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Emigrante acusa Conservatória de “inércia” no averbamento de divórcio e ministra manda averiguar caso
Sociedade

Emigrante acusa Conservatória de “inércia” no averbamento de divórcio e ministra manda averiguar caso

Um cidadão cabo-verdiano emigrado há anos na Europa diz-se prejudicado pelos serviços de Registos Notariado e Identificação (RNI) que, supostamente, lhe recusam o averbamento de um divórcio, tendo a ministra da Justiça já mandado instaurar um processo de averiguação.

Em declarações à Inforpress, o queixoso Alcídio Monteiro disse que tem evitado fazer investimentos em Cabo Verde, uma vez que se arrisca a agir como casado quando, na verdade, está divorciado há mais de 30 anos.

“Este não é o único caso desta natureza”, afirmou o emigrante que diz ter tentado de tudo, inclusive a intervenção da ministra da Justiça, Joana Rosa, no sentido de conseguir que seja anulado em Cabo Verde o casamento realizado em 1989 na Suíça com uma cidadã daquele país. Até porque a união durou pouco, apenas dois anos.

Na altura, não se preocupou em tratar da legalização do divórcio decretado por um tribunal suíço junto das autoridades cabo-verdianos. E o tempo foi passando.

“Mas, em 2017, quando se aproximava a minha pré-reforma pedi à minha advogada que tratasse do meu divórcio em Cabo Verde. Em 2018 o Tribunal de Relação de Barlavento reconheceu a sentença do divórcio dada pelo tribunal suíço. Lembro que, na altura, paguei cerca de 80 mil escudos cabo-verdianos por todo o processo”, contou.

Mas para espanto deste emigrante cabo-verdiano, hoje a viver em Portugal, nos seus registos em Cabo Verde ainda consta que é casado com uma cidadã suíça. Alcídio Monteiro mostra-se assim indignado com aquilo que considera o “descaso” dos serviços dos Registos e Notariado em cumprir com aquilo que ditou o Tribunal de Relação de Barlavento (TRB).

“A nota para o averbamento do meu divórcio foi enviada do Tribunal da Relação de Barlavento para a Direcção Geral dos Registos no dia 25 de Junho de 2018. Muito me admira que até hoje, mais de quatro anos depois, nada tenha sido feito no sentido de se averbar o divórcio”, afirmou.

Depois de muitos anos a trabalhar na Suíça, Alcídio Monteiro diz que agora vive a sua  pré-reforma “quase forçosamente” em Portugal, onde teve de investir cerca de 200 mil euros na compra de um apartamento, enquanto aguarda a resolução do seu problema em Cabo Verde.

“Teria preferido fazer tal investimento no meu país. Mas dado o que precede, não posso correr o risco de ter que fazer duas escrituras sem contar com as possíveis pretensões da minha ex-cônjuge. A mesma atitude se aplica nas poupanças e em qualquer outro investimento. Tudo o que pretendo fazer a este nível tem de ter a assinatura dela e ela tem direito a metade”, explicou.

Sobre este assunto, a Inforpress conseguiu apurar junto de um advogado que há “muitos compatriotas” na mesma situação em que “a conservatória, simplesmente, não procede ao averbamento do estado civil”.

“Só em São Vicente há mais de 30 casos”, disse a mesma fonte, completando que a questão aparenta ser um conflito de interesses entre o Tribunal da Relação e a Conservatória.

“A lei diz claramente que a competência é do Tribunal que decide e manda averbar. Acontece que a Conservatória agora tem entendido que também deve fiscalizar os documentos pelo que os exige, sem razão e sem competência. É facto que o expediente a que se tem recorrido é ir buscar o processo já decidido no Tribunal, autenticar os documentos e voltar a entregá-los na Conservatória. Ali, se pedir favor, pagar… averbam”, contou.

Ministra decreta processo de averiguação 

Ouvida a esse respeito, a ministra da Justiça, Joana Rosa, explicou que a revisão e confirmação da sentença estrangeira, de qualquer natureza, estão sujeitas à revisão pelos Tribunais da Relação. Mais: para efeitos de revisão de uma sentença estrangeira de divórcio, a parte interessada deve instruir, através do seu advogado, a sua petição inicial de revisão com documentos como certidão de casamento realizado no estrangeiro, certidão da sentença estrangeira do divórcio e certidão do trânsito em julgado no País onde a sentença foi proferida.

“Feita a revisão, a parte cabo-verdiana deve solicitar à Conservatória dos Registos Centrais o averbamento do divórcio nos seus assentos de casamento e de nascimento em Cabo Verde”, continuou.

Porém, independentemente da sentença de revisão, explica a ministra Joana Rosa,  a parte cabo-verdiana deve, normalmente antes da instauração do processo de revisão, fazer, junto da Conservatória dos Registos Centrais a transcrição do seu casamento realizado no estrangeiro, apresentando o original ou cópia autenticada da sua certidão de casamento.

“Estando o casamento transcrito em Cabo Verde, após a revisão da sentença do divórcio, a parte cabo-verdiana deve pedir junto da Conservatória dos Registos Centrais, o registo, por averbamento, do divórcio, apresentando para o efeito a certidão da sentença estrangeira revista e a certidão da sentença de revisão do Tribunal da Relação, devendo o pedido ser deferido e efectuado sem mais formalidades”, explicou.

