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Eleições presidenciais. Colocar os ovos no mesmo cesto é hipotecar o futuro do nosso país
Colunista

Eleições presidenciais. Colocar os ovos no mesmo cesto é hipotecar o futuro do nosso país

O nosso país precisa de equilíbrio. Precisa, sim, de um Presidente da República que ouve, vê e fala, para proteger as pessoas, os seus interesses e os seus direitos fundamentais.

Efetivamente, o Presidente da República não governa. Mas ele arbitra o processo governativo lá onde a Constituição da República lhe permite. É um órgão do poder do Estado com competências constitucionais reais, e que contribuem para iluminar os caminhos que os demais órgãos do poder podem ou devem tomar, no exercício das suas funções.

O povo das ilhas tem sido vítima de uma Presidência da República omissa, ausente e insensível aos vários gritos de alerta que o país tem dado em diferentes setores do processo governativo.

A diplomacia, a segurança, os transportes, a promoção social, os direitos básicos dos cabo-verdianos, são apenas alguns exemplos de gritos sociais ignorados por essa instituição – o Presidente da República – que como sugere José Maria Neves, é uma entidade que deve ouvir, ver e falar.

Sim, Cabo Verde precisa de um Presidente da República que ouve, vê e fala, para arbitrar o jogo político e ajudar os cabo-verdianos a combater a corrupção, a incompetência e o saque a que os recursos estratégicos nacionais vêm sendo vítimas nos últimos anos.

Temos que ser claros, Cabo Verde não vai bem. Nos transportes – nenhum Estado que se preze negligencia esse setor - cremos que nem mesmo o governo acreditou que a concessão das linhas aéreas inter-ilhas a uma operadora estrangeira daria certo. Tão pouco as linhas marítimas ou a venda das linhas internacionais da TACV aos islandeses. Tanto assim é que no caso deste último, caíram na desgraça de aceitar vergonhosas cláusulas de confidencialidade, eventualmente para se esquivarem ao crivo da sociedade civil e política.

Resultado: temos um país perdido no meio do mar. A Bestfly, com apenas um ATR, está aqui para qualquer hora, como se diz na minha aldeia. A CVA poderá um dia voltar aos céus do mundo, quando resolvido o processo com os Islandeses, não se sabe quando, nem como. Até lá, os cabo-verdianos estão obrigados a aguentar a TAP e a SATA, num jogo desigual a beliscar os direitos fundamentais da pessoa humana.

Em março de 2020, a pandemia Covid-19 chegou ao arquipélago. Entrou pela ilha turística da Boa Vista. Coisa mais natural. Desorientado – a situação não era para menos – o Presidente da República decreta Estado de Emergência, que se prolongaria por longos 45 dias. Estamos a falar de um país onde 175.844 pessoas vivem em pobreza – ou seja, com menos de 258 escudos por dia. Destes, 72.874 vivem em pobreza absoluta, ou seja, com menos de 177 escudos por dia, o equivalente a 13,1% da população.

As autoridades nacionais, com o Presidente da República à cabeça, tiveram a coragem de fechar todas essas almas em casa, por 45 dias, sem um programa de assistência social ativo e consistente para assegurar o básico, como alimento, água, e serviço sanitário.  

Na ocasião, o país inteiro assistiu a um governo insensível ao clamor popular, ausente, transferindo as suas responsabilidades para a mão amiga dos nossos conterrâneos da diáspora, que se desdobrariam na mobilização de fundos para socorrer as famílias vítimas do desprezo público das autoridades políticas e administrativas do país.

Cremos que nunca, desde a independência, as famílias cabo-verdianas passaram por tamanha privação, como durante o Estado de Emergência de 2020, mas ninguém viu uma ação do governo para socorrê-las. Entretanto, o governo tinha, na altura, em sua posse o Cadastro Social Único, que mais não é do que um mapa da pobreza em Cabo Verde, mas não se lembrou de executá-lo, num momento particularmente difícil para todos.

E, um ano depois, viu-se este mesmo governo a utilizar esse programa como arma de arremesso político contra os pobres das ilhas, numa atitude desprezível e atentatória à dignidade do cabo-verdiano, em pleno período eleitoral, condicionando a livre escolha dos eleitores, num processo deprimente e vil.

Ainda nesse mesmo ano, um cidadão, enviado especial de um Estado Independente, soberano, é detido no país, na sequência de um suposto alerta vermelha da Interpol. Um homem fez escala no aeroporto internacional Amílcar Cabral, no Sal, com destino ao Irão, e é detido. Passam-se mais de um ano, as autoridades judiciais e políticas não resolvem o problema, ficando o país em meio a uma deplorável e insana crise diplomática, com as pessoas, as instituições e os órgãos administrativos, políticos e judiciais se murmurando pelos cantos, numa espécie de monólogo entre lobos e cordeiros …

O crime é uma constante entre nós. Soma e segue num microestado de menos de meio milhão de pessoas (uma curiosidade: o último senso trouxe um dado curioso – a população diminuiu… mas ninguém quer acreditar, eventualmente só INE acreditou nesse senso), sem que se perceba o que pensam as autoridades desse fenómeno que se arrasta há vários anos.

Cabo Verde está, pois, numa encruzilhada sem precedentes, cujo desfecho não se vislumbra de feição.

O povo é condicionado na sua liberdade, quando o governo explora a pobreza social com um programa financiado com o dinheiro de todos nós, e não há onde queixar-se, porque as principais instituições do país estão envolvidas na tramoia.

País arquipelágico, mas sem transportes, porque negociados sem se acautelar aos interesses dos cabo-verdianos, e ainda com o desplante de os principais responsáveis não darem cavaco a ninguém. Esses mesmos responsáveis que publicitaram a venda de 21 empresas públicas, das mais promissoras, entre as quais a ASA e a Electra.

Pequeno no concerto das nações, Cabo Verde é um país respeitado no mundo, sobretudo por causa das posições diplomáticas que tem sabido assumir desde a independência nacional, porém, de repente se descobre no meio de um conflito internacional, que poderá mudar para sempre a sua identidade no mundo da diplomacia e das relações internacionais.

É complicado, mas é verdade. São factos que entre nós aconteceram, mas o Presidente da República não viu, não ouviu e não falou até agora, e esta posição do Mais Alto Magistrado da Nação é certamente o resultado da colocação dos ovos no mesmo cesto. O nosso país precisa de equilíbrio. Precisa, sim, de um Presidente da República que ouve, vê e fala, para proteger as pessoas, os seus interesses e os seus direitos fundamentais.

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine