Amadeu Oliveira informou ao tribunal que vai prescindir de três ou quatro testemunhas importantes, que teriam posições ainda mais radicais, para "não escangalhar todo o sistema judicial cabo-verdiano". Saiba agora o que está por detrás dessa postura mais moderada de Oliveira e o que essas testemunhas têm em mãos e que mantém o advogado num dilema profundo.
Na sexta-feira, 5, dia do arranque julgamento efectivo de Amadeu Oliveira - acusado de 14 crimes de ofensa à honra contra os juizes do Supremo Tribunal de Justiça, Benfeito Mosso Ramos e Fátima Coronel, o arguido Amadeu decidiu abdicar de algumas das suas mais importantes testemunhas para, como o próprio afirmou, "não escangalhar todo o sistema judicial de Cabo Verde".
Segundo Santiago Magazine apurou, esta face mais moderada de Oliveira surge na esteira dos avisos que o Comandante Pedro Verona Pires terá dado para todo o grupo de apoio à defesa de Amadeu Oliveira, desde 2017, num encontro realizado no Hotel Pérola, cidade da Praia, quando ainda estava em processo de formação a iniciativa designada por "Mais e Melhor Transparência na Justiça em Cabo Verde" e que pode ser consultado no site: www.transparenciacv.org
Nessa ocasião, o grupo teve encontros com Janine Lélis, Ministra da Justiça e Vice-Presidente do MpD; Janira Hopffer Almada, Presidente do PAICV António Monteiro, Presidente da UCID; Amândio Barbosa Vicente, Presidente do PP; Manuel Faustino, Chefe da casa Civil da Presidência da República; António Espírito Santo, Provedor da Justiça, entre outras entidades oficiais.
A Autoridade do Comandante
Comandante de Brigada, Pedro Pires
No âmbito desses contactos institucionais, num encontro ocorrido no Hotel Pérola, em 2017, o Comandante Pedro Pires, ex-Presidente da República, aconselhou os integrantes desse movimento cívico no sentido de lutarem para melhorar o sistema judicial cabo-verdiano, mas sem escangalhar as instituições da República e sem enxovalhar as pessoas que ocupavam os altos cargos do aparelho judicial, por forma a resguardar os superiores interesses e a imagem Republicana de Cabo Verde, o que ficou conhecido pelo slogan "Melhorar, sem Escangalhar". Os que assumiram esse posicionamento, ficaram conhecidos como sendo a “Ala Pirista".
Só que esse posicionamento não mereceu a concordância do Dr. Vieira Lopes, o ideólogo do grupo, o que provocou uma cisão profunda nesse movimento, já que Vieira Lopes defendia que o sistema estava tão apodrecido que só com denúncias fortes e contundentes seria possível alterar o "Status Quo" reinante, devido a grande decadência técnica e moral dos operadores do sistema judicial, incluindo Juízes, Procuradores da República e até alguns advogados da praça. Os que aderiram às ideias do Mestre Dr. Vieira Lopes ficaram conhecidos por "Facção Vieirista."
Boa parte dos presentes nessa reunião do Hotel Pérola apoiaram e vêm seguindo a linha "Pirista", entre os quais o próprio Amadeu Oliveira que, ao contrário do que possa parecer, também prefere o modelo defendido por Pedro Pires.
Aliás, como consequência dessa cisão no seio do grupo, recorda-se que a 22 de Fevereiro de 2019, Vieira Lopes endereçou uma carta /requerimento ao tribunal, manifestando a sua decisão de não mais ser testemunha no processo em que alguns juízes afectos ao Supremo Tribunal acusavam Oliveira por cometimento de supostos 14 crimes contra a honra dos mesmos.
A Doutrina Vieirista
Mestre Dr. Felisberto Vieira Lopes
Nessa carta, Vieira Lopes fez constar que:
“Não me sentiria moral e intelectualmente livre, como uma Testemunha deve ser, não coagido por essa sua opção, que, de todas as formas analisada, se evidencia fundamentalmente desacertada e perigosa.
