bom”, houve gente que não gostou. Que achou que tinha sido um exagero, pois o cantor, afinal, não queria nos reduzir a um povo que “só ma dja manxi”, tem “kumi bebi”, porque “é la mé ki nos é bom”, mas que apenas quis dizer que somos um povo que não precisa de muito para ser feliz. Não entenderam, de forma nenhuma, que a minha crítica foi em relação a visão redutora que, a par de outras coisas (como por exemplo a “coisificação” da mulher), se faz dos cabo-verdianos e que me parece que virou moda nesta nova vaga musical nacional. Mas pronto. Cada um fez a sua interpretação, e da minha, houve quem achou um exagero.

Depois da consagração nacional do “Kumi Bebi, so ma dja manxi” como música no ano, algum criativo oportunista pensou também ganhar algum com isso. E eis que surgem os cadernos cujas capas traziam as expressões kumi bebi”, “tudo pago” e “sem djobi pa lado”. Tendo logo no início ficado algo aborrecida ao ver o desenho da capa, prontamente analisei melhor e vi que não havia muitas razões para tanto alarido.  Até porque esta última foi um dos chavões preferidos utilizados na campanha pelo presidente do partido que venceu as eleições e que hoje é o chefe do nosso governo que, por sua vez, foi buscá-la a uma expressão utlizada por um grupo humorista. Achei sim um exagero. Se “sem djobi pa lado” e “Tudo pago” passaram despercebidas, o “kumi bebi” já não. Afinal, para a maioria, estaríamos a incitar as nossas crianças e jovens a comerem e beberem (acredito que foi mais o bebi que o kumi que não caiu no agrado da sociedade). Mas comer o quê e beber o que? Como disse alguém, “bebi” pode ser até sumo. E, de facto, não fazendo qualquer associação à música, o “kumi bebi” não significa absolutamente coisa nenhuma. Todos nós comemos, todos nós bebemos. E se não conseguiram ver coisa pior na música, não vejo porquê tanto exagero à volta do caderno. Nessa lógica, “Tudo pago” também deveria ser motivo para o deus-nos-acuda, pois a expressão remete ao facilitismo que me parece querer fazer escola entre a nossa juventude.

Agora, sim, surge a coisa mais séria. Essa sim, deve merecer a atenção de TODOS (e TODAS). É admissível que o Ministério da EDUCAÇÃO deixe sair para fora manuais com dezenas de erros graves como esses que estão a circular? É aceitável que se deixe as crianças pensarem que um hexágono agora tem cinco lados, que um losango, figura formada por quatro lados de igual comprimento, apareça no manual, com um dos lados maior que os outros, ou que matemática se escreve com I em vez de E? Que se misture o português, com outras línguas, nas explicações como por exemplo Plus em vez de Mais ou Venn Diagrams em vez de Diagrama de Venn? E o que dizer da magia de se transformar 2x3 em 12 e que 0+0+0=0 é exatamente igual a 3x0=0?

Se tudo isso nos provoca estupefação, indignação e tristeza, o pior veio depois. A senhora diretora nacional da Educação, a pedagoga (penso que o é) Adriana Mendonça, que por sinal foi uma das revisoras linguísticas do manual e assumiu a coordenação geral do mesmo, ou seja, juiz em causa própria, disse em entrevista RCV, que, pasme-se, os manuais são para continuar e que não serão retirados do mercado (!). Para sustentar a decisão, a senhora faz saber qualquer coisa como se manuais anteriores a esse tinham erros, este também podem ter e está-se bem, não há crise nenhuma. E mais: avisa aos pais que estejam atentos para que os seus filhos não sejam induzidos em erro e que por isso, estejam prontos para corrigirem os erros do manual. Na boa gíria, feita a porcaria, os pais que a limpem. 

Disse um internauta, na rede social facebook, que não é hora de procurar culpados, mas de agir. Discordo! Alguém tem que assumir as suas responsabilidades. Os conteúdos foram revisados por uma equipa PEDAGÓGICA, uma delas a própria diretora nacional do Ensino e o manual é propriedade do Ministério da Educação. Alguém deve explicações aos cabo-verdianos. Merecemos mais do que vir, em 45 minutos de conferência de imprensa, justificar dezenas de erros com erros do passado. Precisamos parar com essa mentalidade atrofiada de fugir das nossas responsabilidades e justificar as nossas falhas com coisas semelhantes. Quem se propõe a assumir cargos de alta responsabilidade tem que sair dessa bolha limitante e redutora que não deixa esse país se desenvolver.  

Assuma erros, senhora diretora/revisora. Ou que os faça a tutela máxima desse ministério que elegeu como slogan para o ano letivo “Por uma educação/ensino de qualidade”.  E diga-nos o porquê de terem passado um atestado de incompetência a centenas de quadros cabo-verdianos que dominam conteúdos de linguística, de matemática e de lógica, entregando o manual a uma equipa de estrangeiros que, por sinal, pouco ou nada dominam a língua portuguesa. Não nos envergonhe mais, porque a essa altura todos e todas, dentro e fora, do país ou do estrangeiro, já se deram conta desta vergonha nacional que só descredibiliza o ensino público. Não dê razões aos que colocam os seus filhos nas escolas privadas quando dizem que o ensino público não dá garantias.

Educação e aprendizagem são coisas com as quais não se deve brincar. Não podemos ter práticas que coloquem em causa a credibilidade do nosso sistema de ensino. Esses manuais não podem circular pelas mãos dos nossos meninos e das nossas meninas. Se com a mesma pujança, a IGAE retirou os cadernos “kumi bebi”, é tempo de mudar. De dar um sinal de seriedade e de confiança. Muito precisamos disso.

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Redação