O PAICV, débil e seco, está em guerra. Haverá vítimas? É prematuro afirmar. Mas, como diria Patropi, “numa guerra de esqueletos não há banho de sangue, mas qualquer fractura fica exposta”.
O Conselho Nacional do PAICV vai estar reunido este sábado e domingo para analisar a situação politica nacional e uma série de reformas que necessitam do seu apoio para poder passar no Parlamento. E só de relance irá virar para si mesmo.
Bem, ou é propositado, a fim de evitarem ataques entre si que podem causar chagas ainda mais dilaceradas das que já estão, ou essa ideia de fugir ao debate interno que o momento exige é outra topada da actual liderança, que perde uma excelente oportunidade para tentar reconciliar a família paicvista e ser – e é isso que interessa – um partido de oposição consistente, robusto e credível na principal reunião de dirigentes entre os congressos.
Os tambarinas vivem por esta altura uma fase crítica da sua existência, com muito lavar de roupa suja em praça pública, discursos inflamados e de baixo nível, e, principalmente, assiste-se a uma força política sem uma causa ideológica como guia. Limita-se a jogar no erro do adversário, ou seja, nos desacertos do Governo. Se, e quando houver.
Isto porque o PAICV é, hoje, uma organização política iminentemente parlamentar, de lamúrias: quer a presidente, Janira Hopffer Almada, quer os seus três vices (Rui Semedo, João Baptista Pereira e Nuias Silva) e ainda o secretário-geral, Julião Varela, são deputados na Assembleia Nacional. Um erro de cálculo político tremendo, na medida em que nenhum deles se dedica a 100% à gestão politica e administrativa do PAICV.
Ora, isso significa que outside Parlamento o partido está literalmente sem cabeça, sem liderança, sem presença física da cúpula junto das estruturas. E esse distanciamento vem custando caro à presidente do PAICV, que, sem se dar conta, vai perdendo contacto com as bases e o domínio do aparelho partidário.
A luta fratricida que ocorre na maior região política do país, Santiago Sul, é prova superior de como a unidade precária instalada no PAICV está em risco de ceder, com os turcos harakiris e os intriguistas kamikazes a se digladiarem em público.
De facto, o maior partido da oposição está um caos. A liderança contestada (timidamente) e fragilizada de Janira Hopffer Almada e as investidas, extemporâneas e deselegantes, do chamado Grupo de Reflexão (que não se demove) agudizam e ameaçam transformar o PAICV na chacota nacional.
O PAICV precisa de um novo élan. Janira prometera-o, quando no início do ano foi reeleita, mesmo depois das humilhações eleitorais das legislativas, autárquicas e presidenciais em que o seu partido sequer apresentou um candidato. JHA anunciou que pretendia resgatar os princípios e valores do PAICV. Ora, a líder tambarina esqueceu-se que concorria a um segundo mandato, logo, qualquer resgate seria à sua própria liderança. Ou seja, Janira propôs recuperar o partido das mãos de … Janira.
Ainda que estivesse a referir à liderança anterior (José Maria Neves), a jovem política desferiu golpes de sabre contra si mesma, na medida em que durante a campanha eleitoral apoiou e prometeu dar continuidade ao trabalho feito por José Maria Neves, que, astuciosamente, não a deixou aparecer em tempo certo para ganhar em 2016 e continua a fazer-lhe sombra mesmo estando longe. Domingos Cardoso, colunista deste diário online, mostrou-o bem no seu artigo desta semana. Só não mencionou que JMN procura sair ileso de tudo para poder concorrer à presidência da república em 2021.
Acontece que, a cada dia que passa Janira Hopffer Almada parece determinada em fazer a política do harakiri (expressão samurai que significa pôr termo à própria vida, dispensando esse trabalho ao inimigo quando em estado de guerra). A sua vantagem é que os seus opositores internos não aguentam esperar pelo nobre acto do sabre no ventre da Janira. Eles, quais kamikazes, querem arrebentar com tudo, ou seja, acabam com a sua vida política, mas que todo o mundo caia junto.
Sim, a líder tambarina demorou (ou ainda demora?) em perceber que mais do que o MpD, os seus verdadeiros adversários estão na sua sala de jantar a tentar comer do seu prato. Manteve-os lá, até que Felisberto Vieira, Filomena Vieira, Júlio Correia, etc., decidiram então, antes do Congresso de Janeiro, pular dos cargos de direcção no partido e, por fora, virem minar o terreno da jovem política.
Esse Grupo, convenhamos, não é flor que se cheire (e tem-no mostrado até onde pretendem chegar), mas a liderança de Janira Hopffer Almada, mesmo reforçada com uma vitória muito mais folgada nas directas de Janeiro deste ano, não tem sido consensual, precisamente pela sua postura de distanciamento e vitimização. Assim que perdeu as legislativas do ano passado com uma derrota estrondosa, JHA foi logo atirando as culpas para os seus próprios colegas de partido, desde uma indirecta ao ex-presidente, José Maria Neves (“a crise no PAICV vem das presidenciais de 2011”), a dedos em riste contra aqueles que, sabe hoje, são seus detractores, como Felisberto Vieira e Júlio Correia – se bem que com razão aqui.
Ou seja, quem começou por partir a loiça em público foi a própria Janira, para logo de seguida, contra-atacada, se colocar na posição de vítima. E mesmo com as humilhações das autárquicas e presidenciais, JHA entendeu por bem continuar à frente do partido, como que tapando caminho aos desafectos. Apenas para se vingar e mostrar que tem mais aceitação interna do que Júlio, Filú ou Cristina.
Só que JHA, cega de ódio, não percebera que mesmo ganhando novamente a liderança quem lhe opunha desde antes das legislativas 2016 continuaria lá na mesma. E com mais motivos para contestá-la, como, de resto, acabou por suceder antes, durante e após o Congresso que a empossou novamente como líder tambarina. Até hoje.
Ora, o mais caricato nisso tudo, é que todos no PAICV reconhecem a crise que vivem - veja as declarações de José Maria Neves - , mas fingem estar tudo bem. E ai de quem disser o contrário. É a espiral do cinismo a dominar o partido da estrela negra. Mas nem Janira terá força (e tempo?) para manter a falsidade, nem os seus adversários internos, com igual ou maior grau de manha, cairão facilmente nos braços da presidente, mal ela acene com a bandeira da trégua. Enfim, este PAICV continua cínico, fragmentado, débil e tísico. E tudo isso não deveria ser matéria a ser discutida e dirimida pelos conselheiros este fim de semana?
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