Um anúncio de 100 empregos para Espanha e Portugal, a recrutar em São Vicente, recebeu mais de 1.200 candidaturas, disse à Lusa a representante da Organização das Mulheres de Cabo Verde, "espantada" com a procura pela emigração.
“Atendemos na delegação mais de 300 pessoas e no e-mail que disponibilizámos para enviarem as suas candidaturas recebemos mais de 900. O processo saiu do nosso controlo, porque não fazíamos ideia, quando anunciámos a contratação, que havia tanta gente à procura de sair do país”, afirmou à Lusa Fátima Balbina Lima, delegada da Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), organização não-governamental que foi recrutada para conduzir este processo na ilha de São Vicente nos últimos dias.
O recrutamento conduzido pela OMCV pedia 25 cabo-verdianos para trabalhar na restauração e área do turismo em Portugal e mais 75 trabalhadores para construção civil em Espanha. Contudo, em menos de uma semana a OMCV viu-se obrigada a suspender o processo, face ao número de currículos e de pedidos recebidos, muitas vezes de pessoas que nem sabiam ao que se candidatavam.
“Muitos estão à procura é de sair do país e não do trabalho, já que não possuem os requisitos exigidos. O argumento que usavam era de que queriam melhorar as suas condições de vida. Em vez de pedir emprego, pediam ajuda para emigrar, recebia mensagens na minha caixa de e-mail pessoal, no meu 'messenger', no meu telefone, nos contactos da instituição. O e-mail da candidatura até saturou”, disse.
A instituição ainda não conseguiu concluir a triagem das candidaturas, tendo em conta os requisitos, mas adianta que já há um total de 300 candidatos que foram selecionados nesta primeira fase. Seguir-se-á nova triagem, em função do nível de formação, experiência profissional e das cartas de recomendação recebidas.
“Tudo isso faz parte da pré-seleção, pois em seguida iremos enviar as candidaturas que passaram na triagem aos contratantes, para serem eles a fazer a seleção definitiva e nos enviarem a lista para procedermos à contratação”, detalhou a dirigente.
O contrato será realizado pela OMCV, que irá preparar os candidatos, com análises e testes psicotécnicos, de saúde física, entrevistas e formação em línguas. Entretanto, este processo de recrutamento obrigou a OMCV a contratar um grupo de profissionais para trabalhar com as candidaturas e com os candidatos.
“Contratámos um psicólogo, que os irá preparar para as dificuldades que poderão encontrar e as formas de integração num país estrangeiro, temos um advogado para realizar o contrato de cada um, contratámos um informático e uma técnica em comunicação também para trabalharem neste processo”, afirmou.
O processo deverá estar pronto ainda este ano e, segundo Fátima Balbina, se houver algum atraso será na burocracia e nos pedidos de visto de trabalho para Portugal e Espanha.
O arquipélago enfrenta uma profunda crise económica e financeira, decorrente da forte quebra na procura turística – setor que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do arquipélago – desde março de 2020, devido à pandemia de covid-19.
Em 2020, registou uma recessão económica histórica, equivalente a 14,8% do PIB, seguindo-se um crescimento de 7% em 2021 impulsionado pela retoma da procura turística. Para 2022, devido às consequências económicas da guerra na Ucrânia, nomeadamente a escalada de preços, o Governo cabo-verdiano baixou a previsão de crescimento de 6% para 4%.
O Governo de Cabo Verde anunciou na semana passada que está a negociar com Portugal um acordo que garanta proteção e salvaguarda de direitos ao abrigo do contrato de trabalho para os trabalhadores cabo-verdianos que queiram aderir à mobilidade laboral.
O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, na sequência das ações de recrutamento de empresas portuguesas realizadas nos últimos dias em Cabo Verde, a última das quais em 04 de outubro, pela Auto Viação Feirense, que pretendia contratar 30 motoristas e que acabou por reunir à porta de um hotel da Praia várias centenas de candidatos de várias ilhas cabo-verdianas que se deslocaram propositadamente à capital.
“O Governo está a trabalhar com o Governo português para a definição de um acordo que garanta contrato de trabalho junto de empregadores, que garanta proteção e segurança social, proteção de assistência médica, medicamentosa que é derivado do sistema de segurança social para aqueles que querem fazer a mobilidade laboral para Portugal, possam fazê-lo dentro de um quadro que garanta direitos”, disse o chefe do Governo, questionado pelos jornalistas.
Sem entrar em detalhes, Ulisses Correia e Silva afirmou que esse acordo deverá ser assinado em breve com as autoridades portuguesas, mas advertiu que os cidadãos que tentarem a emigração para Portugal através de outros expedientes não serão abrangidos por este quadro de cooperação, integração e de garantia de direitos, tendo de “assumir os seus riscos”.
Entretanto, o líder do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), Rui Semedo, responsabilizou o Governo, liderado pelo MpD, pela vaga de emigração a que o país tem vindo a assistir, devido ao “falhanço das políticas” governativas.
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