XIX CENA
Num quarto de hotel em Lisboa, Droganesa dorme e sonha com um polícia a arrombar-lhe a porta, entrar no seu quarto e pôr-lhe algemas. Acorda assustada.
DROGANESA (cansada) – Chiça, pá! Os pesadelos não me deixam em paz!
Tenta dormir e volta a sonhar que está numa Esquadra, algemada, frente a frente com o Francês que a acusa.
FRANCÊS [V. O.] – Quem me deu droga para levar foi a Droganesa.
JUDICIÁRIA [V. O.] – Quanto lhe pagou?
FRANCÊS [V. O.] – Dois mil contos por cada viagem que fazia…
DROGANESA (ainda a dormir) – É MENTIIIIIIIRA!
Acorda cansada e assustada, senta-se em cima da cama.
XX CENA
Droganesa está num bar em Lisboa, acompanhada de Paulo.
DROGANESA – Pois, Paulo, não estou a conseguir dormir. Passo a noite toda em branco e com pesadelos horríveis.
PAULO – Tens que controlar-te. Toma algum sedativo antes de te deitares.
DROGANESA – Os comprimidos para dormir já não me estão a fazer efeito. Talvez seja porque já os tomei demais.
PAULO – Então vai consultar um médico. Ele passa-te outro tipo de comprimido.
DROGANESA – Vou fazer isso. E o negócio… como é que vai?
PAULO – Vai bem. Mas… vais continuar a fornecer-me?
DROGANESA – Penso que sim.
PAULO – Fiquei de me encontrar com uma pessoa amanhã e ver a possibilidade de nós trabalharmos... de ele ficar a levar alguns para fora.
DROGANESA – Muito cuidadinho. O cerco está mesmo apertado.
PAULO – Há sempre volta a dar.
O telemóvel da Droganesa toca e ela olha para o número com muita atenção.
DROGANESA – Como é? (Pausa) Estou onde almoçámos ontem. (Pausa) Eu espero por ti. (Pausa) Estou com um amigo, mas ele já está de saída. (Pausa) Ok. (Pausa) Até já. (Pousa o telemóvel em cima da mesa e fala para o Paulo) Era o Naiss.
PAULO (levanta) – Então deixa-me ir, vemo-nos amanhã.
DROGANESA – Roga a Deus para que esta noite eu consiga dormir.
PAULO – Se continuares sem dormir, vai ao médico. Ou ao teu médico de família, ou a uma clínica particular. Fazem-te todo o tipo de exames.
DROGANESA – Obrigada, Paulo.
PAULO – Adeus.
Paulo sai, pouco depois entra o Naiss.
NAISS – Oi!
DROGANESA – Como vais?
NAISS – Andando para cima e para baixo.
DROGANESA – Sempre vais amanhã?
NAISS – No aeroporto às cinco.
Uma empregada pergunta-lhe o que quer e ele pede um whisky. Droganesa preenche um cheque.
DROGANESA – Toma. São cem contos. Entrega à minha irmã, ela troca e dá ao advogado para levar aos estrangeiros em São Vicente.
NAISS – Têm sido bem tratados?
DROGANESA – Mando dinheiro sempre pela minha irmã, através da Western Union. Ela entrega ao advogado que lhos leva ou lhos envia por alguém de sua confiança.
NAISS – Então está fixe.
DROGANESA – Passei uns tempos na Holanda, mas lembrei-me sempre deles.
NAISS – Se não disseram nada até agora… certamente já não vão dizer. Felizmente são estrangeiros. Se fossem caboverdianos, levavam porrada e já tinham falado tudo.
DROGANESA – Não consigo dormir à noite. Ontem, depois que nos separarmos, fui para a cama mas os pesadelos não me deixaram dormir.
NAISS – Não tomaste nenhum calmante?
DROGANESA – Já não me faz nenhum efeito.
NAISS – Vai passar. Não te preocupes.
DROGANESA – Dá cumprimentos ao Dr. Funça e diz aos rapazes que me avisem sobre qualquer coisa. Que estou bem aqui.
NAISS – Deixa por nossa conta.
DROGANESA – Diz-lhes que devo ir até Dacar, e dali, se não me disserem nada, dou um salto a Cabo Verde.
Despedem-se, dando um apertado abraço.
XXI CENA
Num bar, recuado dos demais olhares, com duas imperiais e um pires com asas de frango à frente, o chefe da polícia entrega ao Pedro um pequeno saco.
CHEFE (baixinho) – O material está lá dentro. Tu vais vendê-lo e, como sempre, dou-te um terço do duda [Dinheiro].
PEDRO – Que marca é, e qual é o modelo e calibre?
CHEFE – Marca Browning, modelo hp 35, calibre 9 mm. Muito potente…
PEDRO – É igual àquela que vendi ao Armando! A última que vendi!
CHEFE – Igual àquela não. Aquela mesma.
Riem-se.
PEDRO – Já sei. Por acaso é uma boa pistola. O Armando veio dizer-me, quase a chorar, que um polícia lha tinha apreendido. (Riem-se) Mas não foi você que o autuou?
CHEFE – Achas? Estas coisas têm que ser bem feitas… longe de qualquer possibilidade de suspeita.
PEDRO – Com certeza. Ele pode chegar aqui de repente… encontra-nos juntos e suspeita que estamos a combinar.
CHEFE – Um subalterno meu é que faz as apreensões… como se eu não soubesse de nada.
PEDRO – Bravo. Sendo assim, podemos trabalhar até que o mundo acabe.
CHEFE – É por isso que nós dividimos por três. Ele faz a apreensão e entrega-me. Eu dou-te para venderes. Tu vendes e dizes-me a quem vendeste, eu digo-lhe e ele vai fazer nova apreensão.
