O escritor e jornalista cabo-verdiano José Vicente Lopes apresenta hoje na Cidade da Praia a sua oitava obra no campo da história, intitulada “Cabo Verde – Um corpo que se recusa a morrer – 70 anos de fome, 1949-2019”.
Em declarações à Inforpress, José Vicente Lopes começou por explicar que o livro tem como um dos focos a questão da fome em Cabo Verde e como é que ela foi sendo abordada, em primeiro lugar, até 1949 e, em segundo, de 1949 até aos dias de hoje.
“E porquê 1949? Porque 1949 foi o ano em que aconteceu na Cidade da Praia o chamado desastre de assistência. É esse desastre que vai levar as autoridades portuguesas da altura a abordar a questão alimentar de uma forma diferente daquela que vinham abordando até essa altura”, destacou.
Até então, observou, as crises de fome em Cabo Verde eram encaradas quase que com “uma certa normalidade”, mas, disse que é a partir de 1949, com a entrada de outros factores, nomeadamente o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU), que Portugal despertou para um problema antigo em Cabo Verde e que, de certa forma, já poderia ter sido resolvido, mas que, por falta da vontade política, ou então por incúria administrativa, foi deixando essa questão arrastar-se até 1949.
“O seja, na prática, eu procuro mostrar como é que, a partir de 1949 aos dias de hoje, o problema alimentar em Cabo Verde, que é um problema extremamente grave, como todos nós sabemos, já que a nossa agricultura é profundamente deficitária, foi sendo tratada pelos sucessivos governos”, explicou José Vicente Lopes.
Em relação às suas fontes em “Cabo Verde – Um corpo que se recusa a morrer – 70 anos de fome, 1949-2019”, José Vicente Lopes ressaltou que estas “são inúmeras” e que, sobretudo, são fontes documentais, porque teve que recorrer aos arquivos.
“Levei uns dois anos a fazer as pesquisas, principalmente nos arquivos de Portugal e também recolhendo um ou outro testemunho sobre o assunto, basicamente é isso. São cerca de 400 páginas, apresento também fotografias várias, nomeadamente sobre a fome nos anos 40”, precisou.
José Vicente Lopes comentou ainda que a obra surge numa altura “particularmente sensível” tendo em conta a pandemia da covid-19 e suas consequências.
“Confesso, comecei a fazer o livro partindo do princípio que a fome era um problema do passado, hoje, com a covid, nós estamos a ver que riscos de fome estão novamente presentes em Cabo Verde. Daí a pertinência de um livro desses neste momento”, reconheceu.
Para este autor, a questão alimentar continua a pôr-se em Cabo Verde e vai prolongar-se durante muito tempo.
Segundo observou, mesmo em anos de boas chuvas, Cabo Verde apenas produz 20 por cento (%) das suas necessidades alimentares, sendo que tudo o resto, 80%, ressaltou, é importado.
“Com esta crise que nós tivemos com a pandemia da covid, vimos que é preciso que Cabo Verde desperte para uma maior e melhor aposta na produção alimentar interna. Não com os métodos do passado, mas com os do presente, nomeadamente a nível da irrigação. Hoje temos barragens e outras novas formas de produção agrícola que não havia no passado”, advogou.
Entende ainda José Vicente Lopes que, sendo um sector “altamente estratégico”, é tempo de o poder político passar a encarar a agricultura como um sector fundamentalmente estratégico, não só para soberania alimentar de Cabo Verde, como também para a sobrevivência enquanto país.
Questionado se os decisores políticos devem ler a obra, o autor respondeu: “pessoalmente eu entendo que quem lida ou se preocupa com as questões do desenvolvimento de Cabo Verde, nomeadamente na questão alimentar, há de encontrar motivos, mais do que suficientes para ler este livro. A questão alimentar deveria preocupar todos os cabo-verdianos, particularmente os decisores políticos”.
Além da Cidade da Praia, cuja apresentação está agendada para às 18:00 no Salão Nobre da Assembleia Nacional e a cargo de Amílcar Spencer Lopes, disse José Vicente Lopes que vai procurar também apresentar o livro nas ilhas do Fogo, Sal, São Vicente e Santo Antão.
José Vicente Lopes nasceu na cidade de Mindelo, São Vicente, a 06 de Outubro de 1959. Profissional de imprensa e primeiro presidente da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), licenciou-se em jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, em Dezembro de 1986.
Entre outras funções desempenhadas, foi editor de Cultura e de Economia no “Voz di Povo” de 1987 a 1992, altura em que o mesmo jornal foi extinto. Antigo colunista do jornal “Terra Nova” é membro da equipa redactorial do jornal “A Nação”.
Lançou em 1997 o seu primeiro livro, “Cabo Verde, Os Bastidores da Independência”, obra construída a partir de entrevistas com mais de 100 personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, através de um confrontar de percursos e depoimentos, entremeados com fontes documentais e bibliográficas.
José Vicente Lopes é autor de outras obras no campo da história como “A explicação do mundo: (entrevistas)”, dado à estampa em 2004, “Tarrafal – Chão Bom – Memórias e verdades”, de 2010, “Aristides Pereira – Minha Vida, Nossa história”, publicado em 2012 e “Onésimo Silveira – Uma vida, um mar de histórias”, publicado em 2016.
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