
O relatório de auditoria acerca do funcionamento da FICASE entre 2017 e 2020 denuncia irregularidades e ilegalidades na aquisição de dezenas de bens e serviços sem concurso público, por isso pede intervenção do Tribunal de Contas e da ARAP. O documento, de 683 páginas, e só recentemente homologado, fala ainda de “omissões e incongruências” nas demonstrações financeiras e utilização indevida de mais de 7 mil e 700 contos que não entraram na conta do Tesouro.
Com data de 27 de Abril de 2022, o relatório de auditoria à Fundação Cabo-verdiana de Ação Social Escolar esteve engavetado durante todo esse período e só agora foi homologado e publicado pela Inspeção Geral de Finanças.
Nas 683 páginas do documento, os auditores encarregues de investigarem o funcionamento da instituição de apoio social e escolar entre 2017 e 2020 relatam dezenas de casos irregulares e práticas ilegais cometidas pela administração.
Para começar, o relatório aponta para mais de 48 mil contos (48.496.000$00) de receitas provenientes de apadrinhamento e outros patrocínios para alunos carenciadas que não foram orçamentados, assim como 34 mil contos de despesas que não tiveram enquadramento orçamental, o que, segundo os inspectores trata-se de uma violação do número 4 do artigo 24º da Lei número 78-V-98 de 7 de Novembro que diz que “nenhuma despesa pode ser efectuada sem que, além de ser legal, se encontre suficientemente discriminado no Orçamento de Estado e tenha cabimento no correspondente crédito orçamental”.
Lê-se no mesmo relatório que “receitas saídas dos bancos comerciais provenientes de apadrinhamento e outros patrocínios aos alunos carenciados, grande parte foram, efectivamente,para a conta do Tesouro (rubrica kits escolares, manuais, etc.). Porém, foi utilizado indevidamente, sem ter dado entrada na conta do Tesouro, 7.732.257$00, defraudando princípios de ‘unicidade de caixa”.
A IGF constatou também “inúmeros erros e omissões nas demonstrações financeiras, para além de desacertos e incongruências entre os saldos e as transacções financeiras”.
Ou seja, segundo a IGF, nos quatro anos sob sua avaliação (2017 a 2020) “as demonstrações financeiras não apresentam de uma forma verdadeira e nem apropriada, em todos os aspectos materialmente relevantes, a situação financeira” da FICASE. E, partindo do princípio que as mesmas informações que lhes foram facultadas serão também encaminhadas ao Tribunal de Contas, os inspectores pedem à direção da IGF que comunique o facto ao tribunal de Contas para averiguar e apurar se “há lugar para o exercício de responsabilidade reintegratória”.
Aquisições ilegais

O relatório da IGF revela que nos quatro anos sob investigação não foi elaborado um Plano Anual de Aquisições. Aponta o documento para várias dezenas de aquisições por ajuste directo em que o valor em causa obrigava a concurso público. A IGF diz que tais compras não tiveram enquadramento legal, razão pela qual os auditores sugeriram à direcção da IGF que providencie um parecer jurídico em que sejam apuradas as responsabilidades dos administradores da FICASE, parecer esse que o relatório propõe seja encaminhado aos ministros das finanças e da Educação, por causa de “incumprimentos dos titulares do órgãos da entidade auditada a resoluções específicas do governo em matéria de aquisições públicas com elevados prejuízos para o erário público”.
Entre as irregularidades detectadas, a equipa de auditores aponta para membros de júri, em casos de concurso, serem os próprios funcionários da instituição e de o conselho de Administração chegar a deliberar atribuir à Diocesana Center como vencedora de um concurso, ultrapassando o relatório do próprio júri.
“Conforme demonstrado no ponto 2.5.4.5, vinte e quatro (24) aquisições de bens e serviços foram realizadas através de procedimentos que não respeitaram a conformidade legal: 34% do número de aquisições, o montante de 267.649.190$00, 58% do total das aquisições. Como 79% dos procedimentos utilizados em alternativa ao procedimento legal foi o ajuste directo, conclui-se que 79% do valor das aquisições foi através de procedimento irregular”, observa a IGF.
A FICASE, denuncia a inspecção das Finanças, pagou antecipadamente e na íntegra a impressão de manuais escolares e celebrou adenda a esse contrato cujo valor correspondia a 37,3% do preço inicial, quando a lei fixa um máximo de 25% sobre os trabalhos a mais. “Por outro lado, ao convidar um único fornecedor a administração da FICASE elimina a possibilidade de propostas mais vantajosas”.
Assim sendo, os inspectores das finanças pedem que o relatório seja enviado à Agência Reguladora das aquisições Públicas (ARAP) para efeito de contra-ordenação.
A IGF nota que o presidente da FICASE, Albertino Fernandes, exerceu o seu direito ao contraditório, e afirma que a posição do gestor só «confirma a pertinência das conclusões e recomendações do relatório».
Contactado por Santiago Magazine, Fernandes não quis comentar os resultados do relatório.
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