Acumulação de cargo de confiança política com a de presidente da Cruz Vermelha, ferindo o princípio de neutralidade e independência; adulteração dos estatutos da organização; pouca transparência na gestão de fundos; gestão danosa com perdas de dinheiro e oportunidades para a organização, constam entre as principais acusações.
As queixas são dos voluntários da Cruz Vermelha. Por medo de represálias, pediram anonimato. Buscaram Santiago Magazine para denunciar a situação que, para eles, poderá colocar esta importante instituição internacional no descrédito, porque o caminho traçado pelo actual Presidente, Mário Moreira, não se lhes vislumbra com bom destino.
Primeira preocupação dos voluntários. Mário Luís Moreira é hoje gestor executivo do Fundo de Ambiente. Entendem trata-se de uma função de confiança política, mediante livre escolha do Governo. E dizem que é a primeira vez que um presidente da Cruz Vermelha está a acumular as suas funções com outras na esfera política.
“Esta mistura de papéis fere os princípios de neutralidade e independência defendidos pela Cruz Vermelha”, observam, para acrescentar que "esta acumulação de funções é eticamente reprovável. Por exemplo, a Cruz Vermelha pode concorrer normalmente aos fundos do ambiente, e se assim acontecer, como é que o presidente vai decidir”, questionam.
Segunda preocupação. Pouca transparência na gestão de fundos. Os interlocutores de Santiago Magazine dizem que Mário Moreira comprou, em 2014, um automóvel por um preço acima de 4 mil contos. Esta viatura, ST-02-PH Toyota Avensys, acusam, “não serve a Cruz Vermelha de Cabo Verde, porque tem sido utilizado exclusivamente para uso pessoal do presidente e sua família”
“Tanto assim é que ninguém consegue identificar esta viatura como sendo da Cruz Vermelha, porque não possui a marca da organização, que é fundo branco, com dois distintivos, um em ponto grande e outro em ponto pequeno”, informam, para estranhar a oportunidade de aquisição de uma viatura com essas características, que pouco serve aos propósitos da Cruz Vermelha.
Ainda no capítulo da gestão de fundos, os voluntários informam que o presidente terá encomendado, há coisa de 3 anos, um estudo sobre gestão de recursos humanos, a uma empresa portuguesa, a Leadershiping busniss consulting, em que a empresa cabo-verdiana, INOVE, havia apresentado uma proposta com uma vantagem financeira de quase mil contos.
No decurso dos trabalhos, advertem, deve ter havido algum problema com a referida empresa portuguesa, porque, mais tarde, o presidente contratou uma senhora de nome Dulce, que na ocasião trabalhava nos Correios de Cabo Verde, para “fazer um estudo do estudo”. Esta nova contratação terá custado mais 700 mil escudos aos cofres da Cruz Vermelha. Ao todo, a Cruz Vermelha acabou por pagar mais de "3 mil contos por um estudo que acabou engavetado até hoje".
A perda de recursos, por meio do financiamento de projectos, é uma realidade que também preocupa os voluntários. E trazem o exemplo do projecto CICR (Comité Internacional da Cruz Vermelha), que apoia actividades com presos, formação de voluntários, capacitação, entre outras accões, cujo financiamento em 2009 era de 9 mil contos e foi descendo paulatinamente até que atingiu 4 mil contos em 2016. Desses apenas mil contos foram aplicados. "Por isso mesmo, queriam financiar apenas mil contos no corrente ano. Porque as actividades não são realizadas", queixam-se. O mesmo tem acontecido com o projecto FEVE, que apoia os seropositivos com alimentos, medicamentos e consultas. "São disponibilizados 3 mil contos, mas pouca coisa se faz com este dinheiro. E o resultado é a perda de credibilidade juntos dos parceiros", advertem.
A preocupação dos voluntários que procuraram este diário digital se estende à adjudicação de obras. Neste particular, os voluntários dizem que as obras da Cruz Vermelha são realizadas sem concurso, muitas vezes sem orçamento e sem aprovação da Assembleia-Geral.
“Ademais, são adjudicadas sempres à empresa PAVILAR. São as seguintes obras: construção do Centro de Paiol por 7 mil e 900 contos; armazém de Achada Grande por 19 mil contos; intervenção Sede do Plateau por 6 mil contos; intervenção no Centro Multiuso da Fazenda por 3 mil e 300 contos”.
Das obras realizadas sem orçamento, os voluntários destacam o jardim do Tarrafal, com gasto inicial previsto de 3 mil contos e que veio a custar 6 mil e 700 contos.
A Sede do Mindelo terá custado 24 mil contos, num processo muito criticado porque sem aprovação da assembleia geral, e cujo concurso havia sido feito sob fortes acusações de falta de transparência.
Das obras acima referenciadas, os voluntários dão conta que tanto o centro do Paiol como o armazém de Achada Grande estão fechados, sem qualquer uso. Aliás, os voluntários afirmam que o armazém de Achada Grande foi dado como inútil por um especialista espanhol que veio a Cabo Verde para ministrar uma formação sobre logística, porque não possui ventilação, é coberta de chapas metálicas, sem janelas.
No quadro da alteração dos estatutos, os voluntários dizem que o presidente acabou com a figura de secretário-geral e criou a de secretário executivo. Neste momento, dizem, é esta figura que acumula as funções de director financeiro e director administrativo. “Ou seja, é esta mesma pessoa que requisita as despesas, avalia, aprova e paga, sem qualquer transparência”, observam
A este respeito, os interlocutores de Santiago Magazine avançam que todos os voluntários da Cruz Vermelha são iguais, da cúpula à base. Entretanto, nas viagens de serviço, ao presidente é dado um tratamento diferenciado, ou seja, “são lhe assegurados o hotel, a alimentação e o transporte e mesmo assim recebe as ajudas de custo a 100 por cento”.
As tentativas deste jornal para falar com o presidente Mário Moreira revelaram-se infrutíferas. Entretanto, Santiago Magazine vai continuar a tentar, para trazer aos seus leitores toda a verdade sobre este assunto.
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