Resolver o problema da habitação em Cabo Verde exige mais do que construção de casas. Exige visão estratégica, articulação entre Estado, municípios e setor privado, e sobretudo, responsabilidade fiscal e social. Não se trata de oferecer casas a todos. Trata-se de criar condições para que todos, com esforço e apoio equilibrado, possam ter acesso a um lugar digno onde viver.
O problema da habitação em Cabo Verde é, há décadas, uma realidade silenciosa mas devastadora para milhares de famílias. Em praticamente todas as ilhas, o acesso a uma casa condigna continua a ser um desafio, sobretudo para os jovens, para os agregados familiares de baixo rendimento e para a população que vive em zonas urbanas e periurbanas em crescimento desordenado.
As abordagens políticas têm oscilado entre dois extremos: a ausência de política habitacional consistente ou a aposta em modelos de habitação pública financiada pelo Estado, muitas vezes desarticulados do mercado, das dinâmicas locais e da realidade orçamental do país. É urgente reconhecer que nenhuma dessas abordagens, isoladamente, resolve o problema.
1. O papel do Estado: auditar, identificar, requalificar
Uma das primeiras medidas deveria ser uma auditoria rigorosa ao património habitacional do Estado, a nível central e municipal. Existem edifícios devolutos, imóveis subutilizados ou esquecidos, terrenos com potencial de reabilitação. Tudo isso representa capital parado num país onde falta espaço habitável.
Com base nessa auditoria, o Estado pode:
• Destinar imóveis para reabilitação habitacional de emergência;
• Promover projetos de reabilitação urbana com parcerias público-privadas;
• Estimular habitação cooperativa e arrendamento social.
A habitação pública deve existir, mas de forma seletiva e criteriosa, centrada nas franjas mais vulneráveis da população, e não como resposta universal. Financiar massivamente este modelo sem base produtiva é insustentável e pode penalizar ainda mais a frágil classe média cabo-verdiana através da carga fiscal indireta.
2. O motor está no setor privado: reabilitar, construir, investir
A verdadeira escala de solução para o problema da habitação está na mobilização do setor privado, especialmente no incentivo à reabilitação e construção habitacional.
Medidas possíveis incluem:
• Mapear o parque habitacional existente nas cidades e nos interiores: que casas estão abandonadas, degradadas ou prontas para requalificação?
• Oferecer benefícios fiscais ou reduções no IVA sobre materiais de construção, taxas camarárias e licenças para projetos de habitação de custo controlado;
• Criar linhas de crédito com garantia pública para projetos privados de reabilitação com fins de habitação acessível.
Estas ações dinamizam o setor da construção civil, criam empregos e aumentam a oferta no mercado, sem depender unicamente do orçamento público.
3. Oportunidades com o interior e o teletrabalho
Nas últimas décadas, houve concentração populacional nas cidades principais (Praia, Mindelo, Sal) criando pressão sobre o parque habitacional e agravando a desigualdade territorial. Uma solução moderna e estrutural seria apostar em modelos de habitação acessível ligados ao teletrabalho.
Muitas funções administrativas, comerciais e até académicas já podem ser exercidas remotamente. Se o Estado e as empresas apostarem em modelos de contratação remota, muitas famílias podem optar por viver em municípios do interior, mais tranquilos e com custo de vida mais baixo, reduzindo a pressão sobre os grandes centros.
Esse modelo pode ser estratégico para repovoar zonas do interior, promover o desenvolvimento local e ajudar a redistribuir a procura habitacional.
4. Limites ao controlo artificial dos preços
Controlar rendas de forma administrativa pode parecer uma solução rápida, mas se não for bem calibrado, pode reduzir a oferta: os proprietários deixam de ter incentivo para alugar ou reabilitar imóveis, e o mercado encolhe. Isso prejudica, a médio prazo, os próprios inquilinos.
A solução passa por:
• fomentar oferta, não apenas controlar preços;
• criar programas de subscrição pública de rendas sociais para famílias carenciadas;
• e garantir transparência e estabilidade jurídica nos contratos.
Conclusão
Resolver o problema da habitação em Cabo Verde exige mais do que construção de casas. Exige visão estratégica, articulação entre Estado, municípios e setor privado, e sobretudo, responsabilidade fiscal e social.
Não se trata de oferecer casas a todos. Trata-se de criar condições para que todos, com esforço e apoio equilibrado, possam ter acesso a um lugar digno onde viver.
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A equipa do Santiago Magazine