Herdeiros da família Lopes Afonso acusam o Governo de invadir e ocupar de forma abusiva e ilegal 40 mil metros quadrados dentro do seu terreno na zona de Praia Baixo, concelho de São Domingos, para a instalação de uma unidade dessalinizadora, conforme uma placa afixada no local pelo Ministério da Agricultura, dona desta obra que vai servir a empresa pública Água de Rega e que tem financiamento da Hungria. Revoltados, os proprietários avançam com um processo de embargo e impedir a prossecução dos trabalhos – o músico Bino Barros é, aliás, um dos herdeiros e fez um directo no Facebook este domingo a denunciar “esse abuso do poder”.
Numa deslocação ao Praia Baixo este sábado, 3, os herdeiros da família Lopes Afonso depararam-se com uma placa afixada dentro da sua propriedade a informar sobre o arranque das obras de instalação de uma unidade dessalinizadora no local, já na zona de Achada Baleia, mas sem sua autorização, sem explicação, sem algum contacto ou qualquer tipo de acordo prévio. “Não fomos contactados por ninguém, nem para pedir venda nem para negociarem sobre uma eventual expropriação e os valores a serem atribuídos como indemnização. Portanto invadiram de forma abusiva e ocuparem terreno particular ilegalmente, um completo abuso de poder”, reclama Cecílio da Moura, um dos herdeiros da família Lopes Afonso, que só soube dessa obra no sábado, ao ver uma vasta parcela do seu terreno vedada e com placa informativa do Governo.
O placar, na verdade, está lá desde 6 de Fevereiro (ver foto em destaque), quando o Executivo, num acto presidido pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, lançou o programa de Mobilização de Água para Agricultura através de água dessalinizada, projecto financiado pelo Eximbank no quadro da cooperação com o Governo da Hungria no valor de 3,5 milhões de euros (3,8 milhões de contos), abarcando nesta primeira fase cinco concelhos, três ilhas – São Domingos, Santa Cruz, São Lourenço dos Órgãos, Maio e Boa Vista. Toda a infra-estrutura vai ocupar uma área de 4 hectares (40 mil metros quadrados), que já está delimitada com vedação em arame farpado - o empreiteiro é a VTK INNOSYSTEM, fiscalizaçõ da QZRT Infotech e prazo de ecucução de 120 dias.
O problema é que o local escolhido para dar início a esse projecto do modernização da agricultura não pertence ao Estado, garantiram ao Santiago Magazine os herdeiros da família Lopes Afonso, que mostram documentos (levantamento topográfico) homologados e emitidos pelo Instituto Nacional de Gestão Territorial (INGT), Certidão de Registo Predial e recibo do pagamento do Imposto Único sobre o Património (IUP) na Câmara Municipal de São Domingos que lhes dão posse, por direito, a 2 milhões de metros quadrados (200 hectares) do “prédio rústico, sito em Praia Baixo, compreendendo pelo Montinho desde o Pé da Ribeira passando o Covão até o Cume do Monte Cellado e do Cume deste Monte, tirando uma recta que vai até o Mar, seguindo sempre pelo Lombado do Monte”.
A unidade dessalinizadora do Ministério da Agricultura e da empresa pública Água de Rega, que ocupa 40 mil metros quadrados (4 ha), fica dentro desses 200 hectares que a família Lopes Afonso é titular. Olívio Lopes Afonso, através de uma denúncia pública, diz que definiram o valor de 3.000$00 por cada metro quadrado nessa zona “tendo em conta a sua localização privilegiada”.
“Acontece que, na visita à propriedade, tomaram conhecimento que o Estado/ Ministério de agricultura e Ambiente e a Empresa AdR- Empresa pública de Água e Rega, com o financiamento da EXIMBANK no quadro da cooperação com a Hungria, iniciaram construção de um dessalinizador de Água dentro do prédio supra identificado, propriedade essa pertencente aos requerentes. As referidas obras novas estão a ser edificadas sem qualquer autorização dos proprietários. Os Reclamantes ora denunciantes analisaram as construções e da análise da certidão predial e o levantamento topográfico validado pelo INGT confirmaram que efetivamente as obras novas dos Requeridos estão a ser edificadas dentro do perímetro do prédio rústico que é propriedade dos Requerentes ocupando vasta área”, lê-se na denúncia pública enviada ao Santiago Magazine.
Este domingo, o músico Bino Barros, hoje a residir nos EUA, publicou um post a tecer duras críticas aos políticos e fez um vídeo directo no Facebook a contar toda a história para “desmascarar esses bandidos”. Visivelmente agastado e decepcionado, o autor de grandes êxitos do batuco acusou todos os envolvidos nesse processo de má-fé e estarem no poder para benefício próprio.
Com efeito, esses herdeiros accionaram o seu advogado para avançar de imediato com um processo de embargo, dossier que, a esta altura, já deverá ter dado entrada no Tribunal de São Domingos.
“Trata-se de uma violação da propriedade privada. A propriedade privada é um direito constitucional. A Certidão Predial de Registo Predial, bem como o levantamento topográfico validado pelo Instituto da Gestão Territorial-INGT, que aqui se juntam, dados por integralmente reproduzidos para todos os efeitos e consequências legais, comprovam a titularidade do prédio e pode-se verificar que aquelas construções iniciadas há bem pouco tempo, pelos Requeridos, encontram-se dentro da área abrangente do prédio rústico dos Requerentes. O Estado, através do Ministério das Finanças, Património do Estado sabe que a propriedade pertence aos Reclamantes”, sublinha a contestação, acrescentando que “os danos na propriedade são elevados e de difícil reparação já que conta que os Reclamantes/denunciantes estão a ser abusados no seu direito de propriedade, por parte do Estado como é o caso dos requeridos”.
Justificando ainda mais a solicitação do embargo e urgente suspensão dos trabalhos, o defensor da família Lopes Afonso argumenta que “tal Pedido, não causa apenas um mero incómodo, nem constitui uma mera ofensa normativa e formal, antes causa um dano ou prejuízo objetivo, efetivo, verdadeiro, real, in natura, grave, substancial e dificilmente reparável, a satisfazer até o requisito do receio ‘da lesão grave ou dificilmente reparável’ prevista no artigo 380º nº 1 do C.P.C, aplicável às providências cautelares especificadas, designadamente ao embargo de obra nova. Com efeito, determina, o artigo 380.º n.º 1 do CPC que: ‘Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de trinta dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente’.”
Até ao fecho desta peça não conseguimos chegar à fala com nenhum responsável quer do Ministério da Agricultura, quer da empresa Água de Rega para dizerem da sua justiça e exercerem o contraditório, o que esperamos acontecer a qualquer momento.
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