CMP desenvolve segregação de classe via desurbanização e não organização territorial
Colunista

CMP desenvolve segregação de classe via desurbanização e não organização territorial

Uma das coisas que mais me surpreendeu na Suíça, no Luxemburgo, etc., é a forma como a integração social, territorial é excecional. Há uma preocupação real para que qualquer cidade seja inclusiva e organizada, independentemente do nível social, étnico, económico ou financeiro. Há duas teorias de economia política que determinam o nível do Índice do Desenvolvimento Humano (IDHH) de um determinado Pais.

A primeira, de Adam Smith (reproduzida nos EUA, Inglaterra etc.) que defende que o individualismo (não confundir com egoísmo) é que faz um País desenvolver-se. Se cada um procurar o melhor para si, isto acaba criando uma “cultura de mercado”, que se baseia na criação de riquezas por meio da inovação, por exemplo. Claro que conjugada com o respeito pela propriedade privada (e público), sempre.

A outra teoria é de John Nash; a teoria de Jogo, que defende que a teoria de Adam Smith é incompleta. Esta teoria defende que a Cooperaçãoé a melhor forma de se conseguir melhores resultados, porque, embora há um que é mais beneficiado, em geral todos saem a ganhar; porqueo melhor para cada indivíduo deve ser compatível com o que é melhor para o grupo.Exemplo deste modelo cultural, temos os países Nórdicos, Benelux etc.

Num País pobre como Cabo Verde, politica e economicamente, a teoria adequada, na minha opinião, é a do John Nash. Transportando para a política (governo) a sua tradução livre pode ser dinâmica do governoOu seja, um país desenvolve equilibradamente quando os políticos (órgãos de decisão e do poder etc.) vão garantir que o melhor resultado a tomar deve ser não só o que é melhor para eles, mas também para os cidadãos. Para que isso possa acontecer, é preciso que estejam dispostos a colaborar e não ser egoístas, quer por questões individuais e pessoais, ou por querer todos os benefícios para eles. É o que acontece em vários Países do nosso continente, e infelizmente também é a cultura sub-reinante no nosso País.

Do outro lado da cooperação, estão os cidadãos; as elites em particular (elementos fundamentais nesta interação social). Nestes Países, Individualistas ou de Cooperaçãoo fator em comum é a alta taxa de participação cívica nas causas do País. 

Aqui em Cabo Verde observo que deslumbramos com o desenvolvimento e o equilíbrio social na europa, mas ignoramos por completo o caos social que se acentua no nosso país. Somos fortemente críticos aos que criticam o incorreto e altamente silenciosos para aqueles que praticam o mau e o incorreto. A nossa pirâmide de prioridade sempre funciona no sentido inverso. Há mais preocupação e interesse com a situação do Brasil, Venezuela etc, do que com a situação de Cabo Verde. E neste mundo de negação, egoísmo, e de um cortinado dourado à frente da nossa realidade, este nosso maravilhoso País está a definhar-se socialmente. O silêncio que se assiste no País, é o maior cúmplice da nossa situação atual. Quem acha que está livre/protegido deste caos social, relembre sempre que o kasu bodi/crime é amovível.

Andando pelas diversas zonas nas periferias, é visível o número de crianças e adolescentes (entre 10 a 12 anos), que estão desamparados. Não existe estrutura familiar, não existe ocupação em coisas didáticas e que moldam a sua formação pessoal, não existe uma educação e um acompanhamento escolar adequado, não existe um mundo moderno da tecnologia para estas crianças e jovens, não existe o Inglês nas escolas, não existe um meio organizado territorialmente para se viver etc. E noa há seque um plano para responsabilização e criminalização dos Pais ou encarregados de EducaçãoEstão inocentemente num mundo pervertido do “Tranca Fulha”, “Cumi & Bebi”, num País que foi moldado num forte e abrangente ensino público de qualidade para todas as classes sociais (mais um fator de sucesso dos Nórdicos e Escandinavos), e uma cultura de preucupaçao social na comunidade.Uma comunidade/localidade organizada, tem influência social no desenvolvimento de um País.

Daqui a 5 anos, estes jovens vitimas desta indiferença social e política na Capital, e no País, serão os potenciais kasubodistas ou algo pior. 

Estamos a correr despreocupadamente o risco de termos de 5 em 5 anos, e assim sucessivamente, uma camada de jovens com 17 anos, sem rumo, sem amparo e orientação, nem do Estado e muito menos da sociedade. E todos seremos vítimas, independentemente se vivermos na Cidadela, Palmarejo, Prainha, Platô etc,. Num saco de gato, é difícil não ser arranhado.

