Hoje é tempo de me dirigir a ti, Irina, / em vagares de pai já velho. (Não, não trago / conselhos, eu que fui sempre um pouco gago / quando se tratava de verbalizar a paternal estima,
embora em largos, maturados poemas, houvesse
feito o elogio da alegria que não se emenda,
porquanto longa, absoluta maratona que corresse
pra entender o que nem é ignorância que se aprenda).
Foi setembro, verão ainda, o tempo
da feliz inauguração. Na serra uma vaga
névoa saudava a tua vinda – uma saga
que começa. Não tiveste oração ou templo,
mas sagrados esses dias em que sustentava
nos braços o corpo miudinho, áureo signo
do resgate à cinza fria, que se faz digno,
se não de lenda, então desse fogo que cantava
no início intocado das coisas, porque aceno
ao longe deflagrado, na aflição de saber inútil
tanta trova trazida pela voz inconsútil,
em canto arrebatado, ao mundo, deserto pleno.
Mas prantos os esqueci de véspera, no contemplar,
horas infindas, dessa vida nascitura que enchia
de cagaço o poeta feito, porquanto não sabia
com que húmus prover a que havia de engendrar
seu intrigante mundo em três simples assoalhadas,
inventando mil misteriosas maneiras de ser pássaro,
ou, se eu me distraísse, saltitante, irrequieto láparo
que anichava no colo quente fugindo às emboscadas.
E, com o pescoço alçado à altura toda do sol, eras
a girafinha e o seu amigo, o senhor lifante, quer dizer:
tu e eu em nossos ansiados sábados (como esquecer?),
o comboio da tarde e as sempre impacientes esperas,
que nem nossos futuros silêncios, nossos pingos
de tristeza, mancharão tanta justa alegria,
porque caminhas erguida ao sol de cada dia,
e nem necessitas do retempero dos domingos,
mas avanças como esse comboio de que falámos,
quando presente e vindoura apenas assomas,
e em passos leves o rumo do futuro retomas
como a setembrina chuva sobre os ramos.
Tristezas que houvesse, só esses (tantos) livrinhos
que para ti escrevi e em tempo não os pudeste ler.
(Mas que conta isso quando fomos finos adivinhos,
lúcidos do mistério que mais não poderia haver?
Talvez outro julgamento o tempo nos há de conceder,
sem o lamento disfarçado, quando em só retrato
nos mirarmos, de umas vezes para tentar adivinhar
o que sempre soubemos, doutras para dar de beber
ao que nem é saudade que se sacia com essas imagens
à desfilada. Então, apenas aquele silêncio que fica a pairar
nos há de dizer que é indiferente o sol ou frio nas margens,
quando em carne se concluiu a travessia, num furor nato).
Luzes da poesia, livrai-nos do escuro | temporão;
mão de menina, levai-me a esse futuro | sem senão
– pó no tempo, retorno ao início, | aumentado.
Gratidão à vida vivida como um vício | danado.
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