1. A partir do momento em que, no Parlamento, os dois principais partidos políticos entregam as suas respetivas propostas de regionalização do país, então o debate imediato deixa de ser "se o país deve ser regionalizado ou não", e passa a centrar-se sobre "qual o melhor modelo" a seguir na regionalização de Cabo Verde. A entrega das propostas e o fim das manifestações de rua poderão explicar a aparente acalmia momentânea que se instalou à volta da questão da regionalização do país. Apenas aparente porque muitos são aqueles que, atordoados, estão a tentar se recuperar da abrangente proposta apresentada pelo PAICV;
2. Este é um daqueles casos em que se pode afirmar, claramente, que o "tiro saiu pela culatra". Na embalagem frenética da campanha eleitoral, o MPD, como disse um amigo meu, prometeu muito mais para além do que era suficiente para ganhar as eleições. Um verdadeiro caso de overdose de promessas, tanta era a justificada sede com que ia ao pote. Foi até ao ponto de prometer algo, como a regionalização, cuja implementação depende dos votos de outros partidos, os tais dois terços exigidos pela Constituição da República. Como se não bastasse essa precipitação, a proposta – estranhamente – é de baixa qualidade, limitando-se a um único aspeto: criar dez regiões e – o que é espantoso! – sem levar em consideração nenhum outro elemento do atual CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICO que se vive na sociedade caboverdeana e mundial. Seguramente que este erro de contextualização é um dos reflexos da cultura de se estar “focado numa única coisa de cada vez” e “sem olhar para os lados”;
3. Se olharmos bem, verificamos que o MPD só apresentou a sua proposta no último minuto, quando se começava a instalar publicamente a dúvida se, de facto, teria ou não uma proposta, ao mesmo tempo que se começava a penalizar o PAICV porque não tinha proposta alguma. Foi aí que o MPD sai a correr para apresentar a sua proposta populista de regionalização para, fazendo fé num raciocínio básico, encurralar o PAICV, na tentativa de lhe impingir a imagem de ser um partido contra a regionalização e sem nenhuma proposta alternativa. Esfregaram as mãos de contente!
4. Aqui vale a pena lembrar que uma das grandes desvantagens das coisas publicadas à pressa é que não podem ser "despublicadas". Tanto que se assistiu já a iniciativas de remendos a essa proposta pelo próprio proponente. Assim como tentativas de encostar o PAICV às cordas com abordagens psicanalistas de redenção e pecados originais e secundários. Não! Se há algo combater, só podem ser os mitos originais!
5. A pressa do partido ventoinha acabou por constituir-se como tempo, mais do que suficiente, para o PAICV apresentar uma proposta que, ao fim e ao cabo, acaba por engolir literalmente a proposta do MPD. É preciso sublinhar que a proposta do PAICV contempla também a única medida de fundo da proposta do MPD que é a criação de regiões. Entretanto, a proposta do PAICV, consegue incorporar duas das mais importantes reivindicações da sociedade caboverdeana contemporânea: (i) a possibilidade de participação na escolha de elementos que constituem as listas que assim passam a ser uninominais fechadas e (ii) a diminuição de despesas com os políticos, tendo uma das principais vias a diminuição do número de deputados em cerca de 30%;
6. A proposta de regionalização do PAICV revela o sinal de incorporação da vontade do povo nas medidas que a classe política implementa. O povo de Cabo Verde está preocupado com os custos e quer escolher mais quem os representa, não se limitando ao sim nas listas fechadas dos partidos políticos. É assim que ao incorporar estas medidas, a proposta de regionalização do PAICV acaba por engolir a do MPD que se resumia apenas na criação de regiões sem considerar, precisamente, algumas das reivindicações dos cidadãos e que contribuem para alimentar o afastamento do povo da política e a quebra de confiança nos partidos como representantes da vontade desse mesmo povo.
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