RTC suspende debate entre concorrentes às legislativas. Democracia ferida de morte
Editorial

RTC suspende debate entre concorrentes às legislativas. Democracia ferida de morte

Hoje já ninguém duvida que a salvação deste país está no voto consciente, e para que isso aconteça, é necessário que os órgãos de comunicação social, sobretudo os públicos, sejam efetivamente espaços e oportunidades para se fazer uma avaliação abrangente e profunda das diferentes propostas dos partidos concorrentes nas eleições. Neste contexto, os cabo-verdianos devem, a partir de agora, passar a exigir que esses dois órgãos de comunicação social - RCV e TCV - respeitem o seu dinheiro, o seu trabalho e a sua dignidade.

Um comunicado da Rádio e Televisão públicas torna público a suspensão do debate entre os partidos concorrentes às eleições legislativas de 18 de abril. Com esta medida, os dois órgãos públicos de comunicação social estão a negar aos cabo-verdianos o acesso à informação no período mais importante da vida democrática do país – eleição dos deputados para a Assembleia Nacional, o centro do poder político cabo-verdiano.

O referido comunicado não é uma declaração de guerra aos partidos políticos. Não. É, antes, e sobretudo, uma declaração de guerra ao país, aos cabo-verdianos.

A empresa pública Rádio e Televisão Cabo-verdiana (RTC), tutela da Rádio e Televisão de Cabo Verde, custa anualmente aos cabo-verdianos mais de 600 mil contos. Este dinheiro, que é a soma dos impostos pagos pelas famílias deste país, deve servir para a produção de um serviço público de comunicação social com a qualidade mínima recomendável, capaz de promover a cidadania, arregimentar o escrutínio social sobre os poderes públicos, realizar o bem comum, e consequentemente, alavancar o desenvolvimento do país

É consensual que os órgãos de comunicação social devem ser os olhos e os ouvidos do povo. E, em muitas situações, a boca também.

Essa missão é tanto mais necessária e insubstituível, quando são os bolsos do cidadão a sustentarem o funcionamento dos órgãos de comunicação social, como é o caso da TCV e RCV. Aqui, resulta evidente que o povo é o legítimo dono da empresa, devendo nessa condição não só ser bem servido, como também ter uma voz no destino que é dado ao seu dinheiro.

O que é que isso quer dizer? A RTC alimenta-se com os fundos do Estado. Os fundos do Estado são do povo de Cabo Verde, porque resultam do trabalho e dos rendimentos dos cabo-verdianos. Logo, a RTC deve trabalhar para servir o povo. E se assim não acontecer, é porque ela não está a cumprir com os propósitos por que foi criada, devendo ser avaliada e responsabilizada em função dos resultados e da satisfação que o seu trabalho esteja a produzir na vida do seu proprietário e dos seus clientes – Cabo Verde e os cabo-verdianos.

Vem isto a propósito do cancelamento de um debate entre os partidos concorrentes às eleições legislativas de 18 de abril próximo.

A RCV e a TCV haviam decidido, por meio de um regulamento, um debate em que só participariam os partidos concorrentes em todos os círculos eleitorais. Com essa decisão, o último debate no âmbito das eleições de 18 de abril, seria entre PAICV, UCID e MpD, pois PTS, PP e PTS não concorreram em todos os círculos eleitorais.

Da legalidade ou não desse regulamento, o presente artigo não pretende debruçar, embora seja de todo avisado apontar que, se for legal, já no campo da ética e do interesse coletivo peca redondamente, na medida em que coarta uma parte expressiva da população cabo-verdiana o legitimo direito de conhecer mais a fundo os programas e as principais críticas de todas forças políticas que se encontram na arena pública a lutar para eleger deputados e contribuir para o melhor funcionamento dos órgãos do poder do Estado.

Se o sistema político e o quadro jurídico vigentes admitem que partidos políticos concorram em círculos que bem entenderem, fica um pouco esforçado admitir que os órgãos de comunicação social decidam quem deve falar e quando, excluindo uns e aceitando outros. Seja qual for o critério – que a sociedade cabo-verdiana desconhece – é deveras complicado aceitar essa decisão da RCV e da RTC.

Assim, o PTS, descontente com o referido regulamento, apresenta uma queixa à Autoridade Reguladora para Comunicação Social (ARC), argumentando tratar-se de um ato “ilegal e contra os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade”. A ARC remete a queixa à Comissão Nacional de Eleições (CNE), alegando que compete a esta última resolver esse problema.

E a CNE resolve. Delibera que a RCV e TCV devem incluir todos os partidos concorrentes no programa do debate, aconselhando as duas entidades a dispensarem “tratamento igual a todas as candidaturas concorrentes às eleições legislativas de 18 de abril, quer quanto ao tratamento jornalístico, quer quanto ao volume de espaços concedidos.”

Os dois órgãos públicos de comunicação social, quando notificados da deliberação da CNE, resolvem suspender o debate, alegando problemas com a logística para reprogramar o evento. Não especificam que problemas logísticos são esses – até porque é justo questionar que se havia logística para fazer o debate com 3 partidos, como é que não haverá logística para 6 – mas afirmam discordar frontalmente da decisão da CNE a quem debitam toda a responsabilidade pela decisão de suspender o debate, que entretanto resolveram tomar.

Ora, a democracia sustenta-se na participação, que a suporta e legitima. Partindo dessa premissa, temos que essa decisão da RCV e TCV é uma violenta pancada na coluna vertebral do sistema democrático cabo-verdiano, para além de uma desfeita inadmissível para com os cabo-verdianos.

Hoje já ninguém duvida que a salvação deste país está no voto consciente, e para que isso aconteça, é necessário que os órgãos de comunicação social, sobretudo os públicos, sejam efetivamente espaços e oportunidades para se fazer uma avaliação abrangente e profunda das diferentes propostas dos partidos concorrentes nas eleições. Neste contexto, os cabo-verdianos devem, a partir de agora, passar a exigir que esses dois órgãos de comunicação social - RCV e TCV - respeitem o seu dinheiro, o seu trabalho e a sua dignidade.           

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