Na eventualidade de ter sido proferida a sentença de revisão pelo Tribunal da Relação, sem a transcrição prévia do casamento em Cabo Verde, a ministra diz que a parte cabo-verdiana deve, no mesmo requerimento ou em requerimentos separados apresentados em simultâneo o pedido de transcrição do casamento realizado no estrangeiro em Cabo Verde, juntando o original da certidão do casamento e devidamente traduzido para o Português e o pedido de averbamento do divórcio, juntando a certidão da sentença estrangeira que decretou o divórcio e a certidão da sentença do Tribunal da Relação.

Porém, a governante deixa uma ressalva para o caso de Alcídio Monteiro. E explica: “No caso em apreço, parece-me que não se coloca o problema da transcrição do casamento em Cabo Verde, que parece estar efectuada, porque o interessado diz que continua a figurar como casado no País. Assim, apenas falta fazer o averbamento do divórcio, bastando para o efeito a certidão da sentença estrangeira e a certidão da sentença do Tribunal da Relação, sendo que nada mais pode ser legalmente exigido ao requerente”, comentou.

Para uma melhor clarificação da situação, Joana Rosa anunciou que já mandou instaurar um processo de averiguação e que o Inspector do RNI estará já a recolher dados em relação aos processos que se encontram pendentes nas Conservatórias.

“Em casos de recusa de averbamento, os interessados devem sempre interpor recurso, hierárquico ou judicial, da decisão do Conservador que recusou o averbamento. Já reforçamos os Serviços de Inspecção com mais um inspector, para que possam melhor acompanhar, e avaliar o desempenho das Conservatórias e dos Cartórios Notariais”, concluiu.

Ponte quebrada na ligação com os emigrantes 

A Agência Cabo-verdiana de Notícias falou também com o deputado do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV-oposição) João do Carmo, que diz ter sido procurado por “vários emigrantes” com problemas no processo de documentação cabo-verdiana.

“Recentemente, também temos recebido queixas de cabo-verdianos que vivem em outros países com problemas de divórcio. Entretanto, alguns casos não precisam de leis para serem resolvidos”, argumenta o deputado eleito pelo círculo eleitoral de São Vicente.  Para Do Carmo, a “flexibilidade” de quem decide é importante, quanto mais não seja porque são “casos muito diferentes” que se forem aguardar pela legislação vão levar muito tempo a serem resolvidos.

E em nome dessa tal flexibilidade das autoridades, João do Carmo sugere uma lei-suporte, que dê garantias ao povo, porque “acima de tudo estão os cabo-verdianos” e “a Constituição assegura o direito à documentação a cada cidadão de Cabo Verde”.

Sobre isto, Joana Rosa, disse à reportagem da Inforpress que a reforma e modernização dos Registos, Notariado e Identificação (RNI) estão a ser equacionadas, visando garantir a prestação de um serviço de qualidade aos utentes e reduzir o tempo de espera. Em suma, um atendimento de excelência, pela via da aposta na formação e qualificação dos operadores dos RNI.

“Encerramos na semana passada uma formação sobre a “inteligência emocional” e temos programado uma série de acções de formação aos conservadores/notários, dos oficiais ajudantes e a todos quantos prestam serviços nas Conservatórias e nos Cartórios Notariais, visando à melhoria na prestação de serviços”, contou a ministra da Justiça.

Nos próximos dias, anunciou a governante, se vai avançar com a implementação de um projecto de digitalização e se está a contar, também para breve, iniciar um projecto de digitação.

“Com isso, estaremos em condições de começar a prestar serviços on-line. Tencionamos, outrossim, para além de várias outras acções, desconcentrar os serviços aqui na Praia, onde se regista um aumento da demanda, mas vai depender da disponibilidade de recursos humanos e financeiros”, concluiu.

Divórcio fora do Portal Consular de Cabo Verde

Também ouvido nesta reportagem, o ministro das Comunidades, Jorge Santos, afirmou que o seu ministério tem estado a acompanhar todos esses casos e que, neste momento, está em curso “uma grande reforma “de modernização e digitalização de tudo que seja prestação consular e que, por isso, se aprovou a implementação do Portal Consular de Cabo Verde.

“Trata-se de um espaço on-line que irá garantir todas as prestações consulares, mais de 48, digitalmente, sem recorrer a uma embaixada ou um consulado” explicou o ministro, afirmando que, entretanto, há uma prestação consular que é “mais complexa”: a questão do divórcio.

Segundo disse, o divórcio ainda, nos termos da lei vigente em Cabo Verde, é decidido a nível dos tribunais nacionais e, portanto, essa matéria ainda não pode ser digitalizada. Aliás, entende Jorge Santos que “dificilmente vai ser digitalizada”.

“São os tribunais a decidir sobre o divórcio porque aqui estão vários elementos em causa, os direitos dos descendentes, se tiverem, e também a questão patrimonial adquirida ao longo da vivência desse matrimónio e há um conjunto complexo”, afirmou.

O Ministério das Comunidades tem estado, segundo Jorge Santos, a analisar esta questão, conjuntamente com o Ministério da Justiça e, “com certeza”, abrindo as possibilidades em termos da digitalização do processo, mas, frisou, “no fim da linha, quem decide é o tribunal”.

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