Seja um arguido o melhor Jurista do mundo, não é curial, não é prudente nem aconselhável que deixe a sua defesa entregue a Defensor Oficioso, o mais dotado que seja.
Pior, de todo inaceitável, é não constituir Advogado quem é viciosa, falsa, ilegal, inconstitucional e falaciosamente arguido num “processo crime” em que – não obstante a intrínseca falsidade (o que lhe imputam tem causas, que omitem), as falácias, as nulidades insanáveis e as inconstitucionalidades que o invalidam e o tornam juridicamente inexistente”
Estava o Dr. Amadeu Oliveira nos 6 aos 7 anos de idade, quando, além das minhas denúncias fundamentadas e não desmentidas, no meu livro “Direito Justiça e Revolução”, publicado em 26.Abril.1976, protestei contra o descalabro da “Justiça” tortuosa, adversa ao Direito e à Justiça, nascente da “sociedade injusta” ..., ...;
Tinha 8 anos o Dr. Amadeu Oliveira, quando o Juiz da mais alta craveira moral e intelectual que o STJ já teve, o Dr. Baltazar Lopes da Silva, voltou as costas ao STJ e, além da carta da denúncia, escreveu a de 31 de Maio de 1977, em que, reagindo contra cruéis injustiças dos Tribunais, os apoda de “cocheiras de Augias” (v.g., cocheira de Augias, a coisa mais suja, a mais infecta e a mais nauseabunda do mundo!!!);
Inspira o processo (dos Juízes do STJ contra Amadeu Oliveira) um corporativismo fascista que faz Cabo Verde e a Justiça recuarem ao ‘tribunal’ de Pilatos, Herodes, Anás e Caifás e à Inquisição;
Na Idade Média, em 1237, o Bispo do Porto, em carta ao Capítulo dos Dominicanos, reunido em Burgos, denunciou os Poderosos da Diocese do Porto, e nas de Braga e Lamego, como “... infinitos salteadores que, sem temor de Deus nem respeito dos homens, fazem dos mosteiros e igrejas ... covas de latrocínio ... estrebarias ... casa pública de mulheres infames e perdidas. ...” e coisas piores, sem que os Tribunais desse tempo investigassem, acusassem ou condenassem o Bispo do Porto"
O Renascer das Cinzas
Dr. Rui Araújo - Praia Leaks
Seguindo essa linha de pensamento, acontece que, antes de falecer e sem que fosse do conhecimento de Oliveira, Vieira Lopes tratou de instruir algumas testemunhas do processo, facultando-lhes documentos potencialmente devastadores contra determinados Magistrados Judiciais, documentos esses relacionados, supostamente, com viagens e gastos de dinheiro dos cofres da justiça, certidões referentes a compra e venda de terrenos supostamente roubados, tal como denunciados pelo Dr. Rui Araújo na série de artigos intitulados de "Praia Leaks", e outros documentos mais, que, agora, essas testemunhas "Vieiristas" querem apresentar no julgamento, como forma de publicitarem e darem conhecimento público geral dessas supostas esquemas ilícitas.
Essas testemunhas mais radicais querem seguir a linha "Vieirista", mais contundente e acutilante nas acusações, encarando de peito aberto os Meritíssimos e Venerandos Juízes e seguir em frente com indicador em riste contra o sistema vigente e seus protagonistas, nas esperança de que “depois do fogo, das cinzas poderá renascer algo melhor”.
Vieira Lopes, que percebeu que Oliveira preferia a solução “Pirista”, entrou em ruptura com aquele, a ponto de escolher um outro advogado só para si para o questionar directamente, como testemunha, sobre as provas documentais, recibos, contas, negócios, promiscuidade entre magistrados, ilícitos e imorais envolvimentos amorosos etc., que, a serem comprovados, derrubariam todo o "Status Quo" reinante no sistema judicial cabo-verdiano. Para justificar esse posicionamento, esse grupo se defende, dizendo que “maldosos e radicais são os juízes que mantiveram inocentes na cadeia por anos a fio, com a conivência da Procuradoria da República, quando era mais do que evidente a presunção de inocência desses pobres coitados que sequer tinham recursos para contratar um advogado”.
