A notícia não foi de todo uma surpresa porque mesmo os amigos queridos adoecem, terminam a sua missão e partem.
Foi então com alguma naturalidade, mas com triste saudade, que recebi a notícia da partida de Horácio Santos, "Lalaxu", para todos, um nome sagrado da cultura cabo-verdiana que o futuro terá de reconhecer. Porque consagrado já é.
Conheci o badiu e a sua cultura profunda directamente do meu pai, badiu. Mais tarde, bebi directamente dessa cultura durante os muitos anos passados em Santiago. Mas não a conheceria tão bem como creio conhecer, se não tivesse tido a benção de conviver com Horácio Santos, a partir dos finais de 1980, quando me instalei na Praia, regressado dos estudos.
Aos 23 anos, foi com alguma timidez que me soltei na conversa a dois com "Lalaxu", depois de apresentado por Manuel Brito-Semedo, por respeito pela idade, mas, principalmente, pela profundidade dos seus conhecimentos.
Naqueles tempos, a Praia era um caldeirão de recém-formados, com uma vontade enorme de ajudar na construção do país, sem a psicose de cargos ou carreirismo, e homens consagrados e empenhados, como Lalaxu, os quais se conviviam na boca noti.. no Cachito, na Praça Alexandre Albuquerque, no Poeta, em qualquer café, bar ou nos poucos espaços culturais que existiam, como o Centro Cultural Português. Era tempo de trocas e de conhecimentos.
Muitas foram as horas de conversas com Lalaxu, nos cafés ou na Praça, durante as quais me narrava, na sua sábia e eloquente oratória, com recurso a declamações perfeitas, estórias do interior de Santiago, mas também de Moçambique, de Portugal. E eu dizia para os meus botões: "eu até pensava que sabia declamar, tantas vez o fiz na igreja,..." Mas frente a Lalaxu, apenas aprendia.
O seu programa de rádio, na então RNCV, repleto de cultura - Nos ku Nos - era um mundo à descoberta. Ouvi-lo declamar, era um delírio… Nas vésperas de iniciar a minha carreira na rádio, procurava aprender como "postar" a voz no microfone, entre um e outro tema musical. Mas também entendia e bem as críticas "inteligentes" que ele apresentava com mestria.
Nome de referência das artes cénicas, Horácio Santos deixou profundas marcas na resistência cultural das ilhas e no renascimento da Nação. Mas, mais do que uma vez, a terra que ele amou e tanto desejou por ela, foi-lhe madrasta.
Ao regressar a Cabo Verde em 2008, senti o vazio de não encontrar Lalaxu, na boka noti...
Anos depois, o encontrei já debilitado, mas repleto de sabedoria.
À filha Solange Santos, que conheci aqui em Washington, e toda a familia, meu abraço solidário. Obrigado pelo homem que cederam à cultura das ilhas e aos seus amigos.
Que Cabo Verde saiba eternizar esse nome sagrado da nossa resistência e cultura. Lalaxu, até sempre!
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