Ponto de Vista

Escrevo este artigo com dois sentimentos: o primeiro é de revolta pela forma como o meu país foi gerido durante estes últimos cinco anos e o segundo é de muita dor e tristeza, já que tenho que recordar momentos dramáticos, trágicos, negros e de muita consternação.

Efetivamente, são duas as desculpas esfarrapadas que mais ouvimos neste momento como sendo as únicas responsáveis por atirar o país para o fundo do poço: a SECA e a PANDEMIA.

É certo que só quem não entende de geografia ou não conhece a história de Cabo Verde programa a sua governação contando com boas águas. Aliás, um deputado do MPD já havia dito, no parlamento, quando o PAICV era governo, que as barragens em construção, na altura, só encheriam se os deputados fossem urinar nelas. Foram palavras muito feias, mas proferidas na casa parlamentar.

Usar a pandemia como justificação também é falacioso porque houve 4 quatro anos sem pandemia e com dinheiro que nunca mais acabava, segundo as palavras do Ministro das Finanças.

Às vésperas de nos despedirmos deste governo, escolho, de forma aleatória, apenas 25% dos acontecimentos graves que marcaram a governação do MPD, deixando os restantes 75% para uma outra oportunidade. Pelos dados que a seguir apresento, dizer que tivemos uma governo “azarado” é ser cordial e muito simpático para com o Sr. Ulisses.

Para começar, três dias após a tomada de posse deste governo, a 25 de abril de 2016, o país foi acordado com a notícia do maior MASSACRE ocorrido em Cabo Verde, dentro de uma unidade militar, em MONTE TXOTA, a chacina de 11 onze pessoas, sendo 8 oito militares e três civis.

A forma como o governo de Ulisses lidou com esta tragédia é de um amadorismo e uma insensibilidade arrepiante. Com um julgamento militar sumaríssimo, em menos de 3 horas, foi condenada uma única pessoa, um soldado, como o autor da chacina. O tempo encarregar-se-á de, no futuro que espero não ser longo, repor a verdade dos factos.

O governo recém-investido, ciente de que, se os familiares dos soldados processassem o Estado pelo massacre dos jovens que foram recrutados para prestarem serviço militar obrigatório à Nação, as indemnizações seriam elevadas, resolveu em tempo record calar a boca dos familiares com uma mísera pensão de 24.000$00 (vinte e quatro mil escudos), cerca de 218 euros mensais. Tais soldados, alguns com mulher e filhos, que perspetivavam um futuro promissor, são verdadeiros combatentes da liberdade da pátria, consequentemente, os seus familiares merecem uma pensão semelhante à que vem sendo atribuída todos os dias às vítimas de tortura e combatentes da liberdade que é de 75000$00, ou seja, 682 euros.

Como consequência desse massacre, houve um único gesto de louvor, uma bofetada com luva branca ao governo, dada por Major-general Alberto Fernandes que pôs o cargo à disposição, mostrando desapego à função que não é vitalícia e solidariedade às famílias.

 Adiante, em 3 de março de 2017, um jovem conhecido por Hélder Delgado morre dentro da Esquadra em Achada de Santo António onde estava detido e os familiares alegam que foi por espancamento.

Em 8 de março de 2017, indivíduos munidos de armas de fogo assaltaram a Agência da Caixa Económica, no Plateau, situada dentro dos Correios de Cabo Verde e a 10 (dez) metros da sede do Supremo Tribunal de Justiça.

Em 11 de agosto de 2017, pela primeira vez na história desta Nação Cristã, é assaltado, amarrado, sequestrado e despois abandonado nas imediações da Trindade, perto de S. Martinho Pequeno, na Praia, o Pároco de Achada S. Filipe, Samuel Costa.

Em agosto de 2017, Edine Jandira Robalo, de 19 anos de idade, de Achada Grande Frente, desaparece juntamente com o seu bebé, quando saiu de casa para ir ao Centro de saúde de Fazenda, na Praia e até hoje não se sabe o que terá acontecido.

Em 14 de novembro de 2017, uma criança de Achada Eugénio Lima, de nome Edvânia Gonçalves, desapareceu e meses depois foram encontradas ossadas, em Achada Grande Trás, e entregues à família alegadamente como sendo desta menor.

Em 3 de dezembro de 2017, o agente da Polícia Nacional, Evandro Lopes, foi assassinado, em Achadinha, Ponta Tâmara, na Cidade da Praia

Em 27 de dezembro de 2017, pela primeira vez na história de Cabo Verde, a Polícia Nacional entrou em greve por três dias, tendo paralisado o país a ponto de o Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva ficar retido em casa porque os elementos que lhe davam proteção também estavam em greve.

Em 29 de dezembro de 2017, pela primeira vez na história da ilha da Boa Vista, a agência bancária (BCN) é assaltada à luz do dia com recurso a uma metralhadora de guerra, roubada na Esquadra da Polícia Nacional da Ilha.

Em 3 de fevereiro de 2018, duas crianças de 9 e 11 anos de idade, Nina e Filú, desapareceram no bairro de Achada Mato na cidade da Praia e até hoje está-se perante um mistério.

            Em 24 de fevereiro de 2018 é assaltado à mão armada o Banco Cabo-verdiano de Negócios em Achada de Santo António, na Cidade da Praia.

Em 24 de abril de 2018 foi encontrado o corpo de um homem de 45 anos de idade, natural de Figueira das Naus, Santa Catarina, decapitado.

