O Supremo Tribunal de Justiça mandou repetir o julgamento do caso Hamylton Morais, agente da Polícia Nacional morto a tiro durante uma operação no dia 29 de Outubro de 2019, supostamente pelo seu colega agente Eliseu Sousa, que acabaria condenado na primeira instância a três anos de pena suspensa. No seu acórdão desta segunda-feira, 24, o Supremo reconheceu, na prática, que o Tribunal da Praia omitiu elementos de prova, afirmando que houve “erro notório” dessa instância na análise de provas.
“No momento em que a testemunha Adilson se aproximou do beco iluminando com a sua lanterna para visualizar o ‘Patrick’ (ndr o suspeito que os agentes da PN estavam a perseguir nessa operação) que se encontrava deitado no chão, a arma que o Eliseu trazia consigo disparou em circunstâncias que não ficaram provadas; a bala deflagrada pela arma do Eliseu atravessou o portão gradeado da sua extremidade e a do malogrado atingindo-o na região infra clavicular esquerda penetrante na cavidade torácica, vindo o projétil metal a alojar na região escapular direita”, dizia a sentença do coletivo de juizes do Tribunal da Comarca da Praia que julgara esse caso, tendo condenado o arguido a pena suspensa.
O Supremo Tribunal de Justiça deitou por terra esse argumento alegando, no seu Acórdão 77-2023, desta segunda-feira, 24, e notificado ontem, 26, aos visados, o seguinte: “Conforme atesta-se, nesta parte, o coletivo dos juízes do Tribunal de primeira instância não só alterou substancialmente o sentido da acusação, como introduziu um dado inaceitável à luz da experiência comum, qual seja, “(...) a arma que o Eliseu trazia consigo disparou (…)”.
Isto porque a acusação do Ministério Público em relação a este processo apresentou provas de que o disparo teria sido efectuado intencionalmente pelo agente Eliseu, razão pela qual a sua redação, segundo o STJ, foi substancialmente alterada pelo próprio Tribunal da Praia na sua sentença: “Convém recordar que esse novos factos introduzidos pela primeira instância foram em substituição dos do ponto 16 da acusação do Ministério Público que tinha esta redação: ‘No momento em que a testemunha, m.c.p. Adilson se aproximou do beco, iluminando com a sua lanterna para visualizar o ‘Patrick’ que se encontrava deitado no chão, o arguido Eliseu deu passos atrás e aproximou-se de novo para o gradeamento do portão, direccionando a arma de fogo que levava empunhada, em direcção ao beco, a uma distância de onze metros e efectuou um disparo que atingiu o malogrado Hamylton (…) que se encontrava na outra extremidade do beco, com a cara inclinada para o arguido Patrick’”.
Ora, para Simão Santos, relator, e os juizes conselheiros Benfeito Mosso Ramos e Anildo Martins, “parece claro para qualquer leigo em matéria de armas, para qualquer homem mediano, que as armas não disparam sozinhas, não se accionam por si mesmas, é preciso que haja intervenção exterior para que possam deflagrar projéteis. Logo, dizer que ‘a arma do Eliseu disparou’ não deixa de ser algo não realista, algo inadmissível do ponto de vista da experiência humana, daí reconduzir a a uma situação de erro notório na apreciação de provas”.
Numa das suas observações, o STJ afirma que “da conjugação das provas produzidas e examinadas no julgamento e das regras de experiência comum do homem médio, se infere que essa apreciação e ilação factual tomada nesse aresto não tem lógica, sendo de todo insustentável à luz dos conhecimentos de qualquer homem médio colocado na posição dos julgadores. Ao certo, padece de qualquer coerência a opção seguida nesse aresto, levando a uma situação de incongruência evidente que um home médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”.
Na verdade, e conforme se percebe do Acórdão que o próprio Tribunal de Relação de Sotavento, ao decidir sobre o Recurso interposto pelo arguido Eliseu Sousa, já percebera essas falhas, daí ter decidido, na sua sentença, agravar a pena suspensa para quatro anos e meio de prisão efectiva.
O STJ, por sua vez, depois de analisar passo a passo de todo o processo, opta por devolver o caso à primeira instância para novo julgamento, já que foi a partir dali que se cometeram “erros notórios” na apreciação das provas e na sentença inicial.
Recorde-se que o Tribunal da Praia condenou no dia 29 de Dezembro de 2020, a três anos de prisão com pena suspensa, o agente da Polícia Nacional Eliseu Sousa, o principal suspeito no caso do homicídio de Hamilton Morais, também ele agente da PN.
O colectivo de juízes entendeu que Eliseu Sousa não teve intenção de matar o colega Hamilton Morais, baleado em Outubro de 2019 em missão de serviço, no bairro de Tira Chapéu (Praia).
A sentença do Tribunal da Praia não agradou aos familiares e amigos do agente Tútu, com manifestações de “revolta” e consternação. Na altura, o irmão gémeo da vítima, Ailton Morais, agente prisional na Cadeia Civil de São Martinho, disse que iria até às ultimas consequências para ver o que esteve por detrás do disparo que vitimou Hamilton Morais.
O julgamento do caso da morte do agente da Polícia Nacional (PN) Hamilton Morais teve início no dia 01 de Dezembro e foi conduzido por um colectivo de juízes presidido por Antero Tavares.
As acusações da prática, em autoria material, de um crime de homicídio simples e mais outro de disparo, recaíram sobre o agente da Polícia Nacional Eliseu Sousa, de 38 anos, que desde Novembro de 2019, encontrava-se a aguardar julgamento em prisão preventiva.
Em Abril de 2020, o Ministério Público comunicou a acusação de mais um indivíduo no referido caso que remonta a 29 de Outubro de 2019, mas este foi absolvido.
O caso deu-se numa terça-feira, por volta das 00:15, altura em que o Serviço de Piquete da PN foi chamado, através do Centro de Comando, para intervir junto de dois indivíduos que se encontravam armados e em situação “muito suspeita” na zona de Tira Chapéu, na Cidade da Praia.
No local, ao se aperceberem da presença policial, os suspeitos puseram-se em fuga, sendo imediatamente perseguidos, resultando dali disparo de arma de fogo, que terá atingido o agente de primeira classe Hamylton Morais, que foi socorrido pelos colegas e transportado para o Hospital Agostinho Neto, onde viria a falecer, momentos depois, referiu na ocasião a PN em comunicado.
Na ocasião, a PN chegou a capturar um indivíduo suspeito, mas este veio a ser liberado pela Polícia Judiciária, por não haver provas que este seria o autor do crime.
O agente Hamylton Morais, segundo a PN, referenciado como um profissional “exemplar, dedicado e muito querido” pelos seus colegas e amigos, estava na corporação há 16 anos, tendo desempenhado as suas funções de policial na ilha Brava e na Cidade da Praia.
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