Terra Queimada
Além disso, Vieira Lopes já havia identificado e feito um levantamento de pelo menos 20 processos onde teriam ocorrido fraudes processuais, inserção de falsidades e denegação de justiça e que serviriam de prova a apresentar no presente julgamento de Amadeu Oliveira.
Para evitar essa estratégia de “Terra Queimada”, Amadeu Oliveira terá, logo no início da sessão de julgamento do dia 05 de Março, informado ao tribunal que tenciona prescindir de algumas dessas testemunhas, mesmo correndo o risco de ficar fragilizado, e manter a sua defesa com base em somente quatro processos que foram tramitados pelos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do quais processos, tenciona fazer prova ter havido fraudes processuais, inserção de falsidades, denegação de justiça e prevaricação de Magistrados, sem ter de invocar os tais documentos facultados por Vieira Lopes às testemunhas mais radicais.
Para evitar qualquer surpresa, Oliveira já informou ao Tribunal que a sua defesa vai focalizar somente nos seguintes casos:
Caso do emigrante Arlindo Teixeira que veio passar 45 dias de férias em Cabo Verde e acabou condenado a 11 anos de cadeia, mediante fraude processual cometido tanto pelo Juiz Afonso Lima Delgado e pelos Juízes da secção criminal do STJ, onde se incluem Benfeito Mosso Ramos e Maria de Fàtima Coronel, tendo esse emigrante, de nacionalidade Francesa, cumprido 2 anos, 8 meses e 26 dias de prisão ilegal e inconstitucional;
Caso Gilson Veiga, um jovem que ficou 2 anos em prisão preventiva sem que o STJ despachasse o recurso de prisão preventiva, até que depois de muito sofrimento, acabou por ser solto e declarado inocente,
O processo referente ao Juiz Ary Spencer Santos, apelidado de Gatuno e Aldrabaozeco, e que esteve parado durante 4 anos no STJ, sem ser despachado, até prescrever, somente para o STJ proteger esse juiz que Oliveira considera ser Prevaricador e falsificador;
O Processo que opõe a Ordem dos Advogados de Cabo Verde e Advogado Amadeu, relacionado com a interdição do exercício de advocacia aos advogados que recusam pagar quotas, e que está pendente no STJ, aguardando decisão, desde 06 de Maio de 2014, até a data de hoje, ou seja, uma pendencia de cerca de 7 anos.
Entre a Espada e a Parede
Mesmo estando consciente que a sua defesa pode sair profundamente fragilizada caso venha a prescindir das suas testemunhas chave, Oliveira, que surpreendentemente defende uma postura mais moderada do que muitos certamente esperavam, vai entrar na audiência desta segunda-feira sob um grande dilema: estribar-se somente nos quatro processos já referidos, prescindido das testemunhas mais radicais, ou saldar uma dívida de gratidão para com o malogrado Felisberto Vieira Lopes que foi seu mestre e mentor de muitas outras lutas.
Efectivamente, grande parte do país espera e acredita (ansiosa) que a luta de Amadeu Oliveira dê um safanão, para o bem, no sistema judicial cabo-verdiano. E para isso todos os meios serão válidos. Mas Amadeu, seguindo a linha "Pirista", decidiu adoptar uma postura mais moderada, ao ponto de aceitar ser detido por ordens da Juiza Ivanilda Mascarenhas Varela, numa decisão que muitos especialistas classificam como sendo uma Detenção arbitrária e fora do quadro legal vigente.
Entretanto, elementos do grupo de apoio começaram a avisar que se Oliveira não tomar cautelas na sua defesa, ainda vai acabar condenado a alguns anos de prisão efectiva e defraudando as expectativas que ele mesmo já criou no Povo.
Como vão ser as cenas dos próximos capítulos, a ver, vamos!!!
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