A Audiência Contraditória Preliminar (ACP) referente ao mega-processo conhecido como "máfia de terrenos" na Praia, que arrancou esta segunda-feira, 21, vai ter o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, e o cardeal D. Arlindo Furtado como testemunhas de Arnaldo Silva, um dos 15 arguidos neste processo, que também tem como réus Rafael Fernandes, Alfredo Carvalho e a empresa deste, Tecnicil, todos acusados de burla qualificada, lavagem de capital, associação criminosa, falsificação de documentos e corrupção activa.
Começou esta segunda-feira, 21, e vai até o dia 2 de Julho, a Audiência Contraditória Preliminar do mediático processo vulgarmente conhecido como "máfia dos terrenos" na cidade da Praia, em que estão acusados 15 individuos que vão responder por burla qualificada, lavagem de capital, associação criminosa, falsificação de documentos e corrupção activa.
A lista de réus inclui o antigo governante e ex-bastonário da Ordem dos advogados, Arnaldo Silva, o ex-vereador da CMP, Rafael Fernandes, o PCA da Tecnicil, Alfredo Carvalho, Armindo Silva (ex-topógrafo da CMP), Maria Helena Oliveira e Sousa (filha de Fernando de Sousa), Maria Albertina Duarte (Ex- director geral de Registo e Notariado), Rita Martins (Notária-Conservadora dos Registos), Elsa Silva (empresária angolana), Victor Oliveira e Sousa (filho de Fernando Sousa), Maria Leonor Pinto Balsemão Sousa (portuguesa), José Manuel Oliveira Sousa (filho de Fernando Sousa), Ivone Brilhante (portuguesa), Maria do Céu Monteiro e Wanderley Oliveira e Sousa (filho de Fernando Sousa).
E de entre as 40 testemunhas que serão ouvidas pelo juiz Alcides Andrade no 3º juizo-crime do tribunal da Praia, saltam à vista dois nomes: Ulisses Correia e Silva, primeiro-ministro de Cabo Verde, e o cardeal D. Arlindo Furtado, arrolados para depôr a favor de Arnaldo Silva.
O chefe do Governo é aqui chamado porque, enquanto presidente da Câmara Municipal da Praia, foi ele quem assinou um Memorando de Entendimento com o gabinete de advocacia de Arnaldo Silva, defensor dos interesses dos herdeiros de Fernando de Sousa, que estipulava a repartição a meias dos lucros pelas vendas das terras de Fernando Sousa.
De facto, no memorando de entendimento assinado a 31 de Março de 2014, que faz parte do processo em investigação, aparecem os nomes de Ulisses Correia e Silva, como segundo outorgante em representação da CMP, e de Arnaldo Silva, defensor dos interesses da família Fernando Sousa, como signatários. Esse documento - cujo contrato formal terá sido assinado em 2017 - afirmava que "o primeiro outorgante (Fernando Serra Sousa) cede ao segundo (CMP) os direitos de propriedade que detém sobre os terrenos inscritos na matriz predial urbana deste concelho sob o número 1105 e descrito na Conservatória dos Registos - Secção Predial, sob o número 5780, com as confrontações dela constantes".
Ora, essas terras registadas com número 5780 na Conservatória, são precisamente as que o malogrado advogado Felisberto Vieira Lopes, então defensor dos herdeiros dos Tavares Homem, acusava Arnaldo Silva de supostamente ter adulterado e falsificado desde 1999. "Em 24 de Fevereiro de 2003, pelo averbamento nº14, Fernando José Serra Sousa, sem ter herdado, comprado, nem arrematado Palmarejo, Frouxa-Chapéu (n.d.r. actual Tira-Chapéu), Terra Branca, Monte Babosa e Simão Ribeiro, incluiu esses prédios no prédio nº 5780 através do artifício fraudulento de uma certidão matricial passada em 25 de Setembro de 2002, com base na matriz falsificada em 1999", lê-se no folheto distribuido por Vieira Lopes ainda no ano de 2011 a todas as entidades do país.
Com base nesse referido memorando, a CMP passaria então a poder vender "todos os lotes que ainda não foram vendidos, os lotes a serem criados e, se for o caso, os lotes em processo de regularização", sendo que os valores das vendas (cláusula terceira) seriam "depositados numa conta conjunta, devendo os mesmos ser divididos ao fim de cada mês, em partes iguais pelos outorgantes".
Cláusula sexta: "Ainda no âmbito deste memorandum, o segundo outorgante (CMP) compromete-se a ceder ao primeiro um lote de terreno, em nome de entidade a ser identificada pelo primeiro outorgante, com área a ser determinada, situado no antigo Curral do Concelho, ao lado da actual Biblioteca Nacional, para a construção de um prédio de escritórios, como forma de compensação pelo terreno cedido pela CMP à Electra, no âmbito da subscrição e realização das acções do município naquela empresa".
Este documento, constante do processo que investiga a compra e venda de terrenos na Praia, é, ao que se sabe, apenas um dos muitos contratos que estão sob escrutínio das autoridades judiciárias.
Já o cardeal D. Arlindo Furtado vai ter de explicar como é que a Igreja Católica vendeu parcelas de terras na zona de Simão Ribeiro que, alegadamente, pertencem aos herdeiros dos Tavares Homem. Na acusação, essas terras em Simão Ribeiro foram cedidas à Igreja por Arnaldo Silva, depois de, segundo o Ministério Público, ter adulterado registos no livro de matriz na Câmara Municipal da Praia.
No folheto de Outubro de 2011, Vieira Lopes escreveu estas palavras: "Não digam que não avisámos a todos, públicos e privados, a tempo e hora, porque a impunidade dos tubarões de colarinho branco da Máfia de Cabo Verde tem de acabar, sobretudo agora que a ONU, no Relatório de 2010, recomendou todos os Estados democráticos a perseguirem os tubarões da alta criminalidade organizada, como os protagonistas do caso Palmarejo - a maior, mais danosa, a mais descarada e escandalosa burla na História de Cabo Verde".
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