A Institucionalização do Barulho
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A Institucionalização do Barulho

Por estas bandas o Sr. Barulho está institucionalizado. Conseguiu estatuto de permanência e agora tem os “pés” fincados no chão. Não adianta reclamar, queixar-se ou ficar chateado porque ele já se oficializou e ai de quem se lhe oponha!

Para quem se sentir incomodado com a sua presença, melhor não falar, sufri kaladu, pois o Sr. Barulho adquiriu o estatuto do “Não-Me-Toques”.

Instalou-se dentro das casas, nos bares, nas ruas e nos carros! Nestes últimos tempos então, com o eclodir da época das festas de romaria, nem se fala! Para quem tem a necessidade de fazer um percurso longo nos Hiaces, é um verdadeiro martírio. O nosso famoso kotxi-po, kutun-kutun durante 1 hora ou mais, é demais para um cristão!

Difícil de entender: todos se queixam da pouca ou não existência do dinheiro, tanto os condutores como os proprietários; todos têm na boca o tão famoso Kau sta mau ou o bendito kau dja tora; todavia, como é que todos os carros de passageiros, tanto Hiaces como Hiluxes estejam equipados com aparelhos ultramodernos que emitem sons de milhares de decibéis?

O barulho é tanto que mesmo depois da viajem, a gente leva horas continuando com o barulho dentro da cabeça!

Alguns condutores sentem-se tão “machos” que, abrem o som no máximo, escancaram as portas do carro e deixam que o som extravase (a virilidade varia na direta proporção do som, ou seja, quanto mais alto o som, mais macho se é)!

As pessoas admiram. Acham chique. Há mesmo aquelas que começam a balançar ao som do barulho (entenda-se, da música), mostrando perfeita empatia entre o barulho e elas.

É impossível pensar, reflectir, meditar! Tudo tem que seguir a onda do Sr. Barulho! Na rua, dentro das casas, por tudo o que é lado. De dia, à tarde, à noite. Se pedes aos vizinhos que baixem a música, estás sendo chata, se chamas a polícia, és inimiga, vais para lista negra, com direito a revanchismo.

O barulho reflecte, obviamente, também pela forma de interagir entre as pessoas. São gritos, apupos, independentemente do lugar e das pessoas com quem se esteja a interagir.

Contagiante para as crianças, que aprendem mais vendo e reproduzindo do que de outra forma. Começam a achar o barulho a coisa mais normal que exista e interiorizam a prática de gritar, falar alto e conviver com o Sr. Barulho com a maior naturalidade.

Isso provoca uma aversão ao silêncio e a tudo o que seja a favor de interiorização e reflexão. Assim, quem fala mais alto, é mais forte, quem faz mais barulho tem mais razão, quem grita mais é mais poderoso, e assim por diante.

E ninguém fica imune a isso: todos falamos alto, gritamos desnecessariamente, temos dificuldades em nos concentrar...e a meditação? Esta fica apenas nas intenções.

Calheta, junho de 2018

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