Relativamente ao título desta minha reflexão, asseguro dizer que ter uma habitação adequada e condigna é um direito fundamental, para qualquer cidadão do mundo. Aliás, num extrato de texto que consta numa das fichas informativas sobre Direitos Humanos, publicado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas, lê-se o seguinte:
“Todos os cidadãos de todos os Estados, por muito pobres que sejam, têm o direito de esperar que os seus governos se preocupem com as suas necessidades de alojamento, e reconheçam a obrigação fundamental de proteger e de melhorar as casas e os bairros, em vez de os danificar e destruir.”[1]
Já, o artigo 71º da nossa Constituição da República exorta, de forma bem clara, o seguinte:
“Todos os cidadãos têm direito a uma habitação condigna, e é da responsabilidade dos poderes públicos.”
Ora, tendo como base desta minha cogitação de hoje os dois extratos supracitados, não nos restam dúvidas de que todo o cidadão cabo-verdiano, e não só, tem direito a uma habitação condigna e que o Governo tem o seu papel fundamental no que diz respeito à construção de infraestruturas habitacionais adequadas para/com o seu povo. Ele deve traçar estratégias para o setor e coordenar as diferentes entidades públicas ou privadas envolvidas nesta matéria.
Os dados do setor da habitação elaborado com assistência técnica da ONU-Habitat mostram que 10% dos 144.000 alojamentos existentes em Cabo Verde, não tem eletricidade (dados de 2010 – INE), 20 % não tem instalações sanitárias e 1/3 não tem acesso à rede água potável. Estas declarações foram feitas pela Assessora Técnica e ponto focal da ONU-Habitat em Cabo Verde na qualidade de oradora, no Debate Estratégico “Resiliência face à ação climática em Cabo Verde no horizonte 2030”.
Portanto, analisando bem estes dados e tendo como referência o artigo 71º da Constituição da República Cabo-verdiana, pode-se constatar que quando se fala da dignidade do povo Cabo-verdiano, está-se longe de atingir a sua plenitude.
Reparemos que Cabo Verde, já na sua IX legislatura, conta com a única política habitacional minimamente séria, que é o “Programa Casa Para Todos”. De ressaltar que foi uma das realizações da antiga governação do PAICV liderada pelo Dr. José Maria Neves que merece os nossos aplausos. Realmente, foi um programa bem-intencionado.
Porém, convém dizer que não foram muito felizes no que tange à qualidade de construção. Qualquer leigo nesta matéria pode facilmente constatar que existem grandes discrepâncias a nível de materiais de construção utilizados nestas infraestruturas e a nível do tipo de acabamento. Para a classe social mais baixa, as habitações são de reduzida qualidade, enquanto que para a classe média, estas apresentam mais conforto e melhores acabamentos. Uma situação que agrava cada vez mais a segregação social que já é bastante notável e preocupante em Cabo Verde. Sem nos esquecermos da diferenciação na localização destas infraestruturas, sobretudo na cidade da Praia.
Colocando estas deficiências de lado, convém realçar que o “Programa Casa Para Todos” revelou num excelente caminho para combater o défice habitacional existente em Cabo Verde, e do mesmo modo ajudar na resolução da problemática do planeamento urbanístico nos principais centros urbanos do país, como estabelece o artigo 71º da Constituição. No entanto, é preciso fazer um reajuste neste projeto na medida em que se tenha melhor conforto, incluindo mais serviços essenciais para um desenvolvimento integrado e inclusivo dos cidadãos, particularmente no que se refere às infraestruturas no domínio de saúde, de educação, da cultura e do desporto.
De realçar que, se se tiver em conta esta reconfiguração, juntar-se-á o útil ao agradável, porque para além de combater o flagelo de habitação condigna em Cabo Verde, este programa permitir-nos-á melhorar as condições de acesso à saúde, à segurança, à educação, ao desporto e à cultura, que são também direitos fundamentais que merecem ser salvaguardados.
O atual Governo diz ter uma política de reabilitação de casas para os mais necessitados. Neste âmbito, questiono: por que não dar continuidade ao “Programa Casa para Todos”?
Afinal, a política de continuidade também é importante sobre tudo quando se trata de algo que funcionou bem e que é benéfico para o bem-estar do povo.
Termino esta meditação aproveitando para congratular todos os atores políticos, em especial aqueles que no passado ou no presente contribuem para o desenvolvimento deste “dez grãozinho di terra qui Deus espaia na mei di mar”.
Um grande abraço a todos os Cabo-verdianos nas ilhas e na diáspora.
A LUTA continua pela voz de um lutador!
[1]Ficha informativa nº21 - O Direito Humano a uma habitação condigna, p.7
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