Esta situação em Cabo Verde, Praia em particular, começou em 1992, quando em nome de uma falsa democracia, destruíram a espinha dorsal da interação social: o respeito pelos mais velhos, professores, vizinhos etc., que foi invertido em direitos das crianças e dos Jovens. Tirou-se os deveres dos Jovens, e deram-lhes direitos absolutos. A pirâmide hierárquica social e familiar foi destruída. E com um Estado liderado por egoístas que querem viver como os generais no continente Africano, deu-se origem ao Cabo Verde atual: “Kasu Body”, Kumi & Bebi”, “Tranka Fulha”, ”Mama Boa”, escolas públicas degradadas e de baixa qualidade, tanto do ponto de vista técnico, como físicos, académicos (há muitas exceções) etc, e o manual de ensino atual é o da “matimática”

E na  “zona alta”, para os miúdos que tiveram e têm a sorte de os Pais terem rendimentos médios e altos (embora estão a sufocar uma boa parte de jovens Pais, alguns monoparentais) vão paraLes Alizés, Escola Portuguesa e Miraflores.

A consequência deste ato perverso e intencional, é que estes alunos privilegiados sairão mais preparados que qualquer aluno das escolas públicas. Portanto, a equidade na oportunidade está sendo quebrada, e o desenvolvimento humano equilibrado cada dia ameaçado.

Na Universidade de Cabo Verde (pública) a mesma coisa: Professores que de profissionais e vocações têm zero (há honrosas exceções), estruturas de gestão dispendiosas (dizem que a Reitora da Uni-Cv[i] gasta só em viagens e estadas 6.000 contos por ano, e no entanto, queixa-se sem a mínima dignidade, de que não há bolsas para alunos), bibliotecas retrógradas, sala de informática com uma velocidade de internet e wireless de 1930 a.c. etc. Enquanto isso, as Escolas e as Universidades Privadas crescem e reproduzem, com beneplácito de Políticos e Cidadãos das elites (nesta interação a teoria de Nash está a funcionar bem em Cabo Verde).

É inaceitável que num País em que todos os seus governantes e a maioria da sua geração, foram formados pelas escolas públicas, hoje tenha como seus “inimigos” estas pessoas e atuais dirigentes e políticos.

Como se criam classes antagónicas numa cidade (país) através de concessões ou doações de terrenos e obras privilegiadas?

Toda a classe politica, vereadores, deputados municipais, os técnicos superiores autárquicos devem viver na Zona Litoral Sul (possivelmente). Porque os 27 anos de silêncio à volta da CMP, são ensurdecedores. Daí a desurbanização e organização da Capital não serem uma prioridade, porque não lhes afetam diretamente.

primeiro passo para que a Cidade da Praia se tornasse neste aglomerado de pessoas, é a Centralização Política, Económica e Financeira.

segundo passo foi o desmantelamento do serviço de transporte público; a Transcor. Uma Cidade em que nem um autocarro para ligar São Jorge dos Órgãos e Praia existe (25 minutos de autocarro), diz muito do que foi e é o seu planeamento. Se houvesse um serviço de transporte público (autocarros), como acontece em todas as cidades, muitas das pessoas que saem do interior para a Praia, e que são obrigadas e construir barracas, porque o rendimento é insuficiente para pagar renda e transportes ida e volta, não estariam a vive em condições indignas na Cidade da Praia. E não teríamos este caos urbanístico.

Criou-se a Moura Company porque o privado sabe melhor gerir. Desapareceu. Agora temos um monopólio. Para quem defende ser de direita, é uma aberração. 

terceiro passo é o não ordenamento territorial com intenção, afim de se especular, concessionar, vender e promover o enriquecimento ilícito. O negócio de terrenos (com ênfase no aforramento e concessão) foi e é a principal fonte de enriquecimentos de alguns políticos, autarcas e vereadores, em particular. Desde 1992 só nasceram 4 + (0.5+0.5) zonas organizadas na Praia: Palmarejo, Terra Branca, Meio de Achada, Cidadela e uma parte de São Filipe e Fazenda. 

quarto passo é deixar as pessoas construírem desorganizadamente nas periferias (todas as encostas e montanhas da Praia estão ocupadas por casas, e num alto risco de tragédia em caso de chuvas torrenciais), a fim de poderem apresentar trabalhos e sobrefaturação das obras de: requalificações de orlas marítimas e encostas, passadeiras, pracinhas, placas desportivas, jardinzinhos, campos de relvas sintéticas etc. Nos últimos 11 anos da CMP, quantas zonas clandestina nasceram na Praia e porquê? Como não ter este caos urbanístico? 