PEDRO – Malaaandro!
Dá-lhe palmadinhas no ombro.
CHEFE (com cara séria, embora brincando) – Olha como falas com um polícia!
PEDRO – E o preço… continua o mesmo?
CHEFE – Tenta lá aumentar mais uns cem euritos. Se não quiserem… podes aceitar o mesmo valor que o anterior.
PEDRO – Peço 900 euros… em último caso aceito 800.
CHEFE – Fixe!
Secam o copo e saem.
XXII CENA
Sentados à uma mesa a conversar, tendo em cima da mesa e em frente deles duas latas de coca-cola, uma garrafa de Whisky velho, dois copos com rodelas de limão e uma travessa com camarão. É de noite e há pouca movimentação.
PAULO – Dou-te 5.000€ por cada quilo que passares.
PEDRO – A sério?!
PAULO – Não acreditas?
PEDRO – Dás-me logo, ou só depois do serviço feito?
PAULO – Claro que é depois do serviço feito!
PEDRO – Então não quero. Posso arriscar-me, mas com a garantia que a minha família terá dinheiro para se desenrascar durante uns tempos, caso eu seja apanhado.
PAULO – Se te apanharem, fico sem o meu material e sem o dinheiro que te darei.
PEDRO – E eu sem a minha liberdade e com minha família a sofrer.
PAULO – Ok. Dou-te metade e quando entregares o material no destino recebes o resto.
PEDRO – Nem pensar. Se quiseres… dinheiro na mão, borrego na corda.
PAULO – Julgas que sou parvo ou quê?
PEDRO – Olha!… Como eu também não sou parvo… (serve mais um whisky e bebe de um só trago) tchau!
Dá passos em direção à saída, Paulo chama-o.
PAULO – Ok. Anda cá. (Pedro volta e fica de pé em frente da mesa) Senta-te. (Ele senta-se) Quantos quilos queres levar?
PEDRO – Dás-me cinco mil por cada quilo?
PAULO – Dou.
PEDRO – Para quando é que tu queres?
PAULO – Por mim… pode ser hoje.
PEDRO – Hoje não, nem amanhã. Tenho de saber que polícia é que estará de serviço na fronteira. Mas podes ir já preparando 5 quilos.
PAULO – Tens confiança nos polícias?
PEDRO – Absolutamente. São parceiros fiéis.
PAULO – Ótimo. Quando tiveres tudo controlado é só avisares-me. Marcamos encontro para te entregar o material.
PEDRO – Combinado.
Despedem-se e saem.
XXIII CENA
O mesmo cenário.
PEDRO – Quando é que aquele seu amigo estará de serviço na fronteira?
CHEFE – Ele saiu hoje e vai entrar depois de amanhã às oito.
PEDRO – Das oito até…
CHEFE – Das oito até às quatro da tarde. Porquê?
PEDRO – Preciso dar uma volta para lá da fronteira… como não tenho os documentos em dia, preciso que o avise para não me controlar.
CHEFE – Diz-me só a hora a que tu vais e a matrícula do carro para ele poder identificar-te.
PEDRO – Diga-lhe que é aquele rapaz que vem aqui sempre consigo beber imperial e comer asas de frango.
CHEFE – Fica descansado. (Levanta-se e acerta a farda e o boné) Deixa-me ir porque ainda vou trabalhar.
O chefe sai, Pedro envia SMS e pouco depois entra Paulo. Vai à prateleira, tira uma garrafa de whisky e põe na mesa, com dois copos.
PEDRO – Até parece que o bar é teu.
PAULO – O bar não é meu mas a garrafa é minha. Quando esta secar, compro outra e deixo aqui com o meu nome escrito no rótulo.
PEDRO – Prepara o material porque depois de amanhã parto às oito.
PAULO – Já tens tudo sob controlo?
PEDRO – Controladíssimo.
PAULO – Então depois de amanhã encontramo-nos na horta do velho Quirino e entrego-te a encomenda.
PEDRO – Encomenda e cachê.
PAULO – Só um aviso: a partir de agora devemos evitar estes encontros para afastar as suspeições. Sabes que eu ando debaixo dose olhos da bófia.
PEDRO – Nem pelo telefone convém falarmos, muito menos sobre este assunto. Os telemóveis podem estar sob escuta e intercetam-nos.
PAULO – Agora lembraste-me de uma amiga que está presa por causa disso. Uma cliente telefonou-lhe e ela respondeu: «se é assunto de droga vens pessoalmente à minha casa. Não falamos disso pelo telefone». E a cliente, do outro lado da linha respondeu-lhe: «Estou sozinha e estou a falar baixinho». Como o telemóvel da minha amiga estava em escuta, às 6h00 da manhã do dia seguinte, os polícias arrombaram-lhe a porta. Apanhou 6 anos de cana.
PEDRO – Ainda bem que sabes disso. Todo o cuidado é pouco.
Levantam-se e saem.
XXIV CENA
No gabinete do Dr. Funça.
DROGANESA – Cheguei ontem no voo da TAP. Por aqui está tudo bem?
DROGANESA – Não devia então ter vindo?!
DROGANESA – Para que dia é que lhes marcaram o julgamento?
DROGANESA – E se algum deles der com a língua nos dentes?
DROGANESA – Deus do céu!
DROGANESA – Ainda ontem lhes mandei 60 contos; 20 contos a cada um.
DROGANESA (levanta-se) – Encontramo-nos mais logo. Não vais hoje à «Zero Hora?»
DROGANESA – Vamos à «Zero» hoje. Há muito que não vou a nenhuma discoteca.
DROGANESA – Ok. Tchau.
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