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Medidas administrativas na base do atentado contra Óscar Santos. Mandantes iriam pagar dois mil contos pelo serviço
Sociedade

Medidas administrativas na base do atentado contra Óscar Santos. Mandantes iriam pagar dois mil contos pelo serviço

Algumas medidas administrativas que deixaram certos operadores económicos do município da Praia enraivecidos poderão estar na base da tentativa de homicídio do ex-presidente da Câmara Municipal da Praia (CMP) e actual governador do Banco de Cabo Verde, Óscar Santos, ocorrida a 29 de Julho de 2019. De entre as medidas está o cancelamento de licenças de táxi exploradas por procuração.

O cancelamento das licenças de táxi que vinham sendo exploradas através de procurações e que, no entender da então gestão camararia, era ilegal, porquanto estas são intransmissíveis, trouxe consequências às actividades económicas desenvolvidas pelos arguidos Manuel Alves (Antoninho), João Domingos Centeio Sequeira (Minguta), João Vaz Antunes, Carlos Alberto Mendes, Emanuel Mendes Gomes (Manú) e Teofinho.

Estes, apesar de serem, cada um, proprietários de licença legal para exploração do serviço de táxi, exploravam várias outras licenças através de procurações que adquiriam nos donos originários por milhões de escudos. A anunciada medida de Óscar Santos seria, na óptica da investigação, uma dor de cabeça para os seus negócios.

Quase três anos após o ocorrido, foram detidos, na quinta-feira, 5, oito indivíduos (o último elemento foi detido após a emissão da nota da Polícia Judiciária), suspeitos de estarem envolvidos no atentado contra Óscar Santos.  

A origem

Em fevereiro de 2018, o então autarca havia cortado o expediente da procuração para venda de licenças, com base, como dissera, em testemunhos de pessoas que confessaram ter adquirido licenças por valores astronómicos que rondam entre 2.000 a 4.000 contos, quando as licenças são renovadas a um preço de treze contos por ano na câmara.

Na altura, João Vaz Antunes, que era presidente da Associação dos Proprietários de Táxi da Praia, reconheceu a existência da lei que proíbe a transferência de licenças e acusou o presidente da CMP de violar essa legislação. Pois disse que o primeiro a não cumprir a lei é a CMP, uma vez que a lei existia há anos, mas a Câmara sempre recebeu o pagamento para a renovação das licenças por procuração e que só então começou a exigir o cumprimento da lei. João Vaz Antunes chegou inclusive a sugerir o recenseamento dos taxistas para se inteirar da sua legalidade, em detrimento da cassação das licenças.

Sobre as declarações de Óscar Santos, de que as licenças de táxi são vendidas a um “preço exorbitante”, o então líder dos taxistas disse que o ex-autarca estaria “equivocado”, uma vez que, realçou, quando se fala em vender licenças a um “preço exorbitante”, as pessoas não sabem que o preço a que referem envolve a própria viatura mais a licença do aluguer.

Diante dos factos, Antunes anunciou que a luta passava por “impugnar”, no tribunal, “a deliberação da CMP”, uma vez que em jogo estariam o ganha pão de vários taxistas e famílias, sublinhando que a Associação “repudia veementemente” a determinação da CMP de “caçar” as licenças para depois atribuí-las através de concurso.

Vingança?

Com a CMP a não dar o braço a torcer, soube o Santiago Magazine junto de uma fonte judicial que os arguidos teriam montado um plano para matar o então edil praiense, como forma de persuadir a equipa camarária a recuar no cancelamento das licenças de serviço de táxi exploradas por procuração. Consta que, para levar adiante a missão, o gupo teria proposto um montante de dois mil contos, como recompensa ao suposto assassino a soldo que teriam de contratar.

De acordo com fonte judicial, Minguta seria uma espécie de tesoureiro dessa alegada operação. Aliás, as autoridades judiciais, segundo as nossas fontes, terão conhecimento de que não seria a primeira vez que Óscar Santos constaria de uma suposta lista dos desafetos de Minguta - não chegou a ser detido por se encontrar fora do país -, porque o ex-autarca tinha mandado demolir-lhe uma obra no bairro de Achada de Santo António para a construção de um restaurante.

A mesma fonte judicial revelou ainda que no ano de 2019, no decurso de uma reunião ocorrida na Câmara Municipal da Praia entre Óscar Santos e os proprietários de táxi afectados pelo cancelamento das licenças de exploração mediante procurações, o empresário Teofinho teria dito de viva voz ante os presentes que iria matar alguém caso lhe fosse tirado as três licenças de táxi compradas no valor de nove mil contos.

Também se sabe que Manú (Emanuel Mendes Gomes), que também está fora do país, por seu turno tinha na altura em seu nome pessoal, no da sua sociedade e no de familiares e terceiros pelo menos 26 licenças de táxi a explorar mediante procurações, mas viu o negócio ser arruinado com o cancelamento das licenças de táxi.

Em Agosto de 2019, tinha sido pego num esquema fraudulento montado em coautoria com a namorada, então funcionária da CMP, ao qual já foram acusados pelo Ministério Público pela prática de 26 crimes de falsificação de documentos públicos e 26 crimes de burla qualificada.

Enfim a maioria dos arguidos deste atentado contra Óscar Santos está ligada ao sector do táxi, outros envolvidos aparecem por por participarem ou colabararem nessa alegada operação.

O atentado

Óscar Santos foi baleado por volta das 05:30, do dia 29 de Julho de 2019, em frente a um ginásio que frequenta, no bairro do Palmarejo, por encapuzados.

O ex-edil foi atingido no braço direito e foi socorrido por funcionários do ginásio antes de ser transportado para o Hospital Agostinho Neto. Na época, o Governo considerou o acto de “ignóbil”, que nada representa a imagem de Cabo Verde, que é um país onde a paz, social prevalece, tendo apelado à serenidade de todos, pois a “estabilidade social é o maior activo do País, a proteger e cuidar”.

Esta foi a primeira vez na história do país que um presidente de Câmara sofre um atentado do género. Antes, acontecera com o ex-procurador da República, Arlindo Figueiredo Silva. E, a nível particular, com o filho do ex-primeiro-ministro José Maria Neves, José Luis Neves, e com a mãe da inspectora da PJ, Kátia Moreira. Todos atentados perpetrados à porta da sua residência.

(Actualizado e corrigido às 14h18)

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