O quinto passo é construir tudo o que há de bom na Zona Litoral Sul; longe do povão: Centros Comerciais, Cinema, Escolas Privadas de alta qualidade, Campus Universitário, Universidade de Cabo Verde, Zonas com Ordenamentos e Parques de Estacionamentos, Orlas Marítimas com Bares, Restaurantes (na Prainha o povão foi afastado subtilmente) e Hotéis, Piscina Municipal, Campos de Ténis (3 de uma sentada), até o Parque de Julho vai tornar-se num “lugar exclusivo” para crianças de famílias de rendimentos médios e altos. O que existe para as famílias das periferias a partir da Várzea até São Filipe? 

A agravante de tudo isto, é que o que se fez, e que se faz na Zona Litoral Sul, é através de concessão e doação de terrenos públicos. Para as famílias das periferias e do interior nunca há terrenos.

Alguns factos através dos boletins oficiais

Escolas Les Alizés: Concessão de 4.955,25m2 (quatro mil, novecentos e cinquenta e cinco, vinte e cinco metros quadrados) em Palmarejo, por 75 anos

Valor da Renda: Zero CVE.

Esse terreno foi avaliado pela CMP em 29.731.500,00 CVE (vinte e nove milhões, setecentos e trinta e um mil, quinhentos escudos), um valor muito abaixo do praticado pelos Bancos Nacionais e pelas agências imobiliárias.

Fonte:II SÉRIE — Nº 60 «B. O.» DA REPÚBLICA DE CABO VERDE — 18 DE NOVEMBRO DE 2014

Escola Portuguesa: Concessão de 18.760m2 (dezoito mil, setecentos e sessenta metros quadrados) de terrenos em Cidadela, por 50 anos.

Valor da Renda: Zero CVE.

Este terreno foi avaliado pela CMP por 120 mil contosum valor muito abaixo do praticado pelos bancos nacionais e pelas agências imobiliárias. 

Fonte: II SÉRIE — Nº 11 «B. O.» DA REPÚBLICA DE CABO VERDE — 21 DE FEVEREIRO DE 2013

Escola Miraflores: doação definitiva de 18.584 m2 (dezoito mil, quinhentos e Oitenta e Quatro metros quadrados) de terreno em Palmarejo Grande.

Esse terreno foi avaliado pela CMP em 150.530.400,00 CVE (cento e cinquenta milhões, quinhentos e trinta mil, quatrocentos escudos), um valor muito abaixo do praticado pelos Bancos e pelas agências imobiliárias

Fontes: II SÉRIE — Nº 31 «B. O.» DA REPÚBLICA DE CABO VERDE — 4 DE JUNHO DE 2014 II SÉRIE — Nº 69 «B. O.» DA REPÚBLICA DE CABO VERDE — 31 DE DEZEMBRO DE 2014

Estas escolas privadas tiveram uma transferência de 42.299,25 m2 (cerca de quarenta e três mil metros quadrados) de ativos públicos no valor aproximadamente de 300.261.900,00 CVE (cerca de 300 mil contos), um valor muitíssimo abaixo do praticado pelos bancos nacionais e agências imobiliárias, enquanto várias escolas públicas no País definham.  

Campo de Ténis

No Orçamento da CMP (2019), ainda não publicado no B.O. (só em papel) nos planos de atividade, vem orçamentado a construção de 3 campos de ténis, avaliados em 120 mil contos (40.000 contos cada). Valor idêntico a totalidade de calcetamentos nas periferias. 

 Fonte: Orçamento da CMP (2019)

Piscina Municipal

Foi concedido 2.168 m2 de terreno sito em Palmarejo Baixo para a construção de uma piscina municipal e sua exploração a um empresário, por 75 anos. O terreno foi avaliado em 13.008.000,00 CVE (treze milhões e oito mil escudos).

Fonte: II SÉRIE — Nº 24 «B. O.» DA REPÚBLICA DE CABO VERDE — 18 DE MAIO DE 2016 

Claramente, de forma indelével, a CMP (desde 1992 sem exceções) está a construir duas Praias distintas: uma como se fosse Cascais, e a outra do povão, como se fosse a Buraca.

[i]Não se consegue ter acesso ao Relatório e Contas da Uni-CV. É confidencial.

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