Azágua em tempo de Covid-19. O que há de novo?
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Azágua em tempo de Covid-19. O que há de novo?

...E assim Julho rompe com a estiagem - de repente o céu se tinge de cinzento que espreita a garganta recequida da terra. Nosso povo com semente e enxada já preparadas invadem os campos à procura da sorte de um ano de fartura - com fé em Deus.

Na aldeia o som inconfundível da enxada entre as pedras mistura-se com cantigas de mulheres do campo acompanhado pelos gritos da criançada que corre sobre o verde que acaba de substituir o castanho da “terra-bufa”, à caça de gafanhotos que para a desgraça do milho, já começam a eclodir, ouvindo-se ao longe o negro corvo e a galinha-do-mato se manifestarem com seus apupos característicos - Há muito não se via igual. É a sementeira de volta aos nossos campos a tirar o suor da testa dos valentes “homens d’zágua” - que de enxada em punho, faca na bainha e olhos postos no céu, a cada pausa um trago, que quando chover é pra espantar o frio e se sol fizer, nada melhor “pa korta kalor”;

Paulo está de férias da escola, seu pai António – quer aproveitar a ocasião para ensinar ao filho as lides do campo... e começa por avisar:

- Meu menino, eu cresci comendo do “pó” desta enxada, nos tempos em que ir à escola não era prioridade, aliás, “Nossa Terra” já foi muito pobre e estudar era um privilégio de poucos. Por isso, os meninos de meu tempo aprendiam a trabalhar muito cedo e assim ajudar os pais nos afazeres domésticos, pois era preciso garantir o sustento da panela e a colaboração de todos os membros da família era muito importante.

O pequeno Paulo escuta seu pai com atenção, quando de repente ouve um som rouco que vem de cima e desaparece em direção à ribeira… então o menino pergunta:

- O que é isto, pai?

- Um corvo meu filho. Um pássaro negro, muito simpático e alegre, que se alimenta de grãos e quando fazemos a sementeira, vem ele, cavar e de nossas sementes, se alimentar, por isso é preciso estarmos atentos e montar vigilância para os afugentar e normalmente quem faz este serviço, são as crianças, enquanto os adultos se ocupam de outros afazeres mais exigentes, explica zeloso, o pai António;

- Sim pai, a minha professora da disciplina de Ciências da Terra e da Vida do sétimo ano, falou de animais considerados “pragas na agricultura”!;

- Exactamente filho, a agricultura em Cabo-Verde divide-se em duas classificações: sequeiro e regadio. O Corvo, a Galinha-do-mato, gafanhotos, o bichinho dos feijões e as moscas, são as principais pragas de sequeiro e atacam o milho, os feijões, abóbora e melância, além do macaco que ataca os frutos, mas também retira as sementes, particularmente nas zonas montanhosas. Nas culturas de regadio, além das pragas também existem doenças, causadas em grande parte pela humidade, como os fungos e as batérias que fragilizam as plantas e reduzem sua capacidade de produzir frutos de qualidade e em quantidade suficientes para compensar o trabalho do agricultor.

- A professora também falou-nos dos pesticidas…

.- Ah...Sim, a natureza sofre muito quando aplicamos estes venenos, por isso é que o corvo já é considerado um animal raro. É desta forma que muitas aves estão desaparecendo, por ingerir insectos mortos nos campos da agricultura. Os pesticidas pela ação do veneno, também, abrem as portas do nosso corpo ao COVID, enfraquecendo nossas células.

- E os peixes, por viverem no mar estão livres desta ameaça, pai?

- Pelo contrário, meu menino, os peixes também são afectados. Sabes que a topografia das ilhas de Cabo verde, em geral é muito inclinada, particularmente nas ilhas de maior expressão agrícola e montanhosas, como as de Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo, esta característica, influência o escoamento dos resíduos tóxicos deixados nos solos pela ação dos pesticidas e estes são arrastados pelas cheias em direção ao mar, afetando também os peixes. Os pesticidas, além de envenenar os animais, também contaminam a própria água e os alimentos que consumimos e pouco a pouco se acumulam no organismo fragilizando nossa imunidade, sobretudo, gora em tempos de COVID -19, o recurso a pesticidas biológicos, é uma opção deveras inteligente.

- Entendi pai - reage Paulo, com um profundo soluço!

- Então, quer dizer que a própria natureza nos oferece soluções para o controlo de pragas?

- Exactamente, e como podes ver, teu pai, tua mãe, a avó e o vizinho Tomé, estamos mais expostos a estes venenos com a agravantes de sermos considerados pessoas de risco pela nossa idade. Quero pedir-te que ajudes na tarefa de “guardar a sementeira”, enquanto aproveitas para revisar os conteúdos escolares do próximo ano. Combinado? Vou fazer um espantalho para te ajudar…

- Combinado, pai. Quero estudar para ajudar, também, meu país na procura de soluções para este problema.

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