Sifonelo Borges, internacional cabo-verdiano, campeão nacional em meios-pesados dos últimos 10 anos, com recorde de vitórias por K0, divide o dia entre o cemitério e o pavilhão desportivo, sonha com uma profissão “digna” e Jogos Olímpicos Paris’2024.
“King”, cognome que adoptou junto da sua vasta legião de adeptos, Sifonelo Borges, 30 anos, também conhecido por “Homem Marreta”, dada sua forte compleição física e a forma como supera os adversários nos ringues, é uma figura de renome do boxe cabo-verdiano e que nos últimos 17 anos dominou a modalidade, vencendo praticamente todas as provas em que participa.
Define-se como um boxer humilde que pratica a modalidade desde 2005, altura que ganhou a paixão pelo desporto de ringue, e, não obstante desempenhar as funções de coveiro no cemitério da Várzea, a troco de um salário mínimo, 15.000$00 bruto, (pouco mais de 13.000$00 em mãos) almeja um dia competir no profissionalismo nos Estados Unidos da América.
Referenciado como um “eterno campeão de Cabo Verde”, venceu os últimos dez campeonatos nacionais na categoria de 81 Kg, já perdeu a contagem do número de medalhas e troféus que conquistou nas provas regionais, nacionais e internacionais, tendo inclusive afirmado que não se recorda das derrotas que sofreu no início da sua caminhada.
“Já venci grandes combates. Para chegar ao topo é claro que perdi alguns, pouquíssimos, mas infelizmente sinto que não me é dado o devido reconhecimento. Os atletas de Cabo Verde precisam de verdadeiros apoios. Damos tudo por Cabo Verde, mas o tratamento não é grande coisa. Ainda assim sou apaixonado, louco pelo boxe”, referiu à Inforpress.
Conta que já brilhou ao mais alto nível, ao vencer provas contra grandes adversários provenientes de Angola, dos Estados Unidos da América, de Portugal, do Senegal, da Holanda … e que sofreu uma única derrota ante um pugilista de Marrocos. Em relação à competição interna está a tornar-se difícil em encontrar um adversário à altura para competir, tanto nas provas do regional de Santiago, como de Cabo Verde.
Está focado em qualificar-se para os Jogos Olímpicos de Paris, pois não se conforma com o seu afastamento da selecção nacional do torneio de apuramento de Dakar para os Jogos Olímpicos de Tóquio’2020, pois queixa-se de ter sido preterido sob pretexto de chegar sistematicamente atrasado aos treinos, quando, lamentou, o seu treinamento estava condicionado aos enterros.
“Com apoio, procurava intensificar as minhas técnicas em Portugal, assim enfrentava grandes pugilistas e teria mais chance de qualificar-me para os Jogos Olímpicos”, notou.
Pujante, muito tecnicista e dedicado tanto ao boxe como ao trabalho, Sifonelo Borges clama por “uma profissão mais digna”, pois entende que como um dos representantes de Cabo Verde seria bom ter uma oportunidade para ter uma profissão que lhe permita maior tempo para a prática do boxe.
Atleta com passagem pela França, onde outrora esteve a treinar no Centro de Alto Rendimento, disse que normalmente inicia o dia com treino matinal às 05:00, trabalha diariamente das 07:00 às 17:00 no cemitério de São Filipe como coveiro.
Após o enterro, sem grandes condições por falta de fardamentos, de botas, de chapéu de entre outros acessórios indispensáveis, para este ofício, em pleno sol e vento, parte para o pavilhão desportivo Vává Duarte, onde se dedica à prática do boxe por cerca de 90 minutos diários, esforço e dedicação que o ex-presidente da Associação de Santiago Sul, Arlindo Barros, admira muito, reconhecendo ser “empreitadas para poucos”.
Sem qualquer patrocinador, o medalha de prata nos Jogos Africanos de Angola, investe o seu fraco rendimento nos equipamentos e dieta alimentar “à minha maneira” para poder praticar a modalidade, mas confessa que não tem sido fácil porque “a vida está cara” mas disse orgulhar-se de ter uma legião de fãs, que o acompanha em todos os combates internos.
Nascido e criado em Tira Chapéu, referenciado como um bairro problemático da capital, “King” louva-se de ter descoberto o boxe para se dedicar uma vida condigna, longe dos maus vícios e das delinquências, e pela forma como os jovens, seus adeptos e simpatizante, vê na sua figura um exemplo a seguir.
O exemplo de resiliência e determinação deste campeão é justificado por Belmiro “Nelo” Gomes, considerado dos melhores treinadores de boxe de Cabo Verde e que durante dez anos, isto é, de 2005 a 2015, desempenhou as funções de seleccionador da modalidade, pois rende-se à competitividade de Sifonelo, por ser um atleta que garante vitória.
“Tem capacidade para disputar o apuramento para os Jogos Olímpicos. Supera todos os atletas que enfrenta porque não tem concorrentes à altura no país. Pena é que foi discriminado”, lamentou o agora treinador da escola de Boxe Unidos do Norte, que se gaba de ter granjeado medalhas nas provas internacionais muito à custa deste atleta.
Este especialista disse que Borges carece de um tratamento adequado e exortou a federação e autoridades desportivas no sentido de dispensarem tratamento digno de campeão ao atleta.
Opinião corroborada pelo colega coveiro do cemitério de São Filipe, Claudino Semedo “Dú”, por sinal, outro campeão nacional, na modalidade de judo, que vê neste boxer um trabalhador incansável e um pugilista “referência do desporto cabo-verdiano” que precisa de uma distinção à altura da sua classe.
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