Baía do Tarrafal. Muito mais do que praia de banho!
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Baía do Tarrafal. Muito mais do que praia de banho!

Falar de Tarrafal e de sua força enquanto “Norte”, implica também falar da grandeza de sua baia que abraça as enseadas de Mangue, Chão Bom, Ribeira da Prata atá à zona limítrofe que faz fronteira com o município vizinho de Santa Catarina de Santiago.

Se recuarmos um pouco na história, a grande baia do Tarrafal, muito procurada pelos navegadores, por ser uma das mais protegida, espaçosa e profunda de toda a Africa ocidental, serviu durante a segunda década do seculo XX e nos anos 40, portanto, as duas grandes guerras mundiais, respetivamente, de ponto de escala para submarinos no transporte de materiais bélicos da América para suporte da logística das guerras sangrentas na Europa.

Ainda falando de conflitos militares, as pesquisas do professor Carlos Ferreira Santos, reportam para os relatos de Sena Barcelos aos tempos das conquistas da Costa Ocidental Africana, estando no ano de 1739, uma balandra Inglesa na baia de Mangue para contrabando e ou saque, o Ouvidor-geral, José da Costa Ribeiro, um Madeirense ao serviço da Ouvidoria-geral de Cabo Verde, manda para Tarrafal, um contingente de 450 homens da então Vila da Praia, Capitaneado por Sebastião Quaresma, para pôr cobro à situação. Intercetados, o capitão do barco repostou e assim, houve feroz combate, resultando na morte deste e dos marinheiros e na apreensão do barco que fora levado para a Praia.

No período pós-guerra, que se sucederam ciclos de fome quando as condições de transporte rodoviário eram praticamente inexistentes, géneros alimentícios, medicamentos e demais viveres, entravam através do porto de Tarrafal, vindo em navios a vela depois de despachados no porto da Praia, enquanto doentes eram transportados muitas vezes em botes a remos nas piores condições imagináveis para a Baia de Santa Maria na Capital do Pais.

Nossa dependência da Capital – Praia-, agravado pelas condições difíceis das ilhas, tem-nos custado fome, sofrimento e impasses de toda sorte. Não espanta que muito sedo, a autoridade colonial, entendeu transferir para o município, competências administrativas descentralizadas, por exemplo no domínio da gestão portuária e alfandegária.

Por cá, Deus fez tudo perfeito! Uma baia multifacetada numa região com características únicas e excecionais para produzir alimentos de toda espécie e se transformar no celeiro nacional.

Tarrafal já teve marcos importantes nas operações de exportação de alimentos produzidos na região Santiago Norte, tendo como destino as ilhas de Barlavento de Fraca produção agrícola, particularmente Sal, Boa Vista e São Vicente e não é por acaso que encontramos famílias, com raízes nestas ilhas e apelidos como Ramos, Spínola, Fortes, Fontes, Galina, Lima, Andrade, Levy, Sousa, Coimbra, Montrond, Barbosa, enfim… Este processo de intercâmbio comercial através de Tarrafal, permitiu também que se desenvolvesse uma rede de comunicação marítima com o Porto Grande de Mindelo, o que facilitou, também, que vários filhos nossos tivessem acesso aos estudos secundários no primeiro liceu de Cabo Verde, onde o próprio Amílcar Cabral, partiu daqui da nossa região e ali se integrou.

No ramo da indústria, a fábrica de conserva de pescado Ultramarina e o lacticínio de Colonato, também se desenvolveram aqui no Tarrafal gerando postos de trabalho organizado, graças ao papel importante que nossa abençoada baia jogou no passado.

Sem receio de errar, podendo até chocar, afirmo que hoje esta nossa Baia com historia e referencias que nos apontam caminhos interessantes, não serve para muito mais do que ancorar meia dúzia de iates obsoletos, alguns deles usados para apoiar transações narcóticas, com suas infraestruturas caindo aos pedaços, sua costa coberta de escombros e demais restos da cidade, seu farol degradado, suas praias despidas de areia e com construções em betão para coroar a falta de imaginação.

Aqui interessa, tirar o chapéu e fazer honrada vénia ao trabalho de investigação histórica e cultural a se está a dedicar o nosso conterrâneo, o Professor Carlos Ferreira Santos em que brevemente contamos ter o código da nossa história com as referências dos principais acontecimentos, compilados desde a descoberta do arquipélago aos nossos dias.

A gestão municipal que nos coube, soube destruir e deitar fora as relíquias do passado, destruindo as memórias físicas, sem resgatar suas raízes e com elas recompor a história, criando uma rede de museus e abrir portas ao conhecimento. Faltou-nos perícia e sensibilidade suficiente para gerar emprego e olhar para o mar como um mar de oportunidades, não só pela via da pesca.

Aqui reside o verdadeiro conceito de “cluster do mar” ou “economia marinha”, como politicamente entendermos chamar, o certo é que o conceito é a diversificação e exploração sustentável das atividades que o mar pela sua grandeza nos permite gerar rendimentos.

Tarrafal tem tudo para implementar uma boa rede de cluster marinho, pois temos sol, bonitas e exóticas praias, vento, ondas, biodiversidade, natureza, história, simpatia, saber fazer tradicional, um vasto território, segurança, achadas, vales e água para a produção agropecuária.

Temos tudo o que precisamos, só nos falta disciplina, rigor, humildade e determinação.

Avante Tarrafal! Mas, deve que ser agora, pois, mais tarde pode ser tarde demais e ficarmos raquíticos sem forças para alcançar o desenvolvimento que já vai muito a nossa frente.

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