Em 15 de maio de 2018 é assassinado, a pedrada, na Ilha do Sal, o violonista Cula, por dois assaltantes.

Em Junho de 2018, uma jovem parturiente com complicações que residia na ilha da Boa Vista morre de parto na ilha do Sal, local para onde tinha sido transportada como carga numa pequena embarcação sem as mínimas condições.

Em 16 de dezembro de 2018 é assassinada em Achada Grande, na Praia, Elisabete Correia, tendo-se suicidado, horas depois, o homicida.

Em 30 de Dezembro de 2018, António Simões, septuagenário, antigo jogador do Benfica de Portugal, de passagem para a Cidade da Praia, é assaltado no bairro de Achada Santo António, em plena luz do Sol, tendo sofrido fratura na anca e evacuado para a sua terra natal. Certamente, nunca lhe terá passado pela cabeça que a sua anca que resistiu a choques em vários estádios do mundo, ao serviço do Benfica e da Seleção portuguesa, veria a ser fraturada por assaltantes nesta terra de morabeza.

Em 17 de Abril de 2019, um jovem detido na Esquadra da Polícia em Achada de Santo António é assassinado a tiro por um Agente da Polícia que devia ter sido preso e desarmado imediatamente. No entanto, abandonou o local do crime e horas depois aparece morto nas imediações da Escola Secundária Pedro Gomes e, na versão policial, por se ter suicidado.

Em 10 de maio de 2019, dois mecânicos conhecidos por Badoco e Pequim foram assassinados a tiro na Zona de S. Pedro na Cidade da Praia.

Em 22 de julho de 2019, um jovem sob custódia da Polícia Nacional morre por ter saltado da viatura (segundo a versão da Polícia) não quando era conduzido à esquadra sob detenção, mas a caminho do hospital quando necessitava de assistência médica.

Em 5 de Agosto de 2019 é assassinado a tiro em S. Vicente Dilton Cesar Monteiro.

Em 1 de Outubro de 2019 uma jovem da Cidade da Praia foi violada dentro da Esquadra de Assomada, Santa Catarina, por um Agente da Polícia Nacional quando foi apresentar uma queixa.

Em 29 de outubro de 2019 o Agente da Polícia Nacional, Amílton Morais, conhecido por Tuto, é assassinado por um colega em plena diligência policial.

A 13 de janeiro de 2020 foi assassinada Amarildes dos Santos em Achada S. Filipe, na Praia; a 19 de janeiro houve um duplo homicídio em Castelão, na sequência de um assalto a uma residência; a 2 de março foi assassinado à facada, um jovem de 21 anos em S. Vicente, no enterro do Carnaval; a 5 de março Luís é morto, à facada, em Achada Eugénio Lima; a 8 de março Júlio César Pereira é assassinado em Tarrafal de S. Nicolau, todos no início de 2020.

Em 27 de maio de 2020 é assaltada a Agência da Caixa Económica de Cabo Verde em Fonte Cônego, na cidade do Mindelo, em plena luz do dia.

Em 6 de novembro de 2020 é assassinado com uma arma boca bedju o jovem Djaló Semedo na Zona de Safende, na Cidade da Praia.

Em 13 de dezembro de 2020 é assassinado em S. Vicente um jovem natural de Santiago e a 17 de dezembro também é assassinado na Zona de S. Tomé, Cidade da Praia, o Subchefe da Polícia Nacional na reforma, José Maria. Em 23 de Dezembro de 2020 é encontrado o cadáver de um homem, em S. Vicente, manietado e com um saco enfiado na cabeça.

Em 7 de janeiro de 2021 é assassinado em Castelão a pedrada e facada o jovem José Carlos…

Fico por aqui, sem referir a várias centenas de telemóveis, tablets, mochilas, carteiras e outros objetos subtraídos com recurso a armas brancas e de fogo; um número infindável de residências de emigrantes e residentes saqueadas por todas as ilhas; a várias pessoas que hoje engrossam a fila dos deficientes por terem sofrido agressões com diversos tipos de armas e muitos mais homicídios e assaltos ocorridos durante a pandemia, não reportados à polícia nem à comunicação social.

É este PAÍS que tanto o Ministro da Administração Interna, os deputados da maioria e o próprio Primeiro-Ministro consideram MUITO SEGURO!

Na verdade, na história da Polícia de Cabo Verde nunca houve tantos casos graves como os registados no reinado de Estaline e Paulo Rocha, sem qualquer consequência política.

Como é possível tantas ocorrências na Polícia sem que o ministro se demita ou seja demitido?

 Há duas respostas possíveis: a primeira é que o homem possivelmente terá dado ao primeiro-ministro algo muito valioso e a segunda é porque temos o primeiro-ministro que temos: um homem insensível à dor das mães, dos pais, dos avós, dos irmãos, tios, cônjuges, filhos que carregam o sentimento de impotência e convivem com insónia, stress, problemas cardíacos, depressão e outras patologias provocadas por essas tragédias.

Nesta nossa terra amada acontecem coisas surreais! Como é que uma pessoa que tenha sido acusada tanto de forma velada como explícita de ter cometido um crime de sangue é convidada a ser ministro e aceita, o seu nome é proposto como deputado e cabeça de lista sem antes se apresentar perante a justiça para tentar lavar a sua honra?

O caráter de quem convida alguém com esse currículo já diz tudo!

Praia, 10 de abril de 2021

